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Do que fica exposto já transparece porque é tão
difícil introduzir ou mesmo propor para as sociedades
modernas uma educação como a que é descrita neste trabalho.
No capítulo III do presente mencionamos uma
afirmação de Raissa Maritain feita a respeito de quando ela,
em busca de conhecimento, dirigiu-se aos professores das
Ciências da Natureza na Universidade de Paris; segundo ela,
"as matemáticas eram
o seu mais alto céu intelegível".
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Uma afirmação semelhante pode-se fazer quanto às aspirações
políticas dos povos modernos; neste ponto, suas aspirações
mais elevadas não passam do ideal democrático.
Para nos darmos conta deste fato, basta nos
reportarmos aos numerosos textos de Teoria Geral de Estado
que são utilizados em todos os primeiros anos dos cursos de
Direito. Eis aqui, apenas para dar um exemplo, como um deles
se expressa a respeito da Democracia:
"`Se houvesse um povo de deuses,
esse povo se governaria democraticamente'.
Com tais palavras mostra Rousseau,
no Contrato Social,
o grau de perfeição que se prende
a esta forma de governo:
governo tão perfeito,
no seu pensamento,
não quadra a seres humanos.
O pensamento político que combate a Democracia
mais de uma vez se escorou
nesta passagem da obra do filósofo
para abalar os fundamentos do regime democrático.
Mas, respondendo a quantos fazem objeção
ao sistema democrático de governo,
o reformista do liberalismo inglês,
Lord Russel, dessa maneira se exprimia:
"Quando ouço falar
que um povo não está
bastantemente preparado para a Democracia,
pergunto se haverá algum homem
bastantemente preparado para ser déspota".
Nos dias correntes,
a palavra Democracia domina com tal força
a linguagem política deste século
que é raro o governo,
a sociedade ou o Estado
que não se proclamem democráticos.
De tal ordem anda o seu prestígio,
que constitui pesado insulto,
verdadeiro agravo,
injúria talvez,
dizer a um governo
que seu procedimento se aparta
das regras democráticas do poder.
Marnoco e Souza,
o afamado jurisconsulto português
do começo deste século,
escreveu que a melhor justificativa
do princípio democrático
"resulta da impossibilidade
de encontrar outro
que lhe seja superior" (46).
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Este texto de Paulo Bonavides reflete muito bem o pensamento
contemporâneo a respeito da Democracia; no entanto, apesar
dos elogios feitos a esta forma de organização da sociedade,
é evidente que em uma Democracia não é possível implantar um
sistema educacional que tenha como fim último a contemplação.
A razão é que, conforme exposto no capítulo V do presente
trabalho, a educação para a contemplação exige o cultivo da
virtude até à excelência como um de seus requisitos
imediatos; em uma Democracia, porém, não é possível chegar-se
a um consenso sobre o que seja a virtude, pois uma
Democracia, enquanto tal, é uma sociedade organizada
sem compromisso com a virtude: a Democracia, diz o Comentário
à Política, busca como ideal apenas a liberdade (47). Se a
Democracia produz ou chega a ter algum compromisso com alguma
virtude, é apenas de modo indireto e circunstancial, na
medida em que uma ou outra virtude são necessárias para
assegurar a liberdade dos cidadãos. Mas se algum ato humano,
ainda que seja um atentado direto contra a própria ordem da
natureza, não interferir com a liberdade de nenhum cidadão, a
Democracia não verá este ato como um vício, mas como um
direito a ser defendido e tutelado. Ora, num contexto como
este não será possível chegar-se a um consenso sobre o que
seja a virtude absolutamente considerada. E mesmo que, apesar
da estrutura da sociedade, os educadores conseguissem chegar
a um consenso sobre o que é a virtude, as conseqüências
práticas deste consenso, transformadas em Lei de Diretrizes a
Bases, se constituiriam num atentado politicamente
insustentável contra a liberdade dos cidadãos. Mas sem este
consenso sobre o que seja a virtude não se pode implantar uma
educação que tenha como objetivo a contemplação. A conclusão
que daí se tira é que a educação para a contemplação, ainda
que seja o anseio mais profundo da natureza humana, é
impossível em uma democracia; é preciso para tanto uma forma
de organização social mais elevada, cujo compromisso básico
seja essencialmente com a virtude, apenas por conseqüência
com a liberdade.
