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Quais são os primeiros requisitos que se devem
estabelecer para uma educação que tenha por fim a
contemplação?
Nem S. Tomás nem Aristóteles responderem
diretamente a esta pergunta. Entretanto, no início do livro
VII da Política, o Filósofo se coloca o problema de como
investigar qual o sistema ótimo de governo. O raciocínio que
ali ele faz vale de modo igual para o problema de como
investigar o sistema ótimo de educação, e por meio dele,
poderemos responder à nossa questão:
"Ao empreendermos a investigação
de qual seja o melhor sistema político",
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diz Aristóteles,
"devemos começar por determinar
qual seja o gênero de vida
que se deve preferir a todos os demais.
Pensamos já ter explicado suficientemente este assunto
nos nossos livros de Ética;
resta-nos, agora,
apenas fazer uso do que ali estabelecemos.
Ninguém coloca em dúvida
que os bens do homem
se dividem em bens exteriores,
bens do corpo e bens da alma,
e que o homem,
para ser feliz,
deve possuir a todos.
Todos concordam
com o que acabamos de dizer;
a controvérsia reside na determinação
da medida e do excesso.
De fato,
qualquer que seja a virtude que possuem,
os homens sempre estimam tê-la em suficiência;
mas no que diz respeito às riquezas,
ao dinheiro, ao poder, à glória
e a outras tais coisas
não há limite nem excesso
para o desejo do homem.
Nós, porém, afirmamos,
e os fatos o confirmam,
que a felicidade da vida encontra-se de preferência
entre aqueles que cultivam até à excelência
as virtudes e o intelecto
e se moderam na aquisição dos bens exteriores
do que entre aqueles que possuem amplamente estes bens
mas são pobres em bens da alma" (1).
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Deve-se notar que nesta passagem o Filósofo não diz que a
felicidade é o cultivo até à excelência das virtudes e do
intelecto, mas sim que a felicidade é algo que se encontra de
preferência entre aqueles que cultivam estas coisas até à
excelência. Tanto Aristóteles como S. Tomás, nos seus
comentários a Aristóteles, colocam a felicidade na
contemplação da sabedoria, e não no cultivo da virtude e do
intelecto.
Cultivar até à excelência a virtude e o intelecto
são, pois, mais propriamente requisitos próximos para a
contemplação do que a essência da felicidade. Esta passagem
do VII da Política, portanto, quer dizer que o sistema
político ótimo, assim como o sistema educacional ótimo, para
conduzir o homem à contemplação, deve ser aquele que se
preocupa em primeiro lugar em cultivar no aluno, até à
excelência, a virtude e a inteligência.
No final do Comentário ao livro VI da Ética
encontramos uma consideração semelhante, desta vez sob a pena
de Tomás.
Reportando as palavras do Filósofo, Tomás de
Aquino diz que os jovens não são capazes de alcançar as
coisas de que trata a sabedoria; ainda que o digam pela boca,
não se deve crer que eles tenham alcançado pela mente a
verdade do que dizem, mesmo que se trate de pessoas para as
quais as coisas da matemática lhes sejam manifestas, porque
as verdades da sabedoria são mais abstratas do que as da
matemática e estes jovens não possuem a inteligência ainda
exercitada para tais considerações (2). Por isso a ordem
correta de ensinar aos jovens para que eles possam alcançar a
sabedoria será instruí-los primeiro na lógica, na matemática
e nas ciências da natureza; depois, nas coisas morais; só
então é que será possível passar à Sabedoria (3).
Vemos assim que o Comentário ao VI da Ética,
exigindo o estudo de determinadas disciplinas juntamente com
a instrução nas coisas morais antes do estudo da Sabedoria,
pressupõe, assim como já se havia deduzido do VII da
Política, que a educação para a sabedoria requer uma educação
prévia da inteligência e da virtude.
Uma dúvida, porém, fica a esclarecer: o Comentário ao VI da
Ética afirma que os jovens devem ser instruídos nas coisas
morais depois, e não antes, de terem sido instruídos em
lógica, matemática e ciências da natureza. Será que não
haveria aqui algum engano? Pois o que isto parece significar
é que, segundo a mente de Aristóteles e Tomás de Aquino, o
jovem somente deveria se preocupar em adquirir bons costumes
depois de ter-se tornado um bom físico e matemático. Seria
mesmo isto o que eles quiseram dizer?
A esta pergunta deve-se responder negativamente.
Nada seria mais contrário ao que ambos ensinaram do que uma
interpretação como esta.
Conforme veremos no capítulo VII deste trabalho,
tanto Aristóteles como Tomás de Aquino afirmam claramente que
a preocupação com a vida moral deve principiar desde a mais
tenra idade. O que o Comentário ao VI da Ética quer dizer com
instruir o jovem nas coisas morais depois da lógica, da
matemática e das ciências da natureza e antes da Sabedoria
não é que o que precede de modo imediato a Sabedoria sejam os
bons costumes, pois destes o educando já deve ter uma longa
experiência. O Comentário se refere, quando assim se
expressa, não à aquisição dos bons costumes, mas a uma
verdadeira ciência moral que, conforme veremos, sendo uma
ciência prática, isto é, uma ciência que tem na ação a sua
finalidade, tem por objetivo levar a prática da virtude, que
o educando já deve possuir, a uma especial perfeição, isto é,
àquela excelência de que fala o VII da Política.
Dito isto, vamos passar à consideração dos
requisitos imediatos da sabedoria. Neste capítulo
examinaremos a educação da virtude. No capítulo seguinte nos
ocuparemos com a educação da inteligência.
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