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No final de seu artigo, M. D. Philippe examina a
questão da deleitabilidade da contemplação. Esta questão se
reveste de uma importância particular para que a destaquemos
em separado do restante de nossa resenha, lhe acrescentemos
alguns comentários e nos aproveitemos dela para continuar o
presente capítulo.
M. Philippe afirma que a deleitação da
contemplação se segue, em princípio, à conaturalidade que a
virtude da sabedoria produz no homem para com aquele ente que
é objeto de contemplação:
"Graças à virtude da sabedoria,
a inteligência humana adquire
uma certa conaturalidade
com o termo de sua contemplação:
a substância primeira.
Esta virtude da sabedoria,
virtude suprema,
estabelece entre Deus e nós,
entre a inteligência divina e a nossa,
uma certa semelhança
que nos permite levar
a mesma vida que Deus
e conduzi-la como uma vida
que nos é conatural
e não estranha e penosa.
Graças à conaturalidade
que a sabedoria estabelece
entre a primeira inteligência
e a nossa inteligência,
este ato de contemplação
pode-se expandir na alegria.
Ele é plenamente deleitável" (32).
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Não há dúvida que estas palavras poderão para alguns saber a
exagero diante de uma primeira consideração. De fato, que
homem pode ser como Deus? Não seria isto uma exagerada
pretensão? E ainda que o pudesse, certamente isto não lhe
seria uma coisa fácil. No entanto, M. Philippe parece querer
afirmar exatamente o contrário. Ele diz que, pela
contemplação, se estabelece no homem uma semelhança entre a
inteligência humana e a divina; e, não contente com isto,
acrescenta que por meio da contemplação o homem pode levar a
mesma vida que Deus e, ademais, pode fazer isto sem
dificuldade e de modo conatural. Ele afirma ainda que esta
doutrina é a de Aristóteles e, indiretamente, a de S. Tomás
de Aquino. Que diriam hoje estes filósofos se o ouvissem
atribuindo-lhes tais ensinamentos? Dariam razão a Philippe ou
lhe diriam jamais terem ensinado tais coisas?
Cremos poder responder a esta pergunta afirmando
que, quando corretamente entendidas, as colocações de M.
Philippe estão em perfeito acordo não apenas com os
ensinamentos de S. Tomás de Aquino e de Aristóteles, mas
também com os da maioria dos principais filósofos gregos e
cristãos.
De fato, a conaturalidade que se diz estabelecer
pela contemplação entre o homem e a inteligência divina não
deve ser entendida como uma igualdade de naturezas, mas como
uma semelhança de naturezas. À medida em que o homem deixa de
viver segundo suas paixões para viver segundo a virtude, e à
vida da virtude se acrescenta a da contemplação, sua vida
vai-se assemelhando cada vez mais à vida divina e, neste
sentido, o homem vai-se conaturalizando à inteligência divina
por um assemelhar-se à sua natureza.
Tal era, ademais, o ideal filosófico não apenas de
Aristóteles e de S. Tomás de Aquino, mas o de muitos outros
filósofos da antiguidade em geral. Atestam esta afirmativa,
por exemplo, as seguintes palavras de Boécio, quando,
esperando na prisão a execução de uma pena de morte por um
delito que não tinha cometido, imagina-se dialogando com a
própria Filosofia. No final deste diálogo, Boécio afirma que
o ideal da filosofia é tornar-se semelhante a Deus. E não só
Boécio faz seu este ideal, como também parece atribuí-lo ao
filósofo grego Pitágoras:
"Por que choras,
Boécio?",
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pergunta a Filosofia.
"Por que derramas estas lágrimas?
Se queres que te auxilie,
importa que não me ocultes
a tua ferida".
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responde Boécio,
"porventura há necessidade
de explicações?
Não será explicação suficiente
o aspecto desta prisão
em que estou encerrado?
Esta por acaso
é a biblioteca onde
tu residias comigo
e costumavas dissertar
sobre as coisas divinas e humanas?
Era este o rosto que eu tinha
quando investigava contigo
os segredos da natureza,
quanto tu me descrevias
o curso das estrelas,
me formavas os costumes
e a razão de toda minha vida
segundo o exemplo da ordem celeste?
