XX

Os Padres Capadócios
e a Consubstancialidade
do Espírito Santo




1.

Introdução. I. A vida monástica e os Padres Capadócios.

A vida dos três grandes padres capadócios, São Basílio, São Gregório de Nazianzo e São Gregório de Nissa foi profundamente marcada pela vida monástica florescente naquela época.

A vida monástica começou a florescer na Igreja pouco antes do Concílio de Nicéia, quando Santo Antão resolveu dedicar-se a uma vida de oração como eremita no deserto do Egito. Seu exemplo foi tão edificante que, ao falecer, com mais de cem anos de idade, um terço da população do Egito era constituído por monges. Do Egito o monasticismo espalhou-se rapidamente pela Ásia e chegou também ao Ocidente.

Inicialmente os monges eram eremitas, mas aos poucos passaram a viver em comunidades sob a disciplina de regras que foram progressivamente se aperfeiçoando, vindo a alcançar a sua forma mais madura no Oriente com as regras monásticas de São Basílio e no Ocidente com a regra de São Bento.

Os três padres capadócios eram bispos; antes disso, porém, tinham sido monges.

2.

Introdução. II. Os Padres Capadócios.

São Basílio nasceu na cidade de Cesaréia, capital da Capadócia, região situada no centro da atual Turquia, no ano 330. Jovem, foi estudar em Constantinopla e Atenas, onde fêz amizade com um rapaz da sua idade, Gregório, filho do bispo de Nazianzo da Capadócia, que para lá tinha ido estudar. Aos vinte e cinco anos ambos voltaram para a sua terra.

Dois anos depois Basílio, movido pelo exemplo de sua mãe e sua irmã, que haviam entrado para a vida monástica, recebeu o Batismo e pôs-se a viajar pelo Egito, Palestina e Síria para conhecer a vida dos monges. Ao voltar, vendeu seus bens e fundou uma comunidade monástica.

Quanto ao seu amigo Gregório de Nazianzo, recebeu também o Batismo e foi ordenado presbítero pelo seu pai, bispo de Nazianzo. Depois disso viveu ainda alguns períodos de tempo como monge.

O outro Gregório era o irmão caçula de São Basílio. Tinha estudado retórica e contraído matrimônio; influenciado mais tarde por Gregório de Nazianzo, abandonou o mundo e foi viver como monge na comunidade fundada pelo seu irmão.

Posteriormente o bispo de Cesaréia ordenou sacerdote a Basílio e este, seis anos depois, o sucedeu na sede episcopal de Cesaréia.

São Basílio, depois de bispo, ordenou bispo a seu amigo Gregório de Nazianzo e a seu irmão Gregório a quem confiou os cuidados pastorais da cidade de Nissa.

Em contraste com a maioria dos padres da Igreja Oriental, que pendem para o lado especulativo, Basílio revela em seus escritos um acentuado interesse pelas questões éticas e práticas da vida cristã. Semelhante é o caso de Gregório de Nazianzo, o qual não tinha propensões para especulações mais profundas, atendo-se rigorosamente, em suas exposições teológicas, à Sagrada Escritura e à tradição da Igreja; é tido como testemunha fidedigna da situação da fé na Igreja Oriental da época.

Totalmente diferente foi, porém, Gregório de Nissa. Mal soube enfrentar as dificuldades dos negócios eclesiásticos de uma cidade insignificante, mas foi um dos teólogos mais profundos dos primeiros séculos do Cristianismo.

3.

As colocações da época acerca do Espírito Santo.

Em um sermão datado do ano 380, São Gregório de Nazianzo comenta os diversos pontos de vista que eram sustentados na época acerca do Espírito Santo. Alguns consideram o Espírito Santo como uma força, outros uma criatura, outros Deus; outros ainda desculpam-se alegando que a Sagrada Escritura não é clara a respeito e não tomam posição. Dentre aqueles que reconhecem a divindade do Espírito Santo, alguns têm esta afirmação apenas como uma opinião pessoal, outros a proclamam abertamente, enquanto que outros, finalmente, afirmam que as três Pessoas possuem a divindade em graus diferentes.