Que sociedade o Comentário aponta como tal é algo
de que trataremos mais adiante; vamos continuar, enquanto
isso, com nossa argumentação.
Concedamos que, de fato, em uma sociedade
democrática, a educação para a contemplação não possa se
transformar em Lei de Diretrizes e Bases obrigatória para
toda a nação. Tal obrigatoriedade seria contra o princípio
democrático, que respeita a liberdade dos cidadãos que
discordam deste tipo de educação; ou, mais precisamente,
respeita a liberdade dos que discordam da existência daquela
entidade a que os filósofos chamam de virtude e que, desde
que não interfiram na liberdade de ninguém, querem a maior
distância possível de uma vida virtuosa e que o Estado os
ampare nesta sua decisão. Nada impediria, porém, que se
houvesse pessoas que reconhecessem a excelência da virtude e
da contemplação, estas mesmas pessoas organizassem uma escola
baseada nestes princípios e que pudesse ser freqüentador por
todos aqueles que assim o desejassem. Isto lhes seria
reconhecido como um direito, amparado pela sociedade
democrática. Parece, portanto, que mesmo em uma sociedade
democrática pode-se, ao contrário do que foi afirmado antes,
implantar-se uma educação para a contemplação, para todos os
que assim o quisessem.
Porém, examinadas as coisas mais atentamente, se
isto fosse possível, verificaríamos que tais escolas seriam
pequenas sociedades não democráticas sob a tutela jurídica de
uma sociedade democrática politicamente superior; de onde se
seguiria novamente a conclusão de que uma sociedade
democrática não é suficientemente perfeita para promover,
enquanto tal, este tipo de educação.
Dissemos, entretanto, se isto fosse possível,
porque uma situação como esta não seria algo facilmente
sustentável. O ser humano é um animal naturalmente político,
que necessita, portanto, por esta razão, não apenas da
escola, mas da verdadeira e plena sociedade para o seu
aperfeiçoamento. Uma escola organizada nestas condições não
contaria com amparo positivo algum por parte da sociedade a
que pertence para o aperfeiçoamento que pretende de seus
alunos; a sociedade democrática, enquanto tal, seria incapaz
de compreender o que estaria acontecendo naquela escola: a
forma especial de educação que ela ministra seria um problema
interno que nada teria a ver com a sociedade; esta prestaria
um auxílio meramente negativo, na medida em que tutelaria a
escola contra os que desejassem negar diretamente o seu
direito de existência.
Mas a sociedade democrática que assim agisse
estaria indo contra um dos princípios fundamentais do
Comentário à Política: aquele segundo o qual não é apenas
para existir ou viver que os homens se reuniram em sociedade;
ao contrário, a natureza do homem é tal que ele necessita da
própria sociedade, e não apenas da escola, para alcançar o
fim último de sua vida, e nada pode substituí-la neste papel,
pois trata-se de algo que pertence à natureza do homem
enquanto tal. A sociedade que apenas garante o direito de
existência de uma escola como esta está simplesmente se
omitindo naquilo que é precisamente o seu dever fundamental.
Ademais, ainda que uma escola como esta se
dispusesse a existir em uma sociedade democrática, é uma
anomalia que a parte seja hierarquicamente superior ao todo.
Um general dificilmente conseguirá seguir a carreira de cabo,
ainda que o queira, e ainda que as instituições jurídicas o
amparem. Se não por outros motivos, os demais cabos e
sargentos procurarão encontrar um modo de impedir-lhe a
carreira. Não se pode dizer que seja impossível que ele
persevere, mas é grande a possibilidade de que ele acabe
sendo expulso ou que, com o tempo, vá perdendo as qualidades
próprias de um general.
Por conseqüência, devemos concluir que a educação
para a contemplação exige como pressuposto uma sociedade
estruturalmente comprometida com o bem máximo do homem, uma
sociedade em que suas instituições e suas leis, mais do que
ao ideal da liberdade, estejam voltadas para o ideal da
virtude, absolutamente considerada.
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