X



Os exemplos e as intervenções de Pio X não tardaram a produzir os frutos esperados. Foram eles que deram início ao movimento de renovação litúrgica que iria chegar, dois pontificados mais adiante, a um ponto alto com a publicação da encíclica Mediator Dei de Pio XII, em novembro de 1947.

Esta encíclica é na verdade uma monumental obra de Teologia, e constitui, juntamente com as atas do Concílio Tridentino, os dois mais importantes documentos do Magistério da Igreja sobre a Missa antes do Concílio Vaticano II. As citações que se seguem, tiradas da Mediator Dei, embora um pouco extensas, representam, entretanto, apenas uma pequena parte da encíclica, cuja outra característica é o seu caráter unusualmente longo entre os textos pontifícios.

Um dos primeiros cuidados de Pio XII na Mediator Dei foi o de estabelecer a inexistência de oposição entre ascese e liturgia, e como a primeira deve ser considerada como uma preparação para a segunda.

"Todo o culto que a Igreja presta a Deus
deve ser interno e externo",

diz Pio XII no nº 19 da encíclica.

"Deve ser externo,
porque assim o pede a natureza do homem,
que é composto de alma e corpo".

M.D. 20

"Mas o elemento principal do culto
deve ser interno,
de outro modo a religião se torna
um rito vão e um formalismo sem sentido".

M.D. 21

"Estão, portanto,
muito longe da verdadeira e autêntica
noção da Sagrada Liturgia
aqueles que a julgam como sendo apenas
a parte externa e sensível do culto divino".

M.D. 22

"A todos deve ser notório
que não se pode dar dignamente
honra a Deus
sem que os espíritos se elevem
em busca da perfeição".

M.D. 23

"A autêntica e verdadeira piedade,
que São Tomás chama de devoção,
tem necessidade da meditação
das realidades sobrenaturais
e dos exercícios espirituais,
para se alimentar, estimular e revigorar
e nos mover à perfeição".

M.D. 29

"Ensinando a fé católica
e exortando-nos à observância
dos preceitos cristãos,
a Igreja prepara o caminho
à sua missão propriamente sacerdotal
e santificadora".

M.D. 31

"A atividade privada e o esforço piedoso
que leva os homens à purificação interior,
estimulando as energias dos fiéis,
dispõe-nos a participarem
com melhores disposições
do Augusto Sacrifício do Altar
e a receber os Sacramentos com maior fruto".

M.D. 32

"Por conseguinte, na vida espiritual
nenhuma oposição ou repugnância
pode haver entre a vida ascética
e a piedade litúrgica,
e é por estes motivos
que ordena a Igreja aos ministros do altar
que em tempos determinados
se entreguem à meditação
e outros exercícios espirituais".

M.D. 33

Passa então o Santo Padre a expor a extensão da autoridade que a Igreja tem para estabelecer ou modificar os ritos litúrgicos:

"A hierarquia eclesiástica usou sempre
de seu direito em matéria litúrgica,
ordenando o culto divino
e enriquecendo-o sempre
de novo esplendor e brilho
para a glória de Deus e proveito dos fiéis.
Não duvidou, além disso,
salvo a substância do Sacrifício Eucarístico
e dos Sacramentos,
mudar o que já não tinha razão de ser
e acrescentar o que melhor parecia contribuir
para aumentar a honra de Jesus Cristo
e da augustíssima Trindade".

M.D. 45

"A Sagrada Liturgia consta
de elementos divinos e humanos;
os elementos divinos é evidente
que não podem ser mudados pelos homens;
ao contrário, os elementos humanos
podem sofrer várias modificações,
aprovadas pela hierarquia eclesiástica
com o auxílio do Espírito Santo,
conforme as exigências dos tempos
e as necessidades das almas.
Tudo isto é prova da vitalidade
da intimorata Esposa de Cristo".

M.D. 46

"Só o Sumo Pontífice tem o direito
de reconhecer e estabelecer
costumes litúrgicos,
introduzir e aprovar novos ritos
e mudar aqueles que julga
deverem ser mudados".

M.D. 54

"A liturgia da antiga idade é,
sem dúvida,
digna de veneração;
mas um antigo uso,
só pelo fato de sua antiguidade,
não é o melhor,
quer em si mesmo,
quer em relação aos tempos posteriores
e às novas condições que se verificam".

M.D. 57

"É certamente de boa sabedoria
e muito para louvar o voltar,
de alma e coração,
às fontes da Sagrada Liturgia;
mas não é igualmente bom e louvável
reduzir tudo e de todos os modos ao antigo.
Não seria animado pelo zelo reto e inteligente
aquele que quisesse voltar aos antigos ritos e usos,
repudiando as novas normas
introduzidas por disposição da divina providência
e sob a pressão de circunstâncias novas".

M.D. 58

"Tudo, portanto, se faça de modo
que se guarde a necessária união
com a hierarquia eclesiástica".

M.D. 61

Neste ponto a encíclica retoma as afirmações de Pio X de que a Eucaristia é o ponto central da religião cristã e prossegue explicando a natureza sacrificial da Missa. Ao fazê-lo, porém, traz uma novidade. Pio XII não se limitou mais apenas a definir este caráter sacrificial, como o havia feito o Concílio de Trento, mas decidiu tornar explícito, pela primeira vez em um documento do Magistério da Igreja, em que consiste a essência do sacrifício eucarístico. Ao fazer isto, dirimiu uma questão que vinha sendo debatida há séculos entre os teólogos. Para entendê- la, assim como à solução apresentada por Pio XII, deve-se saber que na Missa há principalmente seis ações do sacerdote, as quais são:

  • a oferta do pão e do vinho antes da consagração;

  • a consagração do pão que se transubstancia no Corpo de Cristo;

  • a consagração do vinho que se transubstancia no sangue de Cristo;

  • a oferta do Corpo e Sangue de Cristo após a consagração;

  • a comunhão do sacerdote;

  • a distribuição da comunhão aos fiéis.

Qual destas ações constitui o sacrifício incruento que é a Missa?

São Tomás de Aquino, embora deixasse claro que a Missa é sacrifício, nem sequer chegou a levantar esta questão.

Alguns séculos mais tarde, na Theologia Moralis de S. Afonso de Ligório, a questão já se encontra colocada e apresentada da seguinte maneira:

"É certo e de fé
que a Missa é verdadeira e propriamente sacrifício,
mas cabe aqui perguntar em que consiste
a essência deste sacrifício.
Esta é uma grande questão
e há entre os doutores várias sentenças.
A primeira diz consistir apenas
na comunhão (do sacerdote),
porque apenas nela encontra-se a destruição
ou a imutação da vítima;
a segunda diz consistir na oferta feita
após a consagração,
já que o sacrifício nada mais é
do que uma oferta;
a terceira e mais comum
diz consistir apenas na consagração,
o que é muito provável,
mas a mim me parece que a mais provável
é a quarta sentença
que afirma que a essência do sacrifício eucarístico
consiste na consagração e na comunhão do sacerdote".

S. Afonso Liguori
Theologia Moralis,
L. VI, T.3, c.3

Colocada assim a questão, vejamos o que o Magistério da Igreja, através de Pio XII, entendeu ensinar a este respeito:

"O Mistério da Santíssima Eucaristia,
instituído pelo Sumo Sacerdote Jesus Cristo,
e por sua vontade perpetuamente renovado
pelos seus ministros,
é a cúpula e como que
o centro da religião cristã".

M.D. 62

"Tratando-se do ponto mais importante
da Sagrada Liturgia,
julgamos oportuno,
veneráveis irmãos,
demorar nele um pouco
e chamar a vossa atenção
para este gravíssimo assunto".