Dos que negavam a divindade do Espírito Santo, sabemos de outras fontes que alguns afirmavam que

"não chamariam o Espírito Santo de Deus,
mas também não presumiriam chamá-lo de criatura";

outros afirmavam que o Espírito Santo ocupa

"uma posição intermediária,
nem sendo Deus,
nem sendo uma das outras criaturas".

Citavam uma multidão de textos da Escritura sugerindo a inferioridade do Espírito Santo e apontavam o silêncio da Bíblia a respeito de sua divindade.

Aqueles que negavam a divindade do Espírito Santo também diziam que somente é concebível em Deus uma relação como a existente entre Pai e Filho. Portanto, se o Espírito Santo fosse Deus, teria que ser ou um princípio não gerado paralelo ao Pai ou o irmão do Filho, e nenhuma destas alternativas seria aceitável.

Referências:
S. Gregório Nazianzo : Oratio 31,8; 31,23-28; 31,7;
Sócrates : Historia Ecclesiastica 2,45;
Didymus :De Trinitate 2,8; 2,5; 3,30-40; 2,10; (PG 39,617);
Pseudo Athanasius : Dial. contra Maced. 1,1.

4.

São Basílio.

Gregório de Nazianzo descreve como São Basílio, ao pregar no ano 372, absteve-se propositalmente de falar de modo aberto sobre a divindade do Espírito Santo, contentando-se com o critério negativo de aceitar que o Espírito Santo não é criatura. Segundo Gregório, Basílio tinha razão em agir com prudência, para não exaltar os arianos, então muito poderosos; do contrário, Basílio teria sido expulso e sua sede metropolitana, importante para a Igreja, ficaria perdida para a ortodoxia.

Posteriormente, porém, os fatos o obrigaram a ser mais claro. Numa profissão de fé que no ano seguinte submeteu ao bispo Eustatius, afirmava Basílio que o Espírito Santo deve ser reconhecido como intrinsecamente sagrado, uno com a "natureza divina e bendita" e inseparável, como a fórmula batismal implica, do Pai e do Filho.

Dois anos depois, no tratado `De Spiritu Sancto', deu um passo a mais, afirmando que ao Espírito Santo deve ser concedida a mesma glória, honra e culto que ao Pai e ao Filho, e que Ele deve ser "estimado com" e não "estimado abaixo" dEles.

Basílio não foi mais longe do que isso. Em nenhum lugar chama Deus ao Espírito Santo, embora coloque claro que

"nós glorificamos o Espírito
com o Pai e o Filho
porque nós acreditamos que Ele
não é alheio à natureza divina".

Referências:
S. Gregório Nazianzo :Epistola 58.
São Basílio :Epistola 113; 114; 125,3; 159,2.

5.

S. Gregório de Nazianzo.

São Gregório de Nazianzo repete e estende a doutrina de São Basílio, assim como São Gregório de Nissa.

Gregório Nazianzeno fala claramente:

"O Espírito Santo é Deus?
Sim, é.
Então, será consubstancial?
É claro, já que é Deus".

Para fundamentar esta colocação, Gregório fala do caráter do Espírito Santo enquanto Espírito de Deus e de Cristo, de Sua associação com Cristo na obra da Redenção, e da prática devocional da Igreja.

Referências:
S. Gregório Nazianzo :Oratio 31,10; 34,11.

6.

A processão do Espírito Santo: colocação do problema.

Um problema que os Padres Capadócios tinham que enfrentar consistia em explicar em que diferiria o modo de origem do Filho e do Espírito Santo, pois os arianos objetavam que a consubstancialidade do Espírito Santo significaria que o Pai teria dois Filhos.

