V

O Verbo nos Escritos
dos Padres Apologistas.




V/1

A COLOCAÇÃO GERAL
DOS PADRES APOLOGISTAS


1.

Comentário geral.

Os padres apologistas, entre os quais estão São Justino, Taciano e Teófilo de Antioquia, padres do segundo século da era cristã que receberam este nome por causa de seus escritos mais conhecidos, intitulados Apologias por sustentarem uma defesa do Cristianismo diante de pagãos e judeus, foram também os primeiros a tentarem esboçar uma explicação intelectualmente satisfatória da relação de Cristo para com Deus Pai. A solução que eles propuseram, reduzida aos pontos essenciais, foi que, enquanto pré- existente, Cristo foi o pensamento ou a mente do Pai, e, enquanto manifestado na Criação e na revelação, foi sua extrapolação ou expressão.

V/2

SÃO JUSTINO


1.

A doutrina de Justino sobre Cristo: Cristo é o Logos

O ponto de partida de Justino é que a razão ou Logos germinal é aquilo que une os homens a Deus e lhes dá conhecimento dEle. Antes da vinda de Cristo os homens possuíam como que sementes do Logos e foram capazes de chegar a facetas fragmentárias da verdade. O Logos, porém, agora,

"tomou forma e se fêz carne"

em Jesus Cristo, encarnando-se inteiramente nEle.

Referências:
S. Justino:1 Apol. 32,8; 5,4.
Idem: 2 Apol. 8,1; 10,2; 13,3; 10,1.


2.

O que é o Logos.

O Logos é aqui concebido como a inteligência ou o pensamento racional do Pai; mas Justino afirmou que Ele não era distinto do Pai somente pelo nome, mas era numericamente distinto também.

Referências:
S. Justino: Dial. 128,4.


3.

Provas de que o Logos é outro que não o Pai.

Que o Verbo é outro que não o Pai pode ser mostrado:

A.

Pelas aparições de Deus no Velho Testamento,

como por exemplo, a Abraão entre os carvalhos de Manre, o que sugere que

"abaixo do Criador de todas as coisas,
existe um outro que é,
e é chamado,
Deus e Senhor",

já que é inconcebível que o

"Mestre e Pai de todas as coisas
tivesse abandonado
todos os seus afazeres supra celestes
e se tornado visível
em um diminuto recanto do mundo".

B.

Pelas freqüentes passagens do Velho Testamento,

como por exemplo, em Gênesis 1, 26:

"Façamos o homem
à nossa imagem e semelhança",

que representam Deus como que conversando com um outro, que presumivelmente é um ser racional como Ele mesmo.

C.

Pelos textos que tratam da sabedoria,

como Provérbios 8,22 e seguintes:

"O Senhor possuíu-me
no início de seus caminhos,
desde o princípio,
antes que fizesse suas obras.
Na eternidade fui concebida,
desde épocas antigas,
antes que a terra fosse feita",

já que todos concordam que o gerado é diverso do gerante.

Referências:
S. Justino: Dial. 56,4; 60,2; 62,2; 129,3 ss; 61,3-7; 62,4.


4.

O Verbo é divino.

Embora diverso do Pai, o Verbo é divino, diz São Justino:

"Sendo Verbo
e primogênito de Deus,
Ele também é Deus".

"Assim, portanto,
Ele é adorável,
Ele é Deus",
e

"nós adoramos e amamos,
depois de Deus,
o Logos derivado de Deus
incriado e inefável,
vendo que por nossa causa
Ele se fêz homem".

Referências:
S. Justino: 1 Apol. 63,15;
Idem: Dial. 63,5;
Idem: 2 Apol. 13,4.


5.

As funções do Logos.

À parte a Encarnação, as funções especiais do Logos são, de acordo com Justino, ser o agente do Pai em criar e ordenar o Universo, e revelar a verdade aos homens.

