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Examinamos assim os pressupostos da sociedade
otimamente constituída. Vejamos agora quais são as formas
segundo as quais as sociedades realmente se organizam.
Em uma primeira e mais superficial análise, o
Comentário à Política diz que há seis espécies de ordenação
das sociedades. De fato, toda cidade pode ser regida por um
só governante, por alguns poucos, ou por muitos (28).
Se for regida por um só governante, se este for
homem virtuoso e tiver como seu objetivo a utilidade comum
dos súditos, o governo resultante será chamado Reino e seu
governante será chamado rei. Se o governante for um homem mau
trazendo todas as coisas para o seu próprio proveito,
desprezando a utilidade dos súditos, o governo resultante
será chamado Tirania e o seu governante tirano (29).
Se, porém, a cidade for regida por poucos e estes
poucos forem homens virtuosos que por causa da virtude buscam
o bem da multidão, teremos uma Aristocracia; se se tratarem
de poucos que governam por causa do poder, da riqueza, e não
por causa da virtude, trazendo o que é de todos para sua
própria utilidade, teremos uma Oligarquia (30).
Semelhantemente, se a cidade for governada por
muitos e se tratar de uma multidão de homens virtuosos, este
regime será chamado República; tal regime é difícil de ser
encontrado, porque é difícil encontrar muitos virtuosos em
uma cidade (31). A forma corrompida deste governo de muitos é
o Estado Popular, em que uma multidão governa atendendo aos
seus próprios interesses, mas não à utilidade comum (32).
Deste modo temos, em princípio, segundo o
Comentário à Política, três formas de governo retas, o Reino
ou Monarquia, a Aristocracia e a República, conforme governem
um só, poucos ou muitos; e três formas de governo
corrompidas, a Tirania, a Oligarquia e o Estado Popular,
conforme governem um só, poucos ou muitos.
Entre estas formas há uma gradação de excelência.
Dentre as formas retas de governo, a mais
perfeita, diz o Comentário, é a Monarquia (33). Não se trata,
porém, da monarquia que vem à mente dos homens do século XX
quando ouvem falar neste nome. Na concepção do Comentário,
Monarquia é o governo de um só, e não implica na existência
de uma Casa Real, nem de um poder irrestrito que é
transmitido hereditariamente de pai para filho antes mesmo
que o herdeiro cresça e se possa saber que qualidades
possuirá para poder governar. Segundo o Comentário, a
Monarquia é o governo de um só, que governa pela excelência
da virtude, e tendo em vista o bem universal, não sendo
verdadeiro monarca aquele que não superexceder a todos os
demais em todos os bens, dos quais os principais são os da
alma (34). Mais adiante veremos o que o Comentário entende
precisamente por esta forma de governo que ele afirma ser a
mais perfeita entre todas; apenas diremos por ora que a
maioria dos exemplos históricos que vêm à mente dos homens de
hoje quando ouvem falar de monarquia seriam, na concepção do
Comentário à Política, não Monarquias, mas Tiranias, a mais
abominável de todas as formas de governo.
Logo após a Monarquia, o melhor governo é a
Aristocracia; por último vem a República, a menos reta entre
todas as formas retas de governo (35).
Entre as formas corrompidas de governo, a pior de
todas é a Tirania ou ditadura, pois é aquela que mais dista
da forma excelente de governo. Depois da Tirania, a pior é a
Oligarquia, corrupção da Aristocracia, o melhor governo após
a Monarquia. A menos má e mais comensurada entre as formas
corrompidas de governo é a do Estado Popular, porque é uma
corrupção da República, a menos reta entre as retas, pelo que
o Estado Popular se torna o menos mau entre os maus, já que a
transgressão do bem menor é o mal menor (36).
Onde se situa a Democracia nesta classificação? O
texto de Aristóteles e o Comentário à Política utilizam o
termo Democracia ora para a República, ora para o Estado
Popular. À primeira vista esta constatação pode parecer
desconcertante, uma vez que a República é classificada entre
as formas retas de governo e o Estado Popular entre as formas
viciadas e corrompidas. Entretanto, se considerarmos que o
Comentário afirma que o Estado Popular é o menos corrompido
dos governos corrompidos e a República é o menos reto dos
governos retos, veremos, conforme será dito mais adiante, que
na realidade há pouca diferença entre ambos; daí o fato de
que o Comentário freqüentemente utiliza o termo Democracia
indistintamente para ambos.
Desta maneira, considerando a pequena diferença
entre a República e o Estado Popular, e chamando a ambos pelo
nome de Democracia, as formas de governo se reduziriam a
cinco: Monarquia, Aristocracia, Democracia, Oligarquia e
Tirania, em ordem decrescente de perfeição até alcançarem,
com a Oligarquia e a Tirania, estados inteiramente fundados
sobre uma transgressão da natureza humana.