São Basílio e São Gregório de Nazianzo abordaram o problema, mas foi São Gregório de Nissa que deu a resposta que viria a ser a palavra definitiva.

7.

A processão do Espírito Santo: São Basílio.

São Basílio apenas afirma que o Espírito Santo procede de Deus, não por modo de geração, mas

"como respiro de sua boca".

Assim, sua "maneira de vir a ser" permanece

"inefável".

Além disso ele afirma que um único Espírito está

"ligado a um único Pai
através de um único Filho",

e é "através do Unigênito" que as qualidades divinas chegam ao Espírito provenientes do Pai.

Referências:
S. Basílio :De Spiritu Sancto 45; 46; 47.

8.

A processão do Espírito Santo: Gregório de Nazianzo.

Gregório de Nazianzo contenta-se com a afirmação do Evangelho de São João de que o Espírito Santo

"procede do Pai".

Jo. 15, 26

O que significa "processão" ele não o pode explicar mais do que os seus adversários pode explicar o que é a "geração" do Filho ou o "não ser gerado" do Pai.

Referências:
S. Gregório Nazianzo : Oratio 31, 7.

9.

A processão do Espírito Santo: Gregório de Nissa.

São Gregório de Nissa ensina que o Espírito Santo é de Deus e é de Cristo; Ele procede do Pai e recebe do Filho; o Espírito não pode ser separado do Verbo. Daqui para a colocação de uma dupla processão do Espírito Santo é apenas um pequeno passo.

De acordo com S. Gregório Nisseno, as três Pessoas devem ser distingüidas pela sua origem, o Pai sendo causa, e os outros dois causados. As duas Pessoas que são causadas podem ser posteriormente distingüidas porque o Filho é diretamente gerado pelo Pai, enquanto que o Espírito Santo procede do Pai através de um intermediário.

É evidente que a doutrina de São Gregório é que o Filho atua como um agente em subordinação ao Pai que é a fonte da Trindade, na processão do Espírito Santo. Após São Gregório de Nissa a doutrina regular da Igreja Oriental será que o Espírito Santo

"procede do Pai
através do Filho".

Mais de um século antes Orígenes, baseando-se no princípio do Evangelho de São João que afirma que

"No princípio era o Verbo...
todas as coisas foram feitas
por meio dEle
e sem Ele
coisa alguma foi feita de quanto existe",

ensinou que o Espírito Santo deve ser incluído entre as coisas que vieram à existência através do Verbo. Entretanto, do modo como foi colocada pelos Padres Capadócios, a idéia da dupla processão do Espírito Santo do Pai através do Filho perde todo o traço de subordinacionismo, pois sua exposição é um reconhecimento sincero da consubstancialidade do Espírito Santo.

Referências:
S. Gregório Nisseno : Contra Macedones 2; 10; 12; 24;
Idem : Quod non sint, final.
Origenes : In Johan. 2, 10, 75.

10.

A processão do Espírito Santo: Epifânio.

Epifânio, bispo de Salamina, nasceu na Judéia em 315. Depois de passar algum tempo entre os monges do Egito, fundou na sua terra um mosteiro que governou durante cerca de trinta anos, quando foi escolhido pelo episcopado da ilha de Chipre para ser bispo de Salamina.

Epifânio mostra possuir uma razoável cultura, mas esta, adquirida mais através de viagens, não era muito profunda. Suas obras se revestem de importância mais por causa das muitas fontes que ele cita, as quais atualmente só nos são conhecidas pelas suas citações.

Influenciado talvez pelos seus contatos com o Ocidente, Epifânio comenta a processão do Espírito Santo mas omite a proposição "através". Em suas palavras, o Espírito Santo é "Espírito do Pai" e "Espírito do Filho". Ele é

"de ambos,
um Espírito derivado de espírito,
porque Deus é espírito".

Referências:
Epifânio : Amaratus 7, 7; 70.