VII



Tudo quanto viemos dizendo sempre foi ponto pacífico entre os cristãos desde o início da Igreja até a Idade Média. O primeiro milênio do Cristianismo não assistiu a nenhuma controvérsia de peso sobre o Sacramento da Eucaristia e o Sacrifício da Missa.

As primeiras grandes controvérsias teológicas que precisaram ser resolvidas através dos grandes concílios ecumênicos versaram sobre a Santíssima Trindade, no primeiro e segundo Concílios Ecumênicos; sobre o mistério da Encarnação, no terceiro, quarto, quinto e sexto Concílios Ecumênicos; e o problema das imagens, no Sétimo Concílio Ecumênico.

A literatura cristã do primeiro milênio é abundante em testemunhos sobre a presença real de Cristo sob as espécies eucarísticas do pão e vinho, assim como da natureza sacrificial da Missa. Mas estes testemunhos, dos quais vimos vários exemplos, não foram definições categóricas do Supremo Magistério da Igreja para dirimirem por sua autoridade uma heresia ou alguma danosa controvérsia teológica, como o haviam sido, por exemplo, as declarações dos Concílios Ecumênicos acima citados sobre os mistérios da Trindade e da Encarnação. E o motivo para este silêncio por parte da autoridade máxima da Igreja durante mais de mil anos foi o já precedentemente apontado. Tratava-se de algo muito claro e que nunca havia sido colocado seriamente em dúvida.

As declarações do Magistério da Igreja em relação à Eucaristia começam a aparecer somente no segundo milênio, primeiro, durante a Idade Média, em relação à presença real de Cristo na Eucaristia, e depois, no final da Renascença, durante a Contra Reforma, sobre a natureza sacrificial da Missa.

Assim é que em 1079 o papa S. Gregório VII obrigou a Berengário a assinar uma confissão em que se lia:

"Eu, Berengário,
creio de coração e confesso
que o pão e o vinho,
que são colocados no altar,
pelo mistério da sagrada oração
e pelas palavras de nosso Redentor
se convertem substancialmente
na verdadeira, própria e vivificadora
carne e sangue de Jesus Cristo Nosso Senhor e,
após a consagração,
são o verdadeiro Corpo de Cristo
que nasceu da Virgem
e pela salvação do mundo pendeu da cruz
e o verdadeiro Sangue de Cristo
que jorrou de seu lado,
na propriedade da natureza
e na verdade da substância.
Assim o creio
e não mais ensinarei contra esta fé".

Pouco mais de um século depois, em 1208, o papa Inocêncio III obrigou os Valdenses a assinarem outra profissão de fé em que se liam expressões semelhantes.

No ano de 1215 o quarto Concílio Ecumênico de Latrão utilizou-se pela primeira vez da palavra transubstanciação para designar a transformação do pão e vinho no corpo e sangue de Cristo, afirmando que

"o corpo e o sangue de Cristo
no Sacramento do Altar
estão verdadeiramente contidos
sob a espécie do pão e do vinho,
transubstanciados o pão no corpo,
e o vinho no sangue pelo poder divino".

Dos seis Concílios Ecumênicos havidos entre o Quarto Concílio Lateranense e o Concílio de Trento celebrado durante a Contra Reforma, cinco retomam esta doutrina com afirmações semelhantes.

O assunto veio finalmente a ser tratado novamente com todo o seu peso no Concílio de Trento, convocado para examinar a doutrina protestante e organizar a Contra Reforma.

Na XIIIª Sessão do Concílio de Trento, de 11 de outubro de 1551, foi tratada a questão da presença real de Cristo na Eucaristia e da transubstanciação. Entretanto, ao contrário de Berengário e de outros que depois se seguiram, a reforma protestante não se limitou a negar a transubstanciação ou a presença real; ela negou também que a Eucaristia tivesse sido instituída por Cristo como sacrifício. Por causa disso, na vigésima segunda sessão do Concílio de Trento, de 17 de setembro de 1562, veio a ser tratada pela primeira vez por parte da autoridade do Magistério da Igreja a doutrina do sacrifício da Missa de um modo mais extenso. Nos Concílios anteriores, ao se tratar da Eucaristia, já havia se aludido à Missa como sacrifício, mas foi aqui que pela primeira vez toda uma inteira sessão do Concílio foi dedicada exclusivamente a este tema. Nas atas do Concílio de Trento o tema da Missa enquanto sacrifício é tratado em pouco menos de uma dezena de páginas contendo apenas as decisões finais dos padres conciliares, incluindo doutrina, cânones dogmáticos e normas disciplinares diversas. O Concílio se expressou de uma forma concisa e lapidar; o valor e o significado de cada palavra foi evidentemente cuidadosamente pensado e repensado para significar exatamente o que pretendia ser definido.

