IV.11.

Natureza do ato intelectivo.

Já afirmamos várias vezes neste capítulo que na operação do sentido o sentido recebe a mesma forma que existe no sensível, porém sem a matéria.

Talvez tenhamos aceito esta proposição sem refletir suficientemente sobre o significado da mesma. Pois, se o tivéssemos feito, talvez nos dias de hoje alguém teria feito a seguinte objeção:

"Foi dito que na operação do sentido
recebe-se a mesma forma
que existe no sensível,
sem, porém, a matéria.

Ora, isto parece ser impossível,
como demonstram os seguintes exemplos.

O que nós vemos como sendo a cor
não é o mesmo que a cor:
a cor é uma vibração eletromagnética,
mas a sensação da cor não se parece em nada
com uma vibração eletromagnética.

O que nós ouvimos como sendo o som
não é o mesmo que o som:
o som é uma onda longitudinal de compressão do ar;
a sensação de uma música não se parece em nada
com uma onda longitudinal de compressão do ar.

Como, então, na operação do sentido
pode ser recebida a mesma forma
que existe no sensível sem a matéria?
Pois a forma recebida parece ser
completamente outra".

Nesta objeção as observações são corretas; o erro está na interpretação do que seja a forma na coisa sensível e no sentido.

Quando Tomás diz que o sentido recebe a mesma forma que existia no sensível, porém sem a matéria, o que se quer dizer é que nas transformações naturais em geral o paciente, juntamente com a forma, adquire uma disposição material semelhante àquela que havia no agente; no caso especial dos sentidos, esta forma também é recebida, mas em uma disposição material diversa daquela que havia no agente. Mas que se trata realmente da mesma forma, isto pode ser visto, acrescentamos nós, pelo fato de que, se analisássemos a informação armazenada no sentido, poderíamos reconstituir o sensível. Analisando a informação contida nos impulsos nervosos que saem do nervo ótico, bastante diferentes das ondas eletromagnéticas, ou então, a informação contida no relato do observador a respeito das cores que está vendo, que se parecem menos ainda com as ondas eletromagnéticas, poderíamos reconstituir o objeto colorido. Analisando-se a soma das informações contidas nos impulsos nervosos que saem de todos os sentidos, ou então a soma das informações contidas no relato do observador sobre todas as informações que lhe trazem os cinco sentidos, com esta soma de informações reconstituímos o objeto material observado. De onde que toda esta informação é a própria forma do objeto sensível, armazenada em uma disposição corporal diversa. A forma do objeto sensível foi realmente recebida sem a matéria, isto é, sem uma idêntica disposição corporal à que existia no objeto sensível.

Mas quando analisamos a forma abstraída pela inteligência do objeto sensível que lhe é apresentada pela fantasia, a informação ali contida não é a forma de um objeto material. De fato, se considerarmos que a essência apreendida de homem é animal racional, limitando-nos estrita e rigorosamente ao conteúdo desta informação, que ser poderemos reconstituir? O animal em questão poderá ser de carne, de sílica, de circuitos digitais, ou de algum ou de todos os materiais desconhecidos que se queiram; poderá ser grande ou pequeno, imensamente pequeno como uma bactéria, imensamente grande como uma estrela; ou poderá ter todas as formas geométricas e disposições de partes que se queiram; poderá ter os órgãos os mais diferentes que se possam imaginar; todas estas características com que ele poderá se realizar enquanto indivíduo poderão ser tão variadas quanto seja possível serem tecidas com a imaginação ou fantasia; pois na verdade a informação contida na inteligência não especificou nenhuma destas qualidades porque não as continha a nenhuma; se fossemos construir na realidade o ser apreendido pela abstração da inteligência tal como ele está lá, teríamos que construir um ser imaterial, um homem imaterial. Este homem não existe; mas, o que é particularmente interessante, pode ser visto pela inteligência. Deste ser sem matéria existe uma imagem na inteligência, uma imagem num certo sentido ilimitada, por não ter as limitações que a concretização nesta ou naquela matéria lhe imporiam. A inteligência, assim, é capaz de ver o imaterial; e isto que ela vê, não está na realidade, mas apenas nela mesma. Nela própria, portanto, existe esta natureza e ela própria tem que ser imaterial.

É importante notar que estas informações, esta forma abstraída pela inteligência do objeto sensível apresentado pela fantasia e nela existente não é algo apenas significado; isto é, não é algo ao qual se atribua um significado ou uma relação para tal ou qual característica do objeto sensível. Não é algo contido na inteligência sob modo de significação ou de relação, mas é algo que pode realmente ser visto pela inteligência; a inteligência vê, realmente, a essência abstrata do homem, a essência abstrata do belo, a essência abstrata do bem, etc.. É esta possibilidade de ver estas essências abstratas que é o fundamento psicológico da contemplação da inteligência. Não se trata de um sinal elaborado pela inteligência ao qual relacionamos as qualidades que vemos em todos os homens; é a própria essência das coisas que pode ser vista como objeto próprio da faculdade da inteligência, e, por esta mesma razão, causar-lhe agrado e repouso como em uma operação que lhe seja conatural.

Estes objetos contemplados pela inteligência em sua operação própria têm características bastante diversas dos vistos pelos sentidos. As formas existentes no sentido e na imaginação carregam consigo todas as características da materialidade. Em primeiro lugar, elas são imagens de objetos individuais; a individualidade é característica da matéria, pois é a matéria que, unindo-se à forma, causa a individualidade daquela forma; esta característica existe também nas formas apreendidas pelos sentidos. São, portanto, necessariamente, formas existentes na matéria, mesmo dentro dos sentidos. Em segundo lugar, elas têm todas as qualidades que são próprias da matéria; têm cores, têm dimensões geométricas, apresentam movimento; têm que estar, por esta razão, guardadas materialmente nos sentidos. Tal como elas são vistas pelos sentidos interiores e pela fantasia, podem ser desenhadas em um papel, reproduzidas num desenho animado ou num filme, esculpidas em uma estátua. Mas as formas vistas pela abstração da inteligência não podem ser desenhadas em papel; nem podem ser reproduzidas em filme, nem esculpidas em estátua. Não é possível desenhar a essência do homem; não é possível desenhar a essência do belo, não é possível esculpir a essência da bondade; no entanto, elas estão lá dentro, visíveis no interior da inteligência. Cabe então a pergunta: em que matéria? São coisas totalmente despidas de todas as características da materialidade, tanto que não podem ser reproduzidas na matéria, no entanto, elas existem e podem ser vistas dentro de nós. Existem, portanto, dentro de nós, entidades totalmente desprovidas de características materiais. Não pode ser num substrato material que elas estão, portanto, depositadas. Mas este substrato é o intelecto; portanto, o intelecto é algo imaterial existente dentro do homem.