M.D. 63

"Cristo Senhor Nosso,

`sacerdote eterno
segundo a ordem de Melquisedec',

tendo amado os seus que estavam no mundo,
na última ceia,
na noite em que ia ser entregue,
querendo deixar à Igreja,
sua esposa amada,
um sacrifício visível como o exige
a natureza dos homens,
que representasse o sacrifício cruento
a realizar uma só vez na cruz,
e para que a sua memória durasse
até à consumação dos séculos
e a sua salutar virtude fosse aplicada
para a remissão dos nossos pecados cotidianos,
ofereceu a Deus Pai o seu corpo e o seu sangue
sob as espécies de pão e de vinho,
mandando aos apóstolos,
e aos sucessores deles no sacerdócio,
que fizessem a mesma oblação".

M.D. 63

"O Augusto Sacrifício do Altar não é, pois,
uma pura e simples comemoração
da paixão e morte de Cristo,
mas um verdadeiro e propriamente dito sacrifício,
no qual, imolando-se incruentamente,
o Sumo Sacerdote faz o que fêz
uma vez sobre a cruz,
oferecendo-se ao Pai Eterno como hóstia gratíssima,
divergindo apenas o modo de oferecer".

M.D. 64

"É idêntico, portanto, o sacerdote,
Cristo Jesus, cuja sagrada pessoa
é representada pelo seu ministro.
Este, pela consagração sacerdotal,
tem o poder de agir em virtude
e na pessoa do próprio Cristo".

M.D. 65

"De igual modo,
é idêntica a vítima,
diferindo, contudo,
no modo como é oferecida.
Com efeito, na cruz,
Cristo ofereceu totalmente a Deus o seu ser
e os seus sofrimentos,
e a imolação da vítima foi consumada
por meio de uma morte cruenta
livremente sofrida.
No altar, ao contrário,
por causa do estado glorioso
de sua natureza humana,
a morte não tem mais domínio sobre Ele,
e por isso não é possível efusão de sangue".

M.D. 66

"Mas a divina sabedoria encontrou
o modo admirável de tornar manifesto
o sacrifício de nosso Redentor
por meio de sinais externos
que simbolizam a morte".

M.D. 66

"De fato,
pela transubstanciação do pão no corpo
e do vinho no sangue de Cristo,
tem-se realmente presente
tanto o seu corpo como o seu sangue;
e as espécies eucarísticas,
sob as quais está presente,
simbolizam a cruenta separação
do corpo e do sangue.
Assim, a comemoração de sua morte,
que foi real no Calvário,
repete-se em cada sacrifício do altar porque,
por meio de símbolos distintos,
Jesus Cristo é significado e se nos mostra
em estado de vítima".

M.D. 66

Para compreender melhor esta sentença de Pio XII, deve-se considerar que, certa vez, antes de Cristo ter iniciado sua vida pública, João Batista, ao vê-lo, havia dito dEle a João e a André:

"Eis o Cordeiro de Deus".

Esta expressão era uma alusão a um sacrifício prescrito por Moisés ao povo judeu 1200 anos antes pelo qual todo ano, durante a Páscoa, cada família deveria imolar a Deus um cordeiro segundo um determinado rito. Com isto se comemorava a libertação do povo judeu da escravidão do Egito. Este rito prescrevia que, além do cordeiro dever ser imolado no dia de Páscoa, todo o seu sangue deveria ser derramado e nenhum osso lhe poderia ser quebrado. Ao chamar a Jesus de Cordeiro de Deus, João Batista estava anunciando profeticamente o motivo pelo qual ele havia nascido.

Três anos depois desta profecia, Jesus foi crucificado no dia da Páscoa; era costume dos romanos quebrarem os ossos dos crucificados para que morressem mais depressa:

"Vieram, pois, os soldados",

diz o Evangelho,

"e quebraram as pernas
ao primeiro e depois ao outro
que tinham crucificado com Jesus".

