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Com estas distinções feitas sobre a fantasia, podemos
responder à pergunta anteriormente colocada: o homem tem experiência de
que percebe que vê; esta percepção da operação dos sentidos próprios é
feita pelo próprio sentido ou por alguma outra faculdade?
S. Tomás de Aquino responde a esta pergunta na lectio 2 do
Livro III do Comentário ao De Anima. Não nos parece, porém, ter sido
totalmente feliz quanto à clareza de sua redação. Para que sua resposta
fique mais manifesta, além de reportá-la, teremos também que interpretá-
la em parte.
Ao responder a questão que foi colocada, S. Tomás começa
por fazer uma distinção; o ato de ver, diz Tomás, pode ser entendido de
dois modos diversos.
De um primeiro modo, ver é dito quando a visão é alterada
por uma cor visível e presente diante do sentido da vista. Quando o ato
de ver é tomado segundo este modo, nada pode ser visto senão a cor;
conseqüentemente, segundo este modo de ver não é possível perceber que
vemos. Segundo este modo de ver, somente se percebem as cores, não a
própria operação da vista.
Ver, porém, diz Tomás de Aquino, pode ser dito ainda de um
segundo modo; isto é, quando, depois da alteração do órgão pelo sensível
externo, podemos distinguir entre a luz e as trevas ou entre uma cor e
outra mesmo na ausência da alteração provocada por um sensível presente
externamente à vista, quando então podemos julgar da própria percepção
do órgão já realizada pelo sensível externo (44). Santo Tomás não fala
aqui da fantasia ou imaginação, mas, pelo que já se comentou a respeito
dela, parece-nos claro que ele está se referindo ao trabalho da
fantasia, um prolongamento da atividade dos cinco sentidos que se dirige
ao sentido comum e que continua mesmo após a cessação das operações dos
sentidos próprios provocadas pelos sensíveis externos. A fantasia ou
imaginação é algo organicamente ligado aos cinco sentidos; ela pertence
ainda ao domínio da atividade sensitiva, embora não seja um sentido
próprio, nem o sentido comum. Parece-nos também que é por isto que S.
Tomás acrescenta aqui esta outra afirmação:
"aquela potência,
pela qual alguém se vê estar vendo,
não está além do gênero da potência visiva" (45).
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Por vista entende-se aqui o segundo modo em que pode ser entendida
a operação de ver; deve-se, ao que nos parece, entender-se aqui não apenas
os olhos, mas todo o sistema sensitivo ligado à vista, incluindo os sentidos
internos e a imaginação. É através das representações da imaginação que
os sentidos internos percebem que vemos.
À pergunta, pois, anteriormente feita, de como uma
faculdade que não a vista pode perceber que vemos sem ver a cor, e, se
vê a cor, por que não é a própria vista, Tomás de Aquino responde o
seguinte:
"a cor tem um duplo ser;
o primeiro, natural,
na própria coisa sensível;
o segundo,
na medida em que é apreendida
pelo sentido" (46).
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A imaginação, prolongamento dos sentidos e em seu mesmo gênero,
vê apenas este segundo modo da cor.
Assim, parece ser claro que segundo S. Tomás a capacidade
de percepção da operação de um sentido não é algo que transcende a
materialidade do próprio sentido. A consciência de uma operação própria
não é indício de imaterialidade na alma humana.
Fica, porém, uma outra pergunta a ser respondida: nós
percebemos que percebemos que vemos? E se percebemos, como percebemos
que percebemos que vemos? É a própria imaginação que percebe sua
percepção da operação dos sentidos ou é outra faculdade? E se for outra
faculdade, ela por sua vez perceberá sua percepção ou necessitará ainda
de uma outra faculdade para isto? E, se necessitar de uma outra, até
onde irá parar esta seqüência?
Estas questões não podem ainda ser respondidas; para isso
será necessário continuar nossa investigação da psicologia humana. Mas é
importante mostrar que estas perguntas levantam o problema da percepção
total da própria atividade cognitiva; se é possível, e como, que algum
ser vivo dotado de faculdades apreensivas possa possuir uma consciência
total de si mesmo enquanto cognoscente.
Vimos que, segundo Tomás de Aquino, para que percebamos que
vemos não é necessária a atividade de nenhum instrumento imaterial; a
percepção da operação própria dos sentidos não supõe a imaterialidade da alma.
Para que, além de ver, percebamos que vemos, não é necessário ir além do âmbito
do próprio conhecimento sensível. Porém, tal como foi descrita até aí, esta não é
uma percepção total da própria atividade cognoscitiva; é uma percepção
apenas parcial, porque percebemos que vemos, mas se não formos capazes
de perceber também que percebemos que vemos, não teremos uma consciência
total de nossa atividade cognoscitiva, mas apenas uma parte.
Pode-se admitir uma terceira faculdade que percebe a
percepção que a segunda tem da operação dos sentidos, mas não se poderá
admitir uma série infinita de faculdades, cada uma percebendo a
percepção da anterior. Uma delas terá que ser a última. Se esta última
não perceber a própria atividade cognoscente, então o homem não terá uma
consciência total de si mesmo enquanto cognoscente. Se esta última
percebe a sua própria atividade, deve-se então explicar como isto seja
possível.
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