Porém estás vendo
em que veio dar a nossa inocência,
pois como prêmio da verdadeira virtude
padecemos as penas de um falso delito,
como se tu,
que estavas sempre junto de mim,
não afastasses de minha alma
a ambição de todas as coisas mortais,
como se cada dia não derramasses
em meus ouvidos e em minhas considerações
os ditos de Pitágoras
e não me guiasses para esta excelência,
que é fazer-me consemelhante a Deus" (33).
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De onde que não apenas segundo Philippe, mas também segundo
Boécio, um filósofo cristão do início do século VI, e, de
acordo com o que Boécio parece dar a entender, também segundo
a tradição da filosofia grega, a contemplação produz uma
semelhança divina no homem. Mais fácil ainda é mostrar que
tal afirmativa não é diversa também do pensamento filosófico
de S. Tomás de Aquino, e por extensão também do de
Aristóteles, que é o mestre que em filosofia Tomás segue e
aprofunda. Consideremos, para tanto, em primeiro lugar, como
na Summa contra Gentiles Tomás diz que todo agente age por
causa do bem:
"Pode-se mostrar que todo agente
age por causa do bem,
primeiro, considerando que todo agente
age por causa de um fim,
já que todo agente
tende a algum fim determinado" (34).
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Que todo agente age por causa de um fim por tender a algum
fim determinado é algo sobre o que demos uma explicação mais
detalhada no Apêndice sobre teoria da causalidade anexo ao
capítulo dois do presente trabalho. Uma vez compreendida
aquela explicação, pode-se passar à continuação do presente
argumento:
"Aquilo ao que um agente tende
de modo determinado",
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continua Tomás,
"é necessário que lhe seja algo conveniente;
de fato, não tenderia a ele senão por causa
de alguma conveniência ao mesmo" (35).
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A explicação desta afirmativa está em que aquilo a que
qualquer agente tende de modo determinado é uma operação
conseqüente à sua forma própria; portanto, é algo que tem
conveniência à natureza do agente, que é dada pela forma.
Continua S. Tomás:
"Ora, aquilo que convém a algo
é o bem deste algo.
Portanto, todo agente age
por causa do bem" (36).
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Bastante mais adiante, na mesma Summa contra Gentiles, Tomás
ainda continua o argumento:
"Se, porém,
todo agente age por causa do bem,
conforme acima provamos,
segue-se que o fim de qualquer ser é o bem" (37).
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Três capítulos mais adiante Tomás acrescenta:
"Ora, se todas as coisas,
por seu movimento ou ação,
tendem a algum bem como ao seu fim,
conforme acima foi provado,
e qualquer coisa participa do bem
na medida em que se assemelha
à primeira bondade, que é Deus,
segue-se que todas as coisas,
pelos seus movimentos e pelas suas ações,
tendem à semelhança divina,
assim como a um fim último" (38).
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Mais adiante Tomás afirma ainda que os seres inteligentes
tendem à semelhança divina de um modo especial, mais
excelente do que o modo geral pelo qual o fazem todas as
coisas:
"Embora todas as criaturas,
mesmo as que são carentes de intelecto,
se ordenem a Deus como a um fim último,
e todas alcancem este fim
na medida em que participam em algo
de sua semelhança,
todavia as criaturas intelectuais
o alcançam de um modo especial,
isto é, pela sua operação própria ao inteligi-lo.
Ademais, todas as coisas tendem
à semelhança divina
como ao seu fim próprio.
Aquilo, portanto, pelo que cada coisa
maximamente se assemelha a Deus
é o seu fim último.
Ora, a criatura intelectual se assemelha
maximamente a Deus
pelo fato de ser intelectual,
possuindo esta semelhança
entre todas as demais criaturas,
e incluindo nesta todas as demais.
No gênero desta semelhança
a criatura mais se assemelhará a Deus
na medida em que intelige em ato
do que na medida em que intelige em hábito
ou em potência,
porque Deus é sempre inteligente em ato.
E, no inteligir em ato,
a criatura mais se assemelhará a Deus
na medida em que inteligir ao próprio Deus,
porque o próprio Deus intelige todas as coisas
inteligindo-se a si mesmo" (39).