Jo. 9, 32

Mas, ao chegarem a Jesus, sucedeu que este tinha sido flagelado tanto antes de ser crucificado, na vã tentativa de Pilatos de comover o povo judeu para que desistisse de sua condenação, que por causa destes maus tratos já se encontrava morto. Diz então S. João Evangelista, aquele mesmo que anos antes havia ouvido a profecia de João Batista a respeito do Cordeiro de Deus:

"Ao chegarem a Jesus,
vendo que já estava morto,
não lhe quebraram as pernas,
mas um dos soldados perfurou-lhe o lado
com uma lança
e logo saíu sangue e água.
Aquele que viu o atesta,
e o seu testemunho é verdadeiro
e sabe que diz a verdade,
para que vós também creiais,
pois tudo isso aconteceu para se cumprir
a Escritura (que diz):

`Não lhe será quebrado
um só osso'".

Jo. 19, 33-6

João também atesta, nesta passagem, que, morto Jesus, furaram-lhe o lado e saíu algum sangue e depois apenas água, mostrando com isso que, ao contrário do que costumava acontecer com os crucificados, mas conforme o rito prescrito para os cordeiros pascais, que naquele mesmo instante estavam sendo imolados em grande quantidade do lado de dentro da cidade no Templo de Jerusalém para serem servidos à noite às ceias nas famílias, Cristo não morreu sem ter-lhe sido derramado todo o seu sangue.

É também assim que Cristo se imola em cada Missa, segundo Pio XII.

Temos de um lado, na patena, o pão que se transubstancia no Corpo de Cristo, embora, concomitantemente, sob a espécie de pão, também se encontre seu sangue, alma e divindade; e no cálice, separadamente, o vinho se transubstancia no Sangue de Cristo, embora também, assim como no caso do pão, sob a espécie de vinho, por concomitância, se encontre o Cristo todo. Esta consagração distinta de ambos reproduz incruentamente a separação cruenta de seu Corpo e seu Sangue que se realizou na cruz. Verdadeiramente, pois, de um modo admirável, conforme o vimos escrito no século III na Carta 63 de Cipriano, o que está sobre o altar e

"se oferece a Deus neste sacrifício
é a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo".

Mas dizia também o mesmo Cipriano que

"não é celebrado o Sacrifício do Senhor
com legítima santificação se não corresponde
à sua Paixão a nossa oblação e sacrifício".

Diz também Hugo de São Vítor que

"as coisas que se realizaram em Cristo
não foram apenas remédio,
mas também exemplo e Sacramento;
foi necessário, pois,
que se realizassem externamente
e de modo visível,
para que significassem aquelas
que em nós deveriam realizar-se
de modo invisível".

Hugo S. Vitor
ML 175, 838

Ora, diz o Evangelho que no momento em que Cristo oferecia-se a si mesmo em sacrifício,

"a cortina do Templo se rasgou
em duas partes, de alto a baixo;
a terra tremeu e as rochas se fenderam,
e muitos corpos de justos
que tinham morrido ressuscitaram
e apareceram a muitos".

Mt. 27, 51-3

Assim também devem se haver os que se aproximam deste sacrifício; lembrem-se que Cristo está presente de um modo todo especial neste sacrifício e que nada mais estão fazendo do que se aproximando dEle. Seja sua primeira preocupação lembrarem-se do Sacrifício que outrora Cristo celebrou na Cruz e verem-se no Sacrifício do Altar, em que Cristo se apresenta a Deus como vítima incruentamente imolada enquanto permanecem as espécies distintas consagradas sobre o altar, como se estivessem diante do Sacrifício da Cruz.

Pouco valeria, porém, lembrarmo-nos daquele sacrifício apenas em sua realização física se não nos recordássemos das intenções que naquele dia moveram a Cristo, e a elas não nos unirmos.

Assim como naquele dia rasgou-se o véu do templo, de alto a baixo, que simbolizava as coisas antigas, tremeu a terra e fundiram-se as rochas, assim também devemos nos oferecer a nós próprios em sacrifício a Deus e morrer juntamente com Cristo para o pecado e as coisas que passam:

"Ao te aproximares do altar",

diz São Boaventura,

"dirige a tua alma e a tua intenção
a fazer aquilo que Cristo teve a intenção de fazer,
e o que tem a intenção de fazer a Santa Mãe Igreja.
Mova-te em primeiro a consciência
e o remorso dos pecados,
esperando purificar-te de todo pecado pelo sacrifício
como por uma vítima de expiação".

