Questão Trigésima.

Se é verdade, como muitos dizem, que a vontade com a obra não vale mais do que a vontade sem a obra, como diz o Apóstolo:

"Desejo ver-vos para ter
algum fruto em vós"?

Rom. 1, 11

Pois não teria mais mérito pela obra do que o teria apenas pela vontade.

Solução.

Para nós parece ser um bem maior a obra com a vontade do que apenas a vontade sem a obra. Dizem, porém, eles: "Paulo desejava vir para que com a obra crescesse a vontade, e assim maior fosse o mérito". Mas o que eles dirão da Paixão de Cristo? Por acaso Cristo não mereceu mais padecendo do que antes, apenas pelo desejo? Pois neste caso eles não podem dizer que a sua vontade aumentou durante a paixão, para que assim crescesse o mérito.



Questão Trigésima Segunda.

Pergunta-se por que Paulo atribui a eficácia da justiça à fé, e não à caridade, quando diz:

"O justo vive da fé"?

Rom. 1, 17

Pois às vezes existe fé onde não há nenhuma justiça, mas a caridade nunca existe sem a justiça.

Alguns respondem a isto dizendo que a caridade e a justiça são o mesmo, e por isso uma não pode ser a causa de outra. Ou ainda, mesmo que a caridade seja a causa da justiça, todavia é conveniente que a fé, que é causa da caridade, seja dita causa da justiça, porque tudo o que é causa da causa, é causa também do efeito.

Deve-se saber também que outra coisa é crer Deus existir, que é a fé do conhecimento; outra coisa é crer por Deus, que é a fé do consentimento; outra coisa é crer em Deus, que é a fé da confiança; outra coisa é crer a Deus, que é inclinar-se para Deus pela fé e pelo amor.

Ademais, uma coisa é o que se crê e outra, aquilo pelo qual se crê. Ambos freqüentemente são designados pelo nome de fé.

Ademais, aquilo pelo qual se crê às vezes é informado pela caridade e somente então, segundo alguns, poderia chamar-se de virtude; quando fosse sem a caridade, seria uma qualidade informe e não seria virtude, nem justificaria.

A outros parece que onde quer que exista a fé, mesmo a do conhecimento, quanto a si sempre justifica; seu efeito, todavia, às vezes seria impedido pela abundância do mal. A fé é uma virtude pela qual crêem-se coisas que não se vêem, ou a certeza de coisas invisíveis pertencentes à religião acima da opinião e abaixo da ciência. A caridade justifica, e também a fé, a graça e Deus; estas quatro, portanto, justificam.

Solução.

Não é verdade que estas quatro coisas justificam porque isto ocorreria separadamente. De fato, a caridade justifica na fé e pela fé e, na caridade, a graça e, pela graça, Deus.



Questão Trigésima Terceira.

O Apóstolo diz que

"as coisas invisíveis de Deus,
depois da criação do mundo,
compreendendo-se pelas coisas feitas,
tornaram-se visíveis".

Rom. 1, 20

Por que ele as menciona no plural, dizendo "as coisas invisíveis de Deus", se Deus é simples e uno, nem há nada em Deus que não seja Deus, nem nada se diz aqui como invisível de Deus que não seja o próprio Deus?

Solução.

O que é uno e simples por natureza não chega ao nosso conhecimento como uno e simples, mas como muitos. Raramente compreende-se por que este conhecimento nos chega deste modo, pois o olho interior ainda não pode alcançar aquela inefável simplicidade e unidade que é Deus e compreendê-lo assim como Ele é. De onde que, ao compreendermos Deus ser bom, sábio, onipotente, etc., Ele, que é uno em sua natureza, nos chega à mente como muitos.

Desta questão tem origem outra mais elevada, se as coisas que são entendidas pela razão humana como muitas designam alguma diferença, seja em si mesmo, seja em Deus. Entre si não diferem substancialmente, ou pessoalmente, como as razões eternas das coisas que existiram na mente de Deus, as quais consta que de algum modo diferem, não sendo certo, porém, de que modo.



Questão Trigésima Quarta.