Nos decretos desta vigésima segunda sessão do Concílio Tridentino pode-se ler, entre outras coisas:

"O Sacrossanto Concílio Ecumênico de Trento,
congregado no Espírito Santo,
para que a antiga e perfeita fé e doutrina
acerca do grande mistério da Eucaristia
seja conservada em sua pureza na Igreja Católica,
ensina, declara e decreta que seja pregado ao povo
que Deus e Senhor Nosso,
ainda que por uma única vez iria se oferecer a si mesmo
a Deus Pai pela morte no altar da cruz,
para que obtivesse (para os homens) a eterna redenção,
porque porém pela sua morte
o seu sacerdócio não deveria se extingüir,
na última ceia que celebrou à noite,
para que à sua amada esposa a Igreja
deixasse um sacrifício visível,
assim como a natureza dos homens o exige,
pelo qual aquele sacrifício cruento
a ser feito na cruz uma única vez
fosse representado e sua memória permanecesse
até o fim dos séculos,
e aquela virtude salvífica fosse aplicada
à remissão daqueles pecados
que por nós cotidianamente são cometidos,
declarando-se sacerdote constituído
por toda a eternidade segundo a ordem de Melquisedec,
ofereceu a Deus Pai o seu corpo e o seu sangue
sob as espécies de pão e vinho
e sob os símbolos destas mesmas coisas
entregou-os aos apóstolos
para que estes os tomassem,
os quais assim constituíu sacerdotes do Novo Testamento,
e aos mesmos e aos sucessores destes no sacerdócio
preceituou por estas palavras que o oferecessem:

`Fazei isto em minha memória',

como sempre a Igreja entendeu e ensinou.

E esta de fato é aquela oblação pura,
que não pode ser manchada por nenhuma indignidade
ou malícia do oferente,
que o Senhor predisse por meio de Malaquias
que haveria de ser oferecida em todo lugar ao seu nome,
o qual seria grande entre os gentios.

E já que neste divino sacrifício,
que se realiza na Missa,
está contido e é incruentamente imolado
aquele mesmo Cristo que no altar da Cruz
uma única vez a si mesmo cruentemente se ofereceu,
ensina este Santo Concílio ser este sacrifício
verdadeiramente propiciatório,
e dar-se pelo mesmo que,
se com coração verdadeiro e fé reta,
com modo e reverência,
contritos e penitentes
nos aproximamos de Deus,
alcançamos misericórdia
e encontramos graça no auxílio oportuno.

... Como a natureza dos homens
é tal que não possa facilmente
sem o auxílio das coisas exteriores
levantar-se à meditação das coisas divinas,
por causa disso a Santa Mãe Igreja
instituíu certos ritos e cerimônias
provenientes da tradição e disciplina apostólicas,
pelos quais as mentes dos fiéis fossem incentivadas
à contemplação das coisas altíssimas
que se escondem neste sacrifício.

Quanto cuidado deve ser utilizado
para que o santo Sacrifício da Missa seja celebrado
com todo o culto e veneração da religião,
qualquer um facilmente poderá estimar
lembrando-se que nas Sagradas Escrituras
é chamado maldito
aquele que realiza a obra de Deus negligentemente.
Porém, se necessário for,
confessemos que nenhuma outra obra
pode ser tratada pelos fiéis
tão santa e tão divina
como este tremendo mistério,
através do qual aquela divina hóstia viva,
pela qual somos reconciliados com Deus Pai,
é imolada diariamente no altar pelos sacerdotes.

Exorta também este sacrossanto concílio
que os fiéis presentes em cada Missa
comunguem não somente pelo afeto espiritual,
mas também pela recepção sacramental da Eucaristia,
pela qual lhes advém copiosamente
os frutos deste santíssimo sacrifício".