E completa estas palavras S. Tomás de Aquino:

"Seja esta Eucaristia
o término dos meus vícios,
o extermínio da concupiscência
e dos maus desejos,
o aumento da caridade,
da paciência,
da humildade,
da obediência
e de todas as virtudes;
a firme defesa contra as armadilhas do inimigo,
a pacificação das revoltas
tanto da carne como do espírito,
e em Ti, único e verdadeiro Deus,
a firme união e feliz consumação
do meu existir".

Quanto à ressurreição dos justos, que veio após as rochas terem- se fendido, esta é, em primeiro lugar, nossa própria ressurreição para as coisas eternas, o que sucede pela caridade, pois diante de Deus só vive quem permanece na caridade, na qual se verifica plenamente a palavra de Cristo:

"Dar é maior felicidade
do que receber".

Atos 20, 35

"Mova-te, pois, o louvor de Deus", continua S. Boaventura,

"e o desejo de servi-lo pela caridade,
pois não temos com que louvar mais dignamente a Deus
do que imolando-lhe (e oferecendo-lhe)
sacramentalmente o Cristo".

No texto original, estas palavras de S. Boaventura dirigem-se ao sacerdote (Cf. S. Boaventura, Preparatio ad Missam); somente o sacerdote, e não os fiéis, diz Pio XII na Mediator Dei, realiza a imolação incruenta, enquanto representante de Cristo e não enquanto representante dos fiéis. Após a consagração, colocando sobre o altar a vítima divina, o sacerdote apresenta-a como oblação a Deus Pai; mas, acrescenta também o Pontífice, é nesta oblação que pelo Batismo participam os fiéis do sacrifício Eucarístico pelas mãos do sacerdote e também juntamente com ela, não por concelebrarem os ritos litúrgicos, mas unindo os seus votos à intenção do sacerdote a fim de serem apresentados a Deus pelo rito externo do sacerdote (Cf. Pio XII, Mediator Dei 78, 88, 89).

Não se pode deixar de admirar como todas estas intenções são tão singelamente recolhidas e postas nos lábios do celebrante e no coração dos fiéis logo nas primeiras palavras que vem em seguida ao término da consagração na Oração Eucarística II, aquela proveniente dos textos de S. Hipólito de Roma no século terceiro, os mais antigos textos litúrgicos conhecidos:

"Celebrando, pois,
a memória da morte e ressurreição
de Vosso Filho,
nós Vos oferecemos, ó Pai,
o Pão da Vida,
e o Cálice da Salvação;
e Vos agradecemos
porque nos tornastes dignos
de estar aqui na Vossa Presença
e Vos servir".

Mas a ressurreição dos justos de que fala o Evangelho não é apenas a nossa; pelo que acrescenta S. Boaventura:

"Aproximando-te do altar,
inflama-te no amor
e considera também
que deve ser a tua intenção
ajudar a toda a Igreja,
pois a caridade sacerdotal
deve se dilatar em todos os sentidos",

o que corresponde exatamente às palavras seguintes da oração eucarística proveniente de S. Hipólito:

"E nós vos suplicamos
que participando do Corpo e Sangue de Cristo,
sejamos reunidos pelo Espírito Santo
em um só Corpo.
Lembrai-vos, ó Pai,
de vossa Igreja dispersa pelo mundo inteiro,
que ela cresça na caridade.
Tende piedade de todos nós,
e dai-nos participar da vida eterna
com todos os que neste mundo vos serviram
a fim de vos louvarmos e glorificarmos".

