II.8.

A felicidade não pode ser a operação da arte.

Dentre os vários candidatos a fim último do homem, S. Tomás descarta também a operação da arte. Esta palavra, na terminologia de Tomás, apresenta um significado mais amplo do que possui modernamente. A arte é, segundo Tomás, uma habilidade adquirida, - um hábito, diria ele -, que aperfeiçoa a inteligência humana acerca das coisas contingentes por oposição às necessárias [ cf. nota sobre contingente e necessário], estas últimas sendo objeto da ciência.

Ora, existem dois tipos de contingentes: as actiones e as factiones. Actiones são as operações que permanecem no próprio agente, como ver, inteligir e querer. Factiones são as operações que transitam à matéria exterior para formar algo a partir dela, como edificar e cortar (45).

O hábito que aperfeiçoa a inteligência humana quanto às actiones chama-se prudência. Os hábitos que aperfeiçoam a inteligência humana quanto às factiones são as artes.

Daí que se chamem artes todas as qualidades adquiridas pelo homem com as quais ele pode bem modificar a matéria exterior. Neste sentido, não só a escultura e a pintura são artes, mas são artes também a Medicina, a Mecânica, a Engenharia, enfim, grande parte das profissões do mundo moderno.

Na Summa contra Gentiles S. Tomás afirma que o fim último da vida humana não pode consistir na operação da arte (46); nem, portanto, pode ser o fim último de um sistema educacional. A razão: isto iria contra as características que deve ter o fim último da vontade humana, que deve ser procurado como um fim em si mesmo, e não por causa de outro. Ora, diz Tomás,

"a arte é um conhecimento prático;
portanto, ela se ordena a outro fim;
conseqüentemente, não pode ser o fim último"
(47)

da vida humana.

Isto significa que a educação que tem como objetivo final a aquisição de uma profissão, isto é, de modo geral, a educação voltada para o trabalho como fim último, também esta é contra a natureza humana e a ordem da natureza; ela não pode, assim como as anteriores, fazer a felicidade do homem.

E, no entanto, quantos são os que não estudam anos a fio apenas com a intenção de chegarem à Universidade com o principal objetivo de conseguirem uma profissão? Estes também, diz Santo Tomás, não se deram conta ainda dos reais anseios da natureza humana. Muito ainda teriam para aprender; mas para isto precisariam primeiro conhecer melhor a si próprios. Isto, porém, não era uma obrigação apenas deles, mas mais ainda dos educadores que imaginaram ser legítimo e coerente com as aspirações últimas do homem o modo de educação que lhes foi oferecido.



Referências

(45) In libros Ethicorum Expositio; L. VI, l. 3, 1151.
(46) Summa contra Gentiles; L. III, C. 36. (47) Idem, loc. cit..