Considerando, porém, mais atentamente a presente
classificação, continua o Comentário à Política,
verificaremos que esta classificação não é a melhor, pois ela
separa as formas de governo pelo que lhes é acidental, e não
pelo que constitui verdadeiramente suas diferenças
específicas (37).
De fato, que os governantes sejam muitos ou poucos
ou mesmo um só é uma acidentalidade em relação ao regime de
muitos, poucos ou de um único governante.
Tais nomes são comumente dados a estes regimes
porque em todos os lugares há uma multidão de pobres, uma
minoria de ricos e um número menor ainda de virtuosos. Daí
que a Democracia não difere da Oligarquia pela multidão ou
pela pequena quantidade de governantes senão por acidente;
elas diferem, ao contrário, em si mesmas, pela pobreza e pela
riqueza. Por isso deve-se dizer que onde quer que haja quem
domine por causa da riqueza, sejam muitos ou sejam poucos,
esta seja uma Oligarquia; e onde quer que se governe tendo em
vista a liberdade, da qual participam os pobres, esta seja
uma Democracia (38).
Conclui-se, portanto, desta passagem e do restante
do contexto do Comentário à Política que iremos expondo a
seguir, que na verdade as formas de organização da sociedade
podem ser divididas nos seguintes modos principais: a
Tirania, em que um só governa em proveito próprio; a
Democracia, em que se governa tendo a liberdade como
objetivo; a Oligarquia, em que se governa tendo a riqueza
como objetivo; e o governo que tem como objetivo a virtude,
que geralmente se consubstancia em uma forma especial de
Monarquia que será descrita mais adiante. Se retirarmos da
lista a Tirania, que é uma forma de governo inteiramente
detestável e corrompida, teremos que uma sociedade pode
organizar-se segundo que seu objetivo essencial seja tutelar
a liberdade, buscar a riqueza ou promover a virtude. Tanto a
Democracia, que busca a liberdade, como a Oligarquia, que
busca a riqueza, são desvios da verdadeira função da
sociedade que é a promoção da virtude. Diz, de fato, o
Comentário:
"Na Oligarquia
a justiça é sinônimo de riqueza;
na Democracia,
a justiça é sinônimo de liberdade;
entretanto, é manifesto que riqueza e liberdade
não são bens absolutos;
bens absolutos são os bens da virtude;
portanto, é manifesto
que na Democracia e na Oligarquia
temos apenas o bem segundo um determinado aspecto,
não o bem absolutamente considerado" (39).
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Aqueles que favorecem, a Democracia e a Oligarquia, continua
o Comentário,
"julgam mal o que seja
o justo e o bem;
tomaram o justo e o bem
segundo um determinado aspecto
e julgaram terem alcançado
o justo e o bem
absolutamente considerado" (40);
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e a causa porque fizeram isto foi o
"terem julgado por si mesmo;
ora, a maioria freqüentemente
faz maus julgamentos por si mesmo,
pois para o julgamento se requer a prudência,
e a prudência pressupõe
a retidão do apetite pela virtude moral,
e o que perverte o apetite,
perverte, por conseqüência,
o julgamento da razão.
Mas a maioria dos homens possui
um apetite pervertido em relação a si mesmo,
porque cada um afeiçoa-se demasiadamente a si próprio;
este amor e afeto excessivo
que cada um possui para consigo mesmo
perverte a vontade do fim correto;
por causa disso, os que julgam por si próprios
freqüentemente julgam mal.
Somente um sábio
não julga mal por si próprio;
possui a virtude da prudência
e um apetite reto,
conhece-se tal como é,
não se afeiçoa desordenadamente a si próprio;
pelo que pode julgar corretamente
de si próprio e dos demais" (41).
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Nenhuma sociedade pode ser instituída tendo como objetivo
último o aumento da riqueza (42); todo governante mais deve se
preocupar com os homens do que com a posse dos bens
inanimados, e deve buscar mais a virtude pela qual os homens
vivam bem do que a multiplicação das posses a que se dá o
nome de riquezas (43). Nem tampouco uma sociedade pode ser
instituída tendo como objetivo último apenas o viver, de tal
modo que a própria vida em si mesmo seja o fim último da
sociedade (44). O fim para o qual a sociedade existe é o
próprio bem viver; bem viver é viver feliz, o que significa
operar segundo a virtude; aqueles que mais enriquecem a
cidade na comunicação destas obras mais acrescentam à
civilização, e a cidade mais pertence a estes do que aos que
lhes são iguais na liberdade ou lhes são maiores pelo
nascimento, mas lhes são menores e desiguais segundo a
virtude (45).
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