Mas quem não perceberá que foram exatamente estas as disposições que animavam a Cristo quando Ele a Si próprio se ofereceu a Deus em Sacrifício na Cruz? De um modo admirável, pois, durante o Sacrifício do Altar acabamos por nos oferecer a nós próprios juntamente com Cristo em sacrifício ao Pai Eterno.

É por isto que Pio XII retoma a Encíclica que estamos a comentar com estas impressionantes palavras:

"Todos os elementos da Liturgia tendem, pois,
a reproduzir na nossa alma
a imagem do Divino Redentor,
como que nos tornando hóstia com Cristo,
para a maior glória do Pai Eterno".

M.D. 98

"Assistindo, pois, ao altar,
devemos transformar-nos de modo
que nos tornemos,
em união com a hóstia imaculada,
vítima agradável ao Pai Eterno".

M.D. 96

"Por meio dos preceitos da Sagrada Liturgia,
a Igreja empenha-se em levar a efeito
este Santíssimo propósito
do modo mais apropriado possível.
A isto tendem não somente as leituras,
as homilias e outras exortações
dos ministros sagrados,
mas ainda os ritos sagrados
e o aparato externo,
que tem o condão de excitar os espíritos dos fiéis,
por meio de sinais visíveis de piedade e religião,
à contemplação das coisas altíssimas
latentes neste sacrifício".

M.D. 97

"A este ponto, pois,
devem elevar o espírito
os cristãos que oferecem o Sacrifício Eucarístico:
considerem os fiéis a dignidade
a que os elevou o sacramento do Batismo;
e não se contentem em tomar parte no Sacrifício Eucarístico
com a intenção geral que convém
aos membros de Cristo e filhos da Igreja,
mas livre e intimamente unidos
ao Sumo Sacerdote e ao seu ministro terrestre,
unam-se a ele, de modo particular,
no momento da consagração da hóstia divina
e juntamente com Ele se ofereçam,
ao pronunciar o sacerdote aquelas salutares palavras:

`Por Ele, com Ele e nEle,
a Ti, Deus Pai Onipotente,
na unidade do Espírito Santo,
é dada toda a honra e glória,
por todos os séculos dos séculos';

palavras a que o povo responde:

`Amén'".

M.D. 100

"O Augusto Sacrifício do Altar conclui-se
com a comunhão do alimento divino.
Na verdade, o Sacrifício Eucarístico
consiste essencialmente na imolação incruenta
da vítima divina,
imolação que é misticamente manifestada
pela separação das Sagradas Espécies
e sua oblação feita ao Pai Eterno.
A Sagrada Comunhão pertence
à integridade do Sacrifício
e à participação nele;
e, enquanto é absolutamente necessária
por parte do ministro sagrado,
por parte dos fiéis
é somente muito recomendável".

M.D. 111

Exposta desta maneira a natureza do Sacrifício Eucarístico, o venerável Pontífice passa a expor as conseqüências da doutrina que ele apresentou. Retomemos as suas palavras:

"É preciso, pois,
veneráveis irmãos,
que todos os fiéis considerem
o seu principal dever e suma honra
o participar no Sacrifício Eucarístico;
não com uma assistência passiva,
negligente e distraída,
mas tão fervorosa e ativamente
que a união com o Sumo Sacerdote
não possa ser mais íntima,
conforme a palavra do Apóstolo:

`Tende em vós os mesmos
sentimentos de Jesus Cristo',

com Ele e por Ele oferecendo o Sacrifício
e juntamente com Ele se oferecendo a si próprios.
O dito do Apóstolo:

`Tende em vós os mesmos
sentimentos de Jesus Cristo',

exige de todo cristão que reproduza em si,
o quanto está nas possibilidades humanas,
o mesmo estado de alma
que tinha o Divino Redentor
quando realizava o Sacrifício de si mesmo".

M.D. 76

"É o que ensinam, também,
aquelas exortações que o Bispo,
em nome da Igreja,
faz aos ministros sagrados
no dia de sua ordenação:

`Dai-vos conta daquilo que fazeis,
imitai aquilo em que vos ocupais,
de modo que,
celebrando o mistério da morte do Senhor,
procureis mortificar os vossos membros
dos vícios e das concupiscências'.

E quase do mesmo modo
são exortados nos livros litúrgicos os fiéis,
que se abeiram dos altares
para tomar parte nos Sagrados Mistérios:

`Seja neste altar o culto da inocência,
aqui se imole a soberba,
aqui se abrande a ira,
aqui se vença a luxúria
e toda a paixão libidinosa,
aqui se ofereça,
em vez das rolas e dos sacrifícios antigos,
o sacrifício da castidade e,
em vez das pombinhas,
o sacrifício da inocência'.

Assistindo, pois, ao altar,
devemos transformar-nos
de modo que nos tornemos,
em união com a Hóstia Imaculada,
vítima agradável ao Pai Eterno".

M.D. 96

"Todos os elementos da Liturgia tendem, pois,
a reproduzir na nossa alma
a imagem do Divino Redentor,
como que nos tornando hóstia com Cristo,
para maior glória do Pai Eterno".

M.D. 98

"Todos, portanto,
assim estreitamente unidos a Cristo,
procuremos como que submergir-nos
na sua santíssima alma,
e unamo-nos com Ele
para participarmos nos atos de adoração
com que Ele oferece à Santíssima Trindade
a mais grata e aceita das homenagens;
aos atos de louvor e de ação de graças
que Ele oferece ao Pai Eterno,
e a que faz eco harmonioso
o cântico do céu e da terra,
conforme ao que está escrito:

`Bendizei ao Senhor,
todas as obras do Senhor';

mas, sobretudo, ofereçamo-nos
e imolemo-nos como vítimas, dizendo:

`Faze, Senhor,
que sejamos para Ti
oferenda eterna'".

M.D. 122

Com quanta razão começa a ficar visível por que a Mediator Dei foi chamada de "A Carta Magna da Liturgia"! Mas não podemos concluir este apanhado sem mencionar como a Encíclica termina com diretivas para que tudo isto pudesse vir, de fato, a tornar-se realidade na Igreja. Fazemos isto também por ser um dos pontos fundamentais para entender o que haveria de acontecer posteriormente na Igreja. Ouçamos, pois um apanhado das conclusões de Pio XII:

"Veneráveis irmãos,
para que os fiéis possam,
guiados por normas seguras,
praticar o apostolado litúrgico
com frutos abundantes,
julgamos oportuno acrescentar alguns pontos
para tornar realizável a doutrina exposta".

M.D. 167

"Tratando-se da genuína piedade,
afirmamos que entre a Liturgia
e os outros atos de religião,
desde que sejam retamente ordenados
e tenham em vista um fim bom,
não pode haver verdadeira repugnância".

M.D. 168

"Estas múltiplas formas de piedade,
de fato, tendem todas elas
à conversão e orientação para Deus
de nossa alma,
à expiação dos pecados
e prossecução da virtude,
habituando-nos à meditação dos pecados
e tornando-nos o espírito mais pronto
para a contemplação dos mistérios
da natureza humana e divina de Cristo,
dispondo-nos a tomar parte mais frutuosamente
nas Sagradas funções
e evitando o perigo
de que as preces litúrgicas se reduzam
a vão ritualismo".

M.D. 170

"Não cesseis, pois,
veneráveis irmãos,
no vosso zelo pastoral,
de recomendar e encarregar
estes exercícios de piedade,
dos quais brotarão, sem dúvida,
para o povo a vós confiado,
frutos salutares.
Sobretudo não permitais
que as igrejas estejam fechadas
durante as horas não destinadas
às funções litúrgicas,
como já sucede em algumas regiões;
que se ponham de parte a adoração
e a visita ao Santíssimo Sacramento;
que se desaconselhe a confissão dos pecados
feita somente por motivo de devoção;
que se descure,
a ponto de arrefecer e entibiar,
o culto a Nossa Senhora,
sobretudo entre a juventude,
pois a devoção a Maria,
segundo afirmam os santos,
é sinal de predestinação.
Esforçai-vos também
para que nos retiros mensais
e outros exercícios espirituais
feitos em dias determinados
tome parte o maior número possível,
não só do clero, mas também de leigos".