Diz o Apóstolo que

"as coisas invisíveis de Deus
compreendem-se pelas coisas feitas,
assim como o seu poder eterno
e a sua divindade".

Rom. 1, 20

Por que motivo o Apóstolo distingue o poder eterno de Deus e a sua divindade das coisas invisíveis de Deus, se ambas as primeiras também são invisíveis? De fato, não se pode dizer convenientemente que os animais vivem, e também os homens e os cavalos, já que os homens e os cavalos são animais.

Solução.

Alguns dos nomes que são ditos de Deus significam o que Deus não é, como imortal, imenso, eterno e infinito. Outros designam o que há em Deus, como sábio e bom. Outros, enfim, pela sua predicação designam o que é Deus, como bondade e sabedoria. Às coisas invisíveis de Deus o Apóstolo acrescentou também o seu eterno poder e a sua divindade para que alguém não julgasse que somente pudessem ser compreendidas pela inteligência da criatura aquelas que indicam o que não é Deus, como imenso.

Pode-se dizer também, segundo outros, que pelas coisas invisíveis de Deus entende-se o Pai, pelo seu eterno poder o Filho, pela divindade o Espírito Santo. Segundo isto pareceria que os filósofos teriam tido, através das coisas criadas, conhecimento da suma Trindade. Mas Santo Agostinho, comentando o Êxodo, diz que os filósofos não chegaram ao conhecimento da terceira Pessoa, tendo somente filosofado `perí ton agaton', isto é, `sobre o Pai', e `perí nóon', isto é, `sobre o Filho'. Quanto a isto, dizem alguns que os filósofos não tiveram, nem poderiam ter tido, a distinção da suma Trindade que a fé católica confessa, a não ser mediante a Revelação. De fato, Deus pode ser conhecido de quatro modos. Dois destes modos são interiores; o primeiro é pela razão natural, designado pelo Apóstolo quando diz:

"O que se pode conhecer de Deus,
é-lhes manifesto";

Rom. 1, 19

o segundo é pela inspiração divina, também designado em seguida pelo Apóstolo quando diz:

"pois Deus lhos manifestou".

Rom. 1, 19

Os dois outros modos são exteriores; o primeiro é pelas coisas criadas, designado pelo Apóstolo quando diz:

"As coisas invisíveis de Deus,
depois da criação do mundo,
compreendem-se pelas coisas feitas";

Rom. 1, 20

e o segundo é pela Sagrada Escritura, modo este que é suficientemente manifesto. Deus, assim, quis em algumas coisas esconder-se, para que a fé tivesse mérito, e em outras manifestar-se, para que a infidelidade não tivesse desculpa.

Deve-se observar também que na magnitude de todas as coisas nota-se a potência divina, na beleza a sabedoria, na utilidade a bondade, de onde que consta que não somente em todas as coisas, como também em cada uma delas reluz uma certa imagem e vestígio da Trindade.

Devemos, todavia, proceder com cautela quando examinarmos alguma semelhança, seja para demonstrar a identidade da essência, seja para sugerir a distinção das pessoas ou para mostrar que a Encarnação pertence somente ao Filho, embora seja obra da Trindade.



Questão Trigésima Quinta.

Por que pelas coisas invisíveis de Deus entende-se principalmente o Pai, em vez do Filho ou do Espírito Santo, se também estes são invisíveis?

Solução.

Porque nunca se leu o Pai ter-se manifestado sob espécies visíveis, assim como o Filho no homem assumido e o Espírito Santo sob as espécies da pomba e nas línguas de fogo.



Questão Trigésima Sexta.

Por que o Filho pelo eterno poder?

Solução.

Porque ele é o poder operativo de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas.



Questão Trigésima Sétima.

Por que o Espírito Santo é significado pela divindade?

Solução.

Foi-lhe dado um nome comum como se fosse próprio para que ficasse manifesto que procede conjuntamente do Pai e do Filho.

Pelas coisas invisíveis pode-se entender também o Espírito Santo, dizendo-se invisíveis no plural porque causa da diversidade de seus dons; pelo poder o Pai, a cuja propriedade costuma referir-se o poder; e pela divindade, ou Deidade, o Filho. Assim, de fato, diversos julgaram diversamente.