Referências:
S. Justino: 1 Apol. 59; 64,5; 5,4; 46; 63,10;
Idem: 2 Apol. 6,3; 10,1.


6.

A natureza do Logos.

No que diz respeito à sua natureza, enquanto os outros seres são coisas feitas ou criaturas, o Logos é "gerado" de Deus, sua "criança" e "filho único":

"Antes de todas as criaturas",

diz ainda Justino,

"Deus gerou,
no início,
uma potência racional
além de si mesmo".

Por esta geração, entretanto, Justino não se refere à origem última do Logos ou razão do Pai, o que ele não discute; mas sua emissão para os propósitos da criação e revelação.

Esta geração ou emissão não acarreta, porém, nenhuma separação entre o Pai e seu Filho. Nós observamos em muito a mesma coisa quando um fogo é acendido de outro: o fogo do qual é acendido não é diminuído, mas permanece o mesmo, enquanto que o fogo que é acendido dele é visto existir por si mesmo sem diminuir o fogo original.

Referências:
S. Justino: 2 Apol. 6,3;
Idem: Dial. 62,4; 61,1; 100,2; 125,3; 105,1; 61,2;
Idem:1 Apol. 21,1.


V/3

TACIANO


1.

A doutrina de Taciano em seu conjunto.

Taciano foi discípulo de São Justino e, como seu mestre, falou do Logos como existente do Pai como sua racionalidade e depois, por um ato de Sua vontade, sendo gerado.

Como Justino, também enfatizou a unidade essencial do Verbo com o Pai, usando a mesma imagem da luz acendida com a luz.

2.

A doutrina dos dois estados do Logos é mais marcada em Taciano.

Taciano colocou num relevo mais claro do que Justino o contraste entre os dois estados sucessivos do Logos.

Antes da criação Deus estava sozinho, o Logos sendo imanente nEle como sua potencialidade para criar todas as coisas. Mas no momento da criação Ele saltou fora do Pai como sua "obra primordial". Uma vez gerado,

"sendo espírito
derivado de espírito,
racionalidade de potência racional",

Ele serviu como o instrumento do Pai na criação e no governo do Universo, em particular, fazendo os homens à divina imagem.

Referências:
Taciano: Oratio ad Hel. 5,1; 7,1.


V/4

Teófilo de Antioquia


1.

A doutrina de Teófilo de Antioquia.

A doutrina de Teófilo de Antioquia segue uma linha semelhante à de São Justino.

O Verbo não é Filho de Deus no sentido em que os poetas e os romancistas relatam o nascimento dos filhos dos deuses, mas no sentido em que antes que as coisas tivessem existência, Deus o tinha como Seu conselheiro, Sua própria inteligência e pensamento.

Mas quando Deus quis criar o que Ele tinha planejado, Ele engendrou o Seu Verbo, o primogênito de toda a Criação.

Referências:
Teófilo Antioqueno: Ad Autolicum 2, 22.


2.

A interpretação das manifestações de Deus no Antigo Testamento.

Assim como Justino, Teófilo considera que as teofanias do Velho testamento foram, de fato, aparições do Logos. Deus em si mesmo não pode estar contido no espaço e no tempo, e era precisamente a função do verbo que Ele gerou manifestar sua mente e vontade na ordem criada.

V/5

Observações Finais


1.

Duas observações finais.

Há dois pontos no ensino dos Apologistas que, por causa da importância do seu alcance, devem ser sublinhados:

A.

A expressão Deus Pai é entendida como a divindade.

Para todos os Apologistas a expressão "Deus Pai" não se refere à primeira pessoa da Santíssima Trindade, mas à divindade una considerada como autora de tudo o que existe.

B.

A geração do Logos é datada.

É comum a todos os Apologistas datarem a geração do verbo, e conseqüentemente, a atribuição que lhe é devida do título de Filho, não a partir de sua origem no seio da Divindade, mas a partir de sua emissão ou geração tendo em vista os propósitos da Criação, Revelação e Redenção.