ONDE E COM O
QUE É EDIFICADA
A CASA DE DEUS

Queremos falar sobre a edificação da casa do Senhor, se nós que somos indignos para falar de algo tão grande, pudermos dizer algo dignamente.

Mas se não o somos capazes por nós mesmos, poderoso é o Senhor para nos emprestar a capacidade, sem o que dignamente não digo falar dela, mas nem sequer seremos capazes de pensar algo idôneo a seu respeito.

Em primeiro lugar deveremos assinalar o lugar em que importa edificar a casa do Senhor. Em seguida, descrever-lhe a matéria.

O lugar é o coração do homem, a matéria são os pensamentos puros.

Ninguém se escuse. Ninguém diga:

"Não posso edificar uma casa para o Senhor, minha grande pobreza não será suficiente para tantas despesas, sou estrangeiro e peregrino, vivo em terra alheia, não possuo nem sequer o meu próprio lugar. Este é um trabalho para reis, este é um trabalho para muitos povos. Como eu poderia edificar uma casa para o Senhor?"

Ó homem! Por que pensas assim? Não é isto o que o teu Deus te exige.

Não te pede para comprares um terreno alheio, não te pede para ampliar os seus páteos. Ele quer habitar no teu coração. É este que deves ampliar, é este que deves dilatar. Dilata, digo, porque grande é o Senhor, e não sabe morar em lugar estreito. Dilata, portanto, o teu coração, para que possas conter Aquele a quem o mundo não pode conter. Dilata o teu coração, para que possas merecer ter a Deus como hóspede e não, como é costume entre os homens, um hóspede por uma noite, mas um morador eterno. Dilata, portanto, o teu coração. Mas se tu não o consegues dilatar, Ele mesmo o dilatará, conforme disse alguém que certa vez o teve dilatado por Ele:

"Corri pelo caminho dos teus mandamentos, ó Senhor, pois dilataste o meu coração".

Salmo 117

E quanto às despesas, o que direi? Não será necessário atravessar os mares, nem explorar terras desconhecidas para comprar pedras preciosas, mármores escolhidos, nem transportar por navios através de mares perigosos cedros enormes do Líbano, ou reunir não sei quantos milheres de inúmeros artífices, desfancalndo tesouros de reis.

Nenhuma destas coisas te são pedidas. Em vez disso, de ti mesmo construirás uma casa para o Senhor teu Deus. Tu serás o próprio artífice, o lugar será o teu coração, e a matéria serão os teus pensamentos.

Não temas a tua imperícia. Quem te pede estas coisas, Ele mesmo é um artífice perito, e transforma em artífice a quem Ele quiser. Aprendemos pelo testemunho das divinas Escrituras que muitos foram ensinados por Ele. Ele mesmo ensinou Noé a fabricar a Arca. Ele também mostrou a Moisés o modelo a cuja semelhança fabricaria a Arca (da Aliança). Foi Ele quem ensinou a Beseleel. A Sabedoria iluminou a Salomão para que edificasse um templo para o seu Nome. Fêz também de Paulo Apóstolo um arquiteto (I Cor. 3, 10), e a tantos outros que seria longo enumerar.

E, finalmente, ninguém se tornou douto que não tenha aprendido dEle e de todos que mereceram aprender dele, ninguém permeneceu imperito.

Mas se te aprouver ouvir algo sobre suas obras, [olha ao teu redor]. Tudo isto que vês, foi Ele que do nada o criou. Foi Ele quem fabricou a admirável máquina deste mundo. Ele pensou de cada uma das coisas que deveriam ser produzidas como deveriam ser em suas formas e espécies, e criou a beleza de todas as coisas.

Pensa, portanto, quanto não será poderoso nas coisas invisíveis, quem com tão admirável razão dispôs as visíveis.

Invoca-O, portanto, roga-O, pede-Lhe, para que tu também sejas digno de ser ensinado. Invoca-O, ama-O. De fato, isto é invocá-Lo. Invocá-Lo é amá-Lo. Ama-O e Ele virá a ti, e te ensinará como prometeu aos que O amam:

"Se alguém me ama, guardará a minha Palavra, e meu Pai o amará, e a ele viremos e nele faremos a nossa morada".

Jo. 14, 23

Não disse: "Feita a morada, nós viremos". Mas disse: "Viremos e faremos nele a nossa morada". Eu assim o entendo, que o amante do coração puro não pode permanecer em nós a não ser que antes Ele próprio construa em nós a Sua morada. Ele, de fato, é a Sabedoria da qual está escrito:

"A Sabedoria edificou uma casa para si".

Prov. 9, 1

E, em outra passagem, a própria Sabedoria nos manifesta onde e com o que constrói a sua casa, dizendo:

"Eu, a Sabedoria, habito no conselho e estou entre os pensamentos sensatos".

Prov. 8, 12

E em outro lugar a alma do justo é chamada de sede da Sabedoria.

Consta, portanto, que a Sabedoria fabricou uma casa para si no coração do homem a partir dos pensamentos sensatos.

Há três coisas, portanto: o lugar, a matéria e o artífice. E, assim como dissemos, o lugar é o coração do homem, a matéria os pensamentos do coração, e a obra é dos dois, isto é, de Deus e do homem, estes dois operam simultaneamente. Deus, de fato, que se digna habitar com os homens, não despreza quando o homem lhe prepara uma habitação. Portanto, o homem não deve desesperar ao considerar a sua imperícia ou enfermidade, devendo antes atender a quem se digna operar consigo. Deus é virtude e sabedoria, e não pode alguém virtuoso faltar, ou sábio desconhecer. Principalmente sendo Ele o mesmo que coopera quando operamos o bem e nos concede, quando não operamos, que o queiramos e o possamos. A obra de Deus, portanto, está conosco em nós, e a nossa obra está em nós por Ele. Sua obra em nós conosco é o nosso auxílio, e a nossa obra em nós é o seu dom.

Estas coisas foram ditas para que possamos chegar ao que haviamos proposto, isto é, que depois que conheças onde, com o que e com quem deves operar, agora possas compreender como deves operar. Em toda edificação devem ser consideradas principalmente três coisas: a ordem, a disposição e uma dimensão definida, possuindo princípios e fim determinados.

Agora, portanto, resta-nos investigar qual deva ser a ordem e a disposição dos pensamentos, paraque a partir deles seja construída a casa de Deus. E depois deveremos também considerar diligentemente por que razão esta casa, que construímos para a habitação divina, possa receber uma dimensão definida, se o seu morador é um Deus infinito e imenso.

O que primeiro nos propusemos a investigar seja aquilo em que por primeiro prossigamos.