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Com o que já se expôs pode-se começar a determinar
o que sejam precisamente as virtudes. Dentre os elementos que
fazem parte da natureza das virtudes está, em primeiro lugar,
o fato delas serem hábitos.
Há na alma humana três princípios de operação, que
são as paixões, as potências e os hábitos. Embora as virtudes
sejam hábitos, elas relacionam-se com os dois restantes
princípios das operações humanas; será, portanto, necessário
investigar a natureza destes três princípios para entendermos
o que é a virtude.
Há no homem duas faculdades apreensivas, o
intelecto e o sentido. Ambas são capazes de receber uma
forma, que é uma semelhança do objeto apreendido, através da
qual se tornam capazes de apreender seus objetos. Mediante
esta forma apreendida, o objeto das faculdades apreensivas é,
de certo modo, trazido ao apreendente. Ora, como a cada forma
se segue uma determinada inclinação, às formas recebidas
pelas faculdades dos sentidos e do intelecto se seguirão as
inclinações do apetite sensível e do apetite intelectivo,
também conhecido como vontade. Ao contrário das faculdades
apreensivas, nas apetitivas é o apetente que é inclinado ao
apetecível, e não o apetecível que é trazido ao apetente. Por
isso, chamam-se de paixões aos movimentos das faculdades
apetitivas, e mais especificamente aos movimentos do apetite
sensível, por se darem por uma transmutação de um órgão
corporal, ao contrário do que ocorre com o apetite racional
ou vontade. As paixões são, portanto, operações do apetite
sensitivo (23).
O apetite sensitivo, diz Tomás de Aquino, é uma
inclinação conseqüente a uma apreensão sensível, assim como o
apetite natural é uma inclinação conseqüente à forma
natural (24). Nele, porém, podem ser distinguidas duas
potências, o apetite concupiscível e o apetite irascível.
Esta distinção surge porque nos seres naturais que são
passíveis de corrupção não é suficiente haver apenas uma
inclinação para a obtenção do que é conveniente e a fuga do
que é nocivo, mas deve haver também uma inclinação para
resistir ao que é capaz de corromper a coisa ou causar-lhe
danos. Temos assim o apetite sensível que é uma inclinação
que se segue à apreensão sensível simplesmente considerada,
segundo a qual o apreendente se inclina à busca do que lhe é
conveniente segundo o sentido e à fuga do que lhe é nocivo
segundo o sentido: este é o apetite concupiscível. Há também,
porém, outro apetite que é uma inclinação pela qual o animal
resiste aos que tentam matá-lo ou lesá-lo: este é o apetite
irascível (25).
Desta maneira as paixões que dizem respeito ao bem
e ao mal sensível absolutamente considerados são do apetite
concupiscível; já aquelas que dizem respeito ao bem ou mal
sensível considerados sob o aspecto de alguma excelência,
dificuldade ou árduo são paixões do apetite irascível (26).
As paixões que estão no concupiscível são, em
relação ao bem sensível absolutamente considerado, as
seguintes: o amor, que é uma conaturalidade do apetite ao bem
amado; o desejo, que importa um movimento do apetite ao bem
amado; a deleitação, que é um repouso do apetite no bem
amado (27).
As paixões que estão no concupiscível, em relação
ao mal sensível absolutamente considerado, são as seguintes:
o ódio, que se opõe ao amor; a aversão, que se opõe ao
desejo; a tristeza, que se opõe à deleitação (28).
No apetite irascível há menor número de paixões do
que no apetite concupiscível, pois não há paixões que dizem
respeito ao repouso, mas apenas ao movimento, pois aquilo em
que algo repousa já não pode ter natureza de árduo ou
difícil, que é o objeto do apetite irascível (29). As paixões
que estão no irascível, que dizem respeito ao bem e ao mal
sensível sob o aspecto do árduo são, portanto, as seguintes:
a esperança e o desespero, em relação ao bem, e o temor e a
audácia, em relação ao mal. Além destas existe a ira, que por
ser paixão composta, não apresenta contrário (30).
As potências são as faculdades da alma segundo as
quais o homem é passível das paixões. A potência irascível é
aquela segundo a qual o homem pode enraivecer-se; a potência
concupiscível é aquela segundo a qual o homem pode
entristecer-se (31).
Os hábitos são disposições pelas quais se
determinam as potências. Por meio do hábito uma potência
adquire uma ordenação, isto é, uma certa prontidão e
finalidade para operar determinados atos; é neste sentido que
se diz que o hábito determina a potência. Se a determinação
se dá segundo convenha à natureza da potência, será um hábito
bom e será chamado de virtude; se a determinação se dá
segundo um modo inconveniente à natureza da potência, será
dito um hábito mau e será chamado de vício (32).
A virtude, portanto, é um hábito; na medida em que
determina uma potência, esta potência será o seu sujeito.
Por meio da virtude, a potência é determinada
de tal modo que seus movimentos, que no caso das potências
sensíveis são chamados de paixões, se dêem segundo a reta
razão.
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