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Conforme foi dito no ítem anterior, a natureza da
virtude é tal que ordena a potência à sua perfeição; esta
perfeição, devido à natureza humana, consiste em que a
potência opere segundo a razão. Assim, a razão tem para com a
virtude a natureza de medida, a virtude sendo hábito bom
segundo sua concordância com a medida.
Toda medida pode corromper-se por deficiência ou
excesso; portanto, na medida em que a operação perfeita
determinada pela virtude moral consiste em sua adequação à
medida da razão, diz-se que a virtude moral determina a
operação das potências a um termo médio entre um excesso e
uma deficiência (44).
As operações da virtude podem corromper-se tanto
por excesso como por defeito, do que pode-se dar um exemplo
mais evidente nos hábitos corporais: a força do corpo pode
corromper-se pelo excesso do exercício como também pela
ausência do exercício; o mesmo ocorre com a saúde, que pode
corromper-se pela quantidade excessiva como pela quantidade
deficiente do alimento. Assim também ocorre com as virtudes
da alma: aqueles que tudo temem e fogem, nada enfrentando de
terrível, se tornam tímidos; aqueles, por outro lado, que
nada temem e se precipitam a todos os perigos se tornam
(temerariamente) audazes; de onde que se conclui que a
virtude da fortaleza consiste num termo médio (45), isto é,
enfrentando os perigos segundo a regra da razão, no lugar e
tempo oportunos e por um motivo adequado (46).
O termo médio da virtude não é único nem idêntico
para todos. Ele deve ser tomado, de acordo com as
circunstâncias, não de modo absoluto, mas em relação a nós.
Por exemplo, se dez é uma quantidade excessiva de alimento e
dois uma quantidade pequena, seis é a média entre ambos estes
valores; mas isto não quer dizer que o mestre de ginástica
irá prescrever seis porções de alimento a todos os atletas,
pois estas seis porções poderão ser, de acordo com a pessoa,
excessivas ou insuficientes. Na ciência moral, portanto, o
homem deve fugir do excesso e da deficiência e investigar o
que é o termo médio, não segundo a coisa, mas em relação a
nós (47).
Toda a bondade da virtude moral depende da razão;
o bem convém à virtude moral na medida em que esta siga a
reta razão (48). Por isso alguém pode pecar de muitas
maneiras, mas o agir corretamente ocorre somente de um único
modo. De fato, o bem se dá por uma única e íntegra causa, mas
o mal por causa de defeitos singulares. Por exemplo, a
feiúra, que é o mal da forma corporal, ocorre se qualquer
membro do corpo se achar indecente; mas a beleza não se dá a
não ser que todos os membros sejam bem proporcionados e
coloridos. De modo semelhante, o mal acontece nas ações
humanas em havendo qualquer circunstância desordenada, tanto
segundo o excesso como segundo o defeito. Mas a sua retidão
não se dará a não ser ordenando todas as circunstâncias do
modo devido. De onde se vê que pecar é fácil, porque isto
acontece de muitas formas, mas agir corretamente é difícil,
porque isso não acontece a não ser de uma única maneira (49).
Ora, é evidente que o excesso e o defeito
acontecem de muitas maneiras, enquanto que o termo médio
acontece de um único modo; daqui fica manifesto que o excesso
e o defeito pertencem aos vícios, enquanto que o termo médio
pertence à virtude, porque o bem ocorre sempre de um só modo,
conforme explicado, mas o mal de múltiplas maneiras, conforme
também explicado (50).
Há, porém, certas ações e paixões que por sua
própria natureza implicam malícia, como alegrar-se com o mal,
o adultério, o furto, o homicídio. Todas estas coisas e
outras semelhantes são más por si mesmas e não somente
segundo o excesso ou o defeito que nelas possa haver. Nestas
coisas nunca acontecerá que alguém aja corretamente qualquer
que seja a maneira com que opere (51). A justificativa para
que isto tenha que ser assim não é que a regra do termo médio
tenha exceção; ao contrário, a explicação é que o termo médio
não é determinado absolutamente e segundo a coisa, mas pela
razão e em relação a nós; esta determinação em algumas
matérias pode concluir pela total abstenção da ação.
Por isto pode-se, de um modo geral, dizer-se que a
virtude é um termo médio entre duas disposições viciosas, uma
por excesso e outra por defeito (52).
Mais ainda, pode-se dizer também que a virtude
costuma ser mais contrariada por um dos extremos do que pelo
outro, dependendo da natureza da paixão a que diga respeito.
Em alguns casos o termo médio da virtude é mais contrariado
pelo vício que está em defeito, enquanto que em outros o
termo médio é mais contrariado pelo vício que está em
excesso.
Por exemplo, a fortaleza não é maximamente
contrariada pela audácia, que pertence ao excesso, mas pela
timidez, que pertence ao defeito (53).
Inversamente, a temperança não é maximamente
contrariada pela insensibilidade, que pertence ao defeito,
mas pela intemperança, que pertence ao excesso (54).
Isto não significa, acrescenta Tomás de Aquino, que o voto
de castidade, que se abstém completamente do prazer venéreo,
seja a mesma coisa que o vício da insensibilidade. Primeiro, porque
pelo voto de castidade o homem se abstém apenas dos prazeres
venéreos, e não universalmente de todos os prazeres;
ademais, porque pelo voto de castidade o homem se abstém
da deleitação venérea por razões convenientes. Votar
castidade seria um vício se fosse feito por causa de
superstição ou por vanglória, isto é, por razões não
retas (In libros Ethicorum Expositio, L. II, l. 2, 263;
Summa Theologiae, Ia IIae, Q. 64 a.1 ad 3).
Cada virtude costuma ser mais contrariada por um
dos extremos do que pelo outro segundo que um destes extremos
seja mais semelhante ao termo médio da virtude do que o
outro (55).
Por sua vez, o fato de que um dos extremos seja
mais próximo e semelhante ao termo médio da virtude ocorre
porque há duas maneiras de uma paixão corromper o bem da
razão.
A primeira é pela veemência, compelindo a fazer
mais do que a razão dita, como no caso das deleitações; por
isso a virtude que diz respeito a estas paixões tende
principalmente a reprimí-las, fazendo com que o vício pelo
defeito mais se assemelhe à virtude do que o vício por
excesso (56).
A segunda é pela fuga, compelindo a fazer menos do
que a razão dita, que é o caso do temor e de outras paixões
que têm natureza de fuga; por isso a virtude que diz respeito
a estas paixões tende principalmente a incentivar a ação do
que a reprimí-la, de onde que o vício por excesso mais se
assemelhará com a virtude do que o vício por defeito (57).
De tudo quanto foi dito deve-se, portanto,
concluir que a virtude é um hábito eletivo pelo qual uma
potência opera o termo médio determinado pela razão em
relação a nós (58).
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