XIX

A Consubstancialidade
do Espírito Santo




1.

Colocação do problema.

Na controvérsia ariana a questão que agitava as mentes dos homens foi a da plena divindade do Filho. Embora esta fosse um constituinte essencial da Trindade, a questão da divindade do Espírito Santo e a Trindade propriamente dita estavam colocadas num segundo plano.

O Credo do Concílio de Nicéia apenas afirmou a crença no "Espírito Santo", e muitos anos se passaram antes que houvesse alguma controvérsia a respeito de sua posição na Divindade. O mesmo pode ser dito quanto à Trindade.

Os teólogos responsáveis pela formulação da ortodoxia trinitária foram, no Oriente, os Padres Capadócios, isto é, São Basílio de Cesaréia, São Gregório de Nazianzo e São Gregório de Nissa; no Ocidente, Santo Agostinho.

Antes, porém, da Igreja chegar à formulação madura da doutrina Trinitária, foi necessário que emergisse o interesse acerca da condição do Espírito Santo, culminando com o seu reconhecimento como plenamente pessoal e consubstancial (`homoousios') com o Pai e o Filho.

2.

A questão do Espírito Santo anteriormente a Santo Atanásio

Desde a época de Orígenes a preocupação com o Espírito Santo ficou praticamente restrita à prática devocional.

O bispo Alexandre de Alexandria apenas repetiu a antiga afirmação de que o Espírito Santo havia inspirado os profetas e os apóstolos.

Ário considerou-o uma hipóstase, mas colocou sua essência como completamente diferente da essência do Filho, assim como a do Filho seria completamente diferente da do Pai.

Eusébio de Cesaréia, que vimos ser de tendência origenista radical, afirma que o Espírito Santo está no terceiro grau, é

"uma terceira potência"

ou

"um terceiro
a partir da Causa Suprema",

e se utiliza da interpretação de Orígenes do terceiro verso do prólogo do Evangelho de São João para afirmar que o Espírito Santo é

"uma das coisas
que vieram à existência
através do Filho".

De fato, em Jo. 1,3 lemos que

"No princípio era o Verbo...
Todas as coisas foram feitas por Ele
e sem Ele nada se fêz
de tudo o que foi feito".

Se, porém, lhe perguntam por que, ao contrário dos outros seres criados racionais e espirituais, Ele é "incluído na Sagrada e três vezes bendita Tríade", sua resposta embaraçada é que o Espírito Santo transcende às demais criaturas em honra e glória.

Por outro lado, por volta do ano 348, São Cirilo de Jerusalém, enquanto por um lado desencoraja a que se investigue a Pessoa e a origem do Espírito Santo, afirmou, nas suas Catequeses, que o Espírito Santo pertence à Trindade e que

"nós não dividimos a Sagrada Tríade
como fazem alguns,
nem a confundimos,
como Sabélio faz".

É em união com o Espírito Santo que o Filho participa da divindade do Pai.

Mas coube a Santo Atanásio, após o Concílio, tornar a questão do Espírito Santo um assunto a ser resolvido com urgência.

Referências:
Ário : Epistola ad Alex., no livro de Santo Atanásio `De Syn.' 16;
Eusébio de Cesaréia : Preparatio Evangelica 11,20;
Idem : De Eccles. Theol. 3,6,3; 3,5,17;
S. Cirilo de Jerusalém : Catequeses 16,4; 6,6.

3.

Santo Atanásio é alertado para a questão do Espírito Santo.

Foi no ano 359 ou 360 que Santo Atanásio se viu obrigado a expor a Teologia do Espírito Santo.

Neste ano, Serapião, bispo de Thmuis, chamou a atenção de Atanásio para um grupo de cristãos egípcios que ao mesmo tempo em que reconheciam a divindade do Filho, afirmavam que o Espírito Santo seria uma criatura que do nada tinha sido trazida à existência, ou um anjo, superior aos demais anjos em grau, mas a ser incluído entre os espíritos servidores de que fala a Epístola aos Hebreus:

"E a qual dos anjos disse Deus jamais:

`Senta-te à minha direita,
enquanto que eu faço dos teus inimigos
o escabelo de teus pés?'

Não são todos espíritos servidores,
que se enviam em serviço
em favor dos que devem conseguir a salvação?"

Heb. 1,13-14

Conseqüentemente, afirmavam, o Espírito Santo é "diferente em substância", ou "heteroousios", do Pai e do Filho.

Citavam também, para reforçar seus argumentos, esta passagem da Primeira Epístola a Timóteo:

"Conjuro-te diante de Deus,
de Cristo Jesus e dos anjos eleitos,
que observes todas estas coisas
e nada faças com parcialidade".

1 Tim. 5, 21

4.

A doutrina de Santo Atanásio sobre o Espírito Santo.

A doutrina de Santo Atanásio, exposta em resposta a estes argumentos, é que o Espírito Santo é plenamente divino, consubstancial com o Pai e o Filho. O Espírito Santo

"pertence e é uno
com a Divindade
que é a Tríade".

Santo Atanásio insiste na estreita relação existente entre o Espírito Santo e o Filho, deduzindo daí que o Espírito Santo pertence em essência ao Filho assim como o Filho ao Pai. O Espírito Santo é, por exemplo, o Espírito o Filho, a

"atividade e dom vital
pelo qual o Filho santifica e ilumina".

O Espírito Santo se une ao Filho na obra da Criação, conforme o Salmo 104,29:

"Enviai o Vosso Espírito,
e as coisas são criadas",

e o Salmo 33,6:

"Pelo Verbo do Senhor
os Céus foram feitos,
e pelo Espírito de sua boca
toda a grandeza de sua ordem".

A indivisibilidade do Filho e do Espírito Santo é também ilustrada pela sua atividade conjunta na inspiração dos profetas e na Encarnação.

Finalmente, Santo Atanásio deduz a divindade do Espírito Santo pelo fato dEle nos tornar

"participantes de Deus".

Se o Espírito Santo fosse uma criatura, nós não teríamos participação em Deus através dEle; estaríamos unidos a uma criatura e alheios à natureza divina.

Ainda, de acordo com Santo Atanásio, a divindade existe eternamente como uma Tríade compartilhando uma idêntica e indivisível substância ou essência. Todos os três, além disso, possuem uma única e mesma atividade, de modo que

"o Pai realiza todas as coisas
através do Filho no Espírito Santo".

Tudo o que o Pai realiza na obra da Criação, ou na do governo do Universo, ou na da Redenção, Ele o realiza através de seu Verbo; e tudo o que o Verbo realiza, o realiza através do Espírito.

Referências:
Santo Atanásio : Epistola ad Serap. 1,1; 1,2; 1,3; 1,11; 1,10; 1,21; 1,25; 3,2; 1,20; 3,4; 1,24; 3,5; 1,28; 1,30.

5.

A questão do Espírito Santo é levada ao Concílio de 362.

Em 362 Atanásio realizou um Concílio local em Alexandria para obter a reconciliação entre nicenos e `homoeouseanos'.

Neste Concílio Atanásio também obteve a aceitação da proposição segundo a qual o Espírito Santo não é uma criatura, mas pertence e é inseparável da substância do Pai e do Filho.

Daqui para a frente a questão da condição do Espírito Santo se torna um assunto de urgência, e todas as divergências de opinião subjacentes serão trazidas à luz do dia.

Referências:
Santo Atanásio : Tomus ad Anthiochenos 3,5.