IV

A Santíssima Trindade
nos Padres Apostólicos:
Santo Inácio de Antioquia.




1.

Introdução.

Santo Inácio foi o terceiro bispo da cidade de Antioquia depois do Apóstolo São Pedro, o qual, antes de transferir-se para Roma, tinha sido o seu primeiro bispo.

Durante a perseguição aos cristãos no tempo do Imperador Trajano, Santo Inácio foi enviado preso a Roma e condenado a ser entregue às feras do Coliseu. Em sua viagem, como prisioneiro, ainda no fim do primeiro século, escreveu sete cartas, cinco das quais a diversas comunidades da Ásia Menor, uma à comunidade dos cristãos de Roma e outra a São Policarpo, bispo da cidade de Esmirna e discípulo de São João Evangelista.

2.

As cartas de Santo Inácio e a Trindade.

É evidente pela leitura das cartas de Santo Inácio que o centro de seu pensamento é Cristo Jesus. Assim, ele fala muito mais de Deus Pai e de Jesus Cristo do que do Espírito Santo ou da Trindade. Vamos examinar, portanto, primeiro o que ele diz a respeito do Espírito Santo e da Trindade, para depois fazer o mesmo com o que ele nos tem a dizer sobre Cristo.

3.

Santo Inácio e o Espírito Santo.

Santo Inácio diz que o Espírito Santo foi o princípio da concepção virginal do Senhor:

"Nosso Deus, Jesus Cristo,
tomou carne no seio de Maria,
sendo de um lado descendente de Davi,
provindo por outro do Espírito Santo".

Ef. 18, 2

Inácio diz também que foi pelo Espírito Santo que Cristo confirmou a hierarquia da Igreja:

"Saúdo vossa Igreja no sangue de Jesus Cristo,
pois ela é minha constante alegria,
sobretudo se continuarem unidos aos bispos,
aos presbíteros e diáconos que estão com ele,
instituídos segundo a palavra de Jesus Cristo,
que por sua própria vontade
os fortaleceu no Espírito Santo".

Fil. Intr.

Segundo Inácio, finalmente, foi ainda o Espírito Santo que falou através do próprio Inácio:

"Alguns desejaram enganar-me segundo a carne,
mas o Espírito, que é de Deus,
não se deixa enganar e revela seus segredos.
Clamei em alto e bom som,
na voz de Deus:

`Apegai-vos aos bispos,
ao presbitério, e aos diáconos'".

Fil. 7,1-2

4.

Santo Inácio e a Trindade.

A fórmula ternária aparece três vêzes nas cartas de Santo Inácio:

"Sois pedras do templo do Pai,
alçadas para as alturas
pela alavanca de Jesus Cristo,
alavanca que é a cruz,
servindo-vos do Espírito Santo
como de um cabo".

Ef. 9,1

"Cuidai de permanecer firmes
nas doutrinas do Senhor e dos Apóstolos,
para que tudo quanto fazeis caminhe bem,
na fé e na caridade,
no Filho e no Pai e no Espírito,
em união com o vosso bispo muito digno
e coroa espiritual do vosso presbitério,
e com os diáconos segundo o coração de Deus".

Mg. 13,1

"Sede sujeitos ao bispo e uns aos outros,
como Jesus Cristo está sujeito ao Pai,
segundo a carne,
e os Apóstolos a Cristo e ao Pai e ao Espírito".

Mg. 13,2

5.

Santo Inácio e Cristo.

Inácio declara que

"Há um só Deus,
que se manifestou
através de seu Filho Jesus Cristo,
sua Palavra saída do silêncio".

Mg. 8,2

Também afirma que Jesus Cristo é Deus nas seguintes passagens:

"Nosso Deus, Jesus Cristo,
tomou carne no seio de Maria
segundo o plano de Deus".

Ef. 18,2

"Não vos separeis de Jesus Cristo Deus,
nem dos bispos,
nem das prescrições dos Apóstolos".

Tral. 7,1

"Inácio, à Igreja amada e iluminada
segundo a fé e a caridade
de Jesus Cristo nosso Deus,
deseja todo o bem e irrepreensível alegria
em Cristo Jesus Nosso Deus".

Rom. Introd.

Em outras passagens ele subentende a diferença de Cristo do Pai:

"Assim como o Senhor nada fêz sem o Pai,
com o qual estava unido,
nem pessoalmente,
nem através dos Apóstolos,
assim também vós
nada haveis de empreender
sem o bispo e os presbíteros".

Mg. 7,1

"Sigam todos ao bispo,
como Jesus Cristo ao Pai".

Smir. 8,1

"Após a ressurreição comeu e bebeu com eles,
como alguém que tem corpo,
ainda que estivesse unido espiritualmente ao Pai".

Smir. 3,3

Em outras, ainda, ele afirma a preexistência de Cristo antes da encarnação:

"Acorrei todos ao único templo de Deus,
ao único altar do sacrifício,
a um só Jesus Cristo,
que saíu de um só Pai,
permaneceu em Um só
e a Ele voltou".

Mg. 7,2

"Esforçai-vos por fazer tudo
sob a presidência do bispo em lugar de Deus
e dos presbíteros em lugar do colégio dos apóstolos
e dos diáconos encarregados do serviço de Jesus Cristo,
o qual antes dos séculos estava com o Pai
e nos últimos tempos se manifestou".

Mg. 6,1

Mas sobre a natureza da distinção de Cristo do Pai na unidade divina tudo o que Inácio tem a dizer é que Cristo é o "pensamento" do Pai:

"Jesus Cristo,
nossa vida inseparável,
é o pensamento do Pai,
como por sua vez os bispos,
estabelecidos até os confins da terra,
estão no pensamento de Jesus Cristo".

Ef. 3,2

6.

Conclusão: A Santíssima Trindade nos Padres Apostólicos.

A evidência que pode ser reunida dos textos dos Padres Apostólicos é pobre e inconclusiva.

A preexistência de Cristo era de modo geral concedida, assim como seu papel na Criação e na Redenção.

De uma doutrina da Trindade no sentido estrito não há sinal, embora a fórmula ternária da Igreja tivesse deixado a sua marca em todo lugar.