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Vemos, assim, que segundo o pensamento de Tomás de Aquino o
homem verdadeiramente se assemelha a Deus pela contemplação
mais do que já se assemelhava pela sua própria natureza.
Entretanto, não é apenas nisto que consiste a conaturalidade
estabelecida entre a inteligência divina e a inteligência
humana pela virtude da sabedoria de que fala M. D. Philippe;
esta conaturalidade não é apenas este assemelhar-se da
inteligência humana à divina segundo o modo exposto por Tomás
na Summa contra Gentiles, mas é também a tendência e a
facilidade com que, mediante esta virtude, a contemplação se
processa no homem. Dizemos, de fato, que fazemos com
naturalidade as coisas que fazemos com facilidade; neste
sentido pode-se dizer então que a sabedoria produz uma
conaturalidade com a inteligência divina, na medida em que
por meio dela a inteligência humana adquire uma tendência a
facilidade em assemelhar-se à divina por meio da
contemplação. E esta conaturalidade, diz Philippe, é que
produz a deleitabilidade da contemplação.
continua Philippe,
"a grande diferença psicológica
que há entre este ato da contemplação
e todas as investigações científicas
que a precedem.
Estas investigações eram,
ao contrário da contemplação,
difíceis e sem deleitação.
Mas Aristóteles afirma que esta alegria
é a maior que possa existir.
Ela é perfeita e soberana,
conforme afirmado na Metafísica,
porque é sem mistura,
inteiramente pura,
pois é firme e estável.
Não se realiza ela como um repouso?" (40).
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Mas, pergunta então Philippe,
"como se deve compreender
esta deleitação?" (41).
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A razão de ser desta pergunta é que, segundo o pensamento de
Aristóteles e Tomás de Aquino, a deleitação é algo que
pertence de modo próprio às faculdades apetitivas e não às
cognitivas. Toda deleitação procede de um desejo, o qual por
sua vez procede de um amor, e estas três coisas, deleitação,
desejo e amor, são movimentos ou disposições de faculdades
apetitivas, sejam elas sensíveis ou racionais. O amor é uma
conaturalidade do apetite ao bem amado; o desejo, que se
segue ao amor, importa num movimento do apetite ao bem amado;
a deleitação, que se segue ao desejo, é um repouso do apetite
no bem amado (42).
Com isto podemos compreender melhor a seqüência do
texto de Philippe:
"Como compreender, pois,
esta deleitação da contemplação?
Toda deleitação não supõe um amor?
Mas a contemplação da sabedoria filosófica,
tal como Aristóteles a definiu,
não é ela um ato puramente especulativo,
teorético, separado de todo elemento afetivo?" (43).
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Philippe continua ressaltando muito apropriadamente a
importância desta pergunta:
"É muito importante encontrar qual seja
a fonte própria desta deleitação,
afirmada tão claramente por Aristóteles,
para melhor penetrar na estrutura essencial
do ato da contemplação" (44).
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Desta maneira, Philippe levantou a questão da deleitabilidade
da contemplação. Se o deleite pertence às faculdades
apetitivas, e a contemplação é algo inteiramente pertencente
à inteligência, como pode haver nela não apenas deleitação,
mas também suma deleitação? Sua resposta vem logo a seguir:
"É bastante evidente que o prazer
faz parte da ordem do bem,
isto é, daquilo que nos convém.
Todo prazer supõe,
portanto, um amor.
Ora, há em nós um amor natural
pelo conhecimento do verdadeiro.
Aristóteles no-lo recordou
no início de seus livros de Metafísica:
todos os homens desejam,
por natureza,
o conhecimento.
E é este amor natural
que explica como todo ato de conhecimento
é deleitável.
Porque todo ato de conhecimento
satisfaz em parte este desejo natural,
este amor inicial do verdadeiro.
O ato da contemplação,
sendo o ato de conhecimento mais perfeito,
é o único que pode satisfazer plenamente
este desejo e este amor do conhecimento.
Eis porque ele é tão perfeitamente deleitável" (45).
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Segundo Philippe, portanto, a contemplação da sabedoria
produz uma deleitação perfeita porque há no homem, por
natureza, o desejo natural pelo conhecimento; este desejo
pode ser satisfeito apenas em parte pelