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Santo Tomás de Aquino trata deste assunto na Summa contra
Gentiles (48) e no Comentário à Ética (49).
Explicaremos mais adiante o que
significa exatamente o termo virtude moral. Diremos aqui apenas que
virtudes morais se entendem por contraposição às virtudes intelectuais,
no mesmo sentido em que a vida ativa se entende por contraposição à vida
contemplativa e a vida política se entende por contraposição à vida
especulativa. A felicidade consistir nas operações das virtudes morais
significa aqui, portanto, o mesmo que perguntar-se se ela consiste no
exercício da vida civil, das virtudes cívicas, isto é, daquelas virtudes
que dizem respeito, por exemplo, ao exercício da justiça, dos cargos
públicos, da vida militar, da filantropia, da misericórdia para com os
que sofrem, da magnanimidade na doação das próprias riquezas, etc..
A resposta de Santo Tomás é bastante clara: a felicidade e
o fim último da vontade humana não podem consistir nas operações das
virtudes morais, nos atos da vida civil. A razão: o fim último da
vontade humana não pode ser ordenado, se for último, a nenhum outro fim.
Ora, todas estas operações das virtudes morais se ordenam por sua vez a
algum outro fim; o que é evidente nas operações da virtude da fortaleza,
que diz respeito às operações da guerra, pois elas se ordenam à vitória
e à paz, e aquele que guerreasse apenas por guerrear seria um idiota; o
mesmo ocorre com as operações da justiça, que se ordenam à conservação
da paz entre os homens, para que com isto cada um possua descansadamente
o que é seu; e a mesma coisa pode se dizer de cada uma das demais
operações mencionadas (50). A conclusão: a felicidade última do homem não
consiste nas operações ditas morais (51).
Isto significa que a educação que tem como fim último a
formação da cidadania, a aquisição de virtudes cívicas ou militares,
etc., também ela é uma educação que ignora as aspirações últimas do
homem e, quando mostrarmos mais adiante a concordância entre o fim
último da vontade humana com a ordem natural, poderemos dizer que a
educação cujo objetivo último é a formação do cidadão é também, segundo
Tomás de Aquino, incoerente com a disposição do cosmos.
É o caso da Lei Orgânica do Ensino Secundário no Brasil de
1942. Na sua exposição de motivos, redigida pelo então ministro Gustavo
Capanema, pode-se ler o seguinte:
"O ensino primário deve ter
os elementos essenciais da educação patriótica.
Nele o patriotismo,
esclarecido pelo conhecimento elementar
do passado e do presente do país,
deverá ser formado como sentimento vigoroso,
como um alto fervor,
como amor e devoção,
como sentimento de indissolúvel apego
e indefectível fidelidade para com a pátria.
Já o ensino secundário tem mais precisamente
por finalidade a formação da consciência patriótica.
É que o ensino secundário se destina
à preparação de individualidades condutoras,
isto é, dos homens que deverão assumir
as responsabilidades maiores
dentro da sociedade e da nação,
dos homens portadores
das concepções e atitudes espirituais
que é preciso infundir nos moços,
que é preciso tornar habituais entre o povo.
Ele deve ser, por isto,
um ensino patriótico por excelência,
e patriótico no sentido mais alto da palavra,
isto é, um ensino capaz de dar aos adolescentes
a compreensão da continuidade histórica da pátria,
a compreensão dos problemas e das necessidades,
da missão e dos ideais da nação,
e bem assim dos perigos que a acompanham,
cercam ou ameaçam,
um ensino capaz, além disto, de criar,
no espírito das gerações novas,
a consciência da responsabilidade
dentro dos valores morais da pátria,
a sua independência, a sua ordem, o seu destino.
Um ensino secundário que se limitasse
ao simples desenvolvimento
dos atributos naturais do ser humano
e não tivesse a força de ir além dos estudos
de mera informação,
que fosse incapaz de dar aos adolescentes
uma concepção do ideal da vida humana,
que não pudesse informar em cada um deles
a consciência da significação histórica da pátria
e da importância do seu destino no mundo,
assim como o sentimento da responsabilidade nacional,
falharia à sua finalidade própria,
seria ensino secundário
apenas na aparência e na terminologia,
porque de seus currículos não proviriam
as individualidades responsáveis e dirigentes,
as individualidades esclarecidas
de sua missão social e patriótica,
e capazes de cumprí-la" (52).
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Sem dúvida, trata-se de uma bela exposição de motivos;
alguns poderão hoje achá-la ingênua, por perseguir objetivos irreais
para as sociedades contemporâneas.
Segundo a filosofia de S. Tomás, porém, nada disto pode ser
o fim último do homem. Não é o homem que se ordena para a sociedade, é a
sociedade que se ordena para o homem. Uma educação que tenha tais
objetivos como finalidade última é uma fraude contra os anseios mais
profundos do homem e uma aberração da ordem natural. Não pode fazer a
felicidade da sociedade porque não pode fazer a felicidade sequer de um
só homem.
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