M.D. 171; 173

"Mas relativamente aos vários modos
como se costumam praticar estes exercícios,
seja a todos bem sabido e claro que,
na Igreja terrestre, tal como na celeste,
há muitas moradas,
e que a ascética não pode ser
o monopólio de ninguém".

M.D. 174

"Contudo, é necessário que a inspiração
com que alguém é levado a preferir certos
e determinados exercícios
provenha do Pai das luzes,
origem de tudo o que é bom,
de todo dom perfeito.
Disso será índice a eficácia
com que tais exercícios conduzam as almas
a amar sempre mais
e promover o culto divino
e levem os fiéis a participar nos Sacramentos
com maior fervor
e ter as coisas santas
na devida veneração e respeito".

M.D. 175

"Tomai, pois, ao vosso cuidado,
veneráveis irmãos,
a prosperidade desta piedade
pura e autêntica
e o seu reflorescimento
cada vez maior".

M.D. 179

"Instantemente vos exortamos,
veneráveis irmãos, a que,
removidos os êrros e a falsidade
e proibido tudo quanto está fora
da verdade e da ordem,
promovais todas as iniciativas
tendentes a dar ao povo
um conhecimento mais profundo
da Sagrada Liturgia,
de modo que ele possa melhor
e mais facilmente participar nos ritos divinos
com aquela disposição
que convém a cristãos".

M.D. 180

"Provede com bom ânimo
para que o clero novo
seja formado na inteligência
das Sagradas Cerimônias,
na compreensão de sua majestade e beleza.
E isso não somente para que o seminarista
possa um dia cumprir os ritos da religião
com a ordem, o decoro e a dignidade
que se requerem,
mas sobretudo para que se forme na união
com Cristo Sacerdote
e venha a ser um santo ministro de santidade".

M.D. 192

"Atendei também de todos os modos a que,
empregando os meios e processos
que a vossa prudência julgue mais adaptados,
o clero e o povo sejam
um só espírito e uma só alma,
e assim o povo participe ativamente na Liturgia,
que se tornará realmente a ação sagrada,
com a qual o sacerdote
que superintende a cura das almas
que lhe forem confiadas,
unido com a assembléia do povo,
presta ao Senhor o culto devido".

M.D. 193

"Procurai, sobretudo, obter,
com o vosso diligentíssimo zelo,
que todos os fiéis assistam ao sacrifício eucarístico;
e, para que dessa assistência colham frutos
mais abundantes e salutares,
exortai-os assiduamente
a que participem com devoção no Sacrifício,
por todos aqueles modos legítimos
de que acima falamos.
O Augusto Sacrifício do Altar
é o ato fundamental do culto divino;
é necessário, portanto,
que também seja a fonte
e o centro da piedade cristã.
Sabei que não satisfizestes ao vosso zelo apostólico,
enquanto não virdes os vossos filhos
abeirarem-se em grande número do banquete celeste,
que é

`Sacramento da piedade,
sinal da unidade,
vínculo da caridade'".

M.D. 195

"Tudo isto, veneráveis irmãos,
tínhamos em mente escrever-vos e o fizemos
movidos pelo desejo de que os nossos e vossos filhos
melhor compreendam e mais estimem
o preciosíssimo tesouro contido
na Sagrada Liturgia".

M.D. 199

"Que ela seja uma preparação
e um augúrio daquela celeste Liturgia,
segundo a qual, confiamos,
na companhia da Mãe de Deus
e nossa dulcíssima Mãe,
cantaremos:

`Àquele que está sentado no trono
e ao Cordeiro,
bênção, e honra, e glória, e império,
pelos séculos dos séculos'".

M.D. 203

Castel Gandolfo,
20 novembro 1947
Pio XII, Papa