|
De tudo o que foi dito pode-se concluir que
alcançar o termo médio da virtude é difícil; afastar-se dele,
porém, é fácil.
Alcançar o termo médio da virtude implica em uma
dificuldade semelhante à determinação do centro de um
círculo, que não é algo que qualquer um seja capaz, mas algo
próprio do que conhece, isto é, algo próprio do geômetra,
enquanto que afastar-se do centro qualquer um pode fazê-lo e
de modo fácil.
Semelhantemente ocorre com dar dinheiro e gastá-lo
para si. Que alguém dê algo a quem é preciso dar, e quanto é
preciso, e quando é preciso, e pelo motivo necessário e como
é necessário, não é para qualquer um, nem é fácil, mas, ao
contrário, é raro, e é difícil, louvável e virtuoso, na
medida em que é segundo a razão (59).
Por tudo isso é importante conhecer os modos pelos
quais alguém pode-se tornar virtuoso. Seguindo a Aristóteles,
Tomás de Aquino determina no Comentário à Ética três modos de
alcançar a virtude. O primeiro modo deriva da própria
natureza da virtude, o segundo da natureza individual do
homem e o terceiro da natureza comum a todos os homens.
O primeiro modo, tomado da natureza própria da
virtude, consiste em que aquele que pretende alcançar o termo
médio da virtude se preocupe principalmente em afastar-se do
extremo que mais é contrariado pela virtude. Se alguém deseja
alcançar o termo médio da fortaleza, deve ter um cuidado
especial em afastar-se da timidez, que mais se opõe à
fortaleza do que à audácia (60).
O segundo modo é tomado da parte do homem, quanto
àquilo que é próprio a cada um. Já que diversos homens são
naturalmente inclinados a coisas diversas, é necessário que
aquele que deseja tornar-se virtuoso preste atenção ao que
seja aquilo ao que seu apetite mais é inclinado a ser movido.
Cada um pode conhecer aquilo a que é naturalmente inclinado
pela deleitação ou tristeza que acerca daquilo se produz,
porque para cada um aquilo que é para si conveniente segundo
a natureza lhe é deleitável. De onde que se alguém em alguma
ação ou paixão muito se deleita, é sinal de que este alguém é
naturalmente inclinado a ela. Ora, os homens tendem
veementemente às coisas que naturalmente são inclinados. Por
isso, acerca delas o homem facilmente transcende o termo
médio. É necessário, portanto, que nós nos dirijamos ao
contrário o quanto possamos (61). Este modo de adquirir a
virtude é semelhante àqueles que endireitam uma árvore torta,
os quais, querendo endireitá-la, a torcem à outra parte e
assim a reduzem ao termo médio (62).
A estas considerações de Aristóteles sobre o
segundo modo de adquirir a virtude S. Tomás de Aquino
acrescentou este seu próprio parecer:
"Deve-se considerar que este caminho
de adquirir a virtude é eficacíssimo,
isto é, que o homem se esforce ao contrário
daquilo a que é inclinado
pela natureza ou pelo costume.
O caminho que os filósofos estóicos,
(que vieram depois de Aristóteles),
propuseram é mais fácil,
isto é, o caminho pelo qual o homem
gradativamente se afasta daquilo a que é inclinado.
Mas o caminho que aqui Aristóteles coloca
compete àqueles que de modo veemente
desejam afastar-se dos vícios e alcançar a virtude,
enquanto que o caminho dos estóicos mais compete
àqueles que têm uma vontade débil e tépida" (63).
|
Há ainda um terceiro modo pelo qual o homem pode
alcançar a virtude, também tomado da parte do homem, mas não
quanto àquilo que é próprio do homem, e sim quanto àquilo que
é comum a todos. Segundo este terceiro modo, os homens que
pretendem alcançar a virtude devem universalmente evitar as
deleitações. De fato, todos são naturalmente inclinados às
deleitações, e por causa de que os homens maximamente são
inclinados à deleitação, o deleitável apreendido facilmente
move o apetite. E por isso não podemos facilmente julgar o
que é deleitável detendo-nos na consideração do mesmo. Assim,
afastando-nos das deleitações menos erraremos, porque a
concupiscência das deleitações conduz os homens a afastarem-
se do termo médio da virtude (64).
Encontrar o termo médio da virtude, continua o
Comentário, é algo difícil, principalmente considerando as
circunstâncias singulares nos operantes singulares. Por
exemplo, não é fácil de se determinar como se deve fazer, e a
respeito de que, e em quais coisas e por quanto tempo alguém
deve se irar. E é um sinal desta dificuldade o fato de que
aqueles que são deficientes em irar-se às vezes são louvados
e chamados de mansos, enquanto que outras vezes louvamos
aqueles que estão mais agravando uma situação punindo ou
resistindo e os chamamos de viris (65).
Por isso é suficiente para o termo médio da
virtude que alguém pouco se afaste daquilo que é bem feito
segundo a virtude, o qual não é vituperado, nem se declinar
para mais ou para menos. Isto porque um pequeno afastamento
do termo médio da virtude é ocultado pela própria dificuldade
do termo médio. Mas um grande afastamento merece ser
reprovado, porque não se pode ocultar. Quanto, porém, alguém
pode afastar-se do termo médio sem que tenha que ser
reprovado é algo que não pode ser facilmente determinado
apenas num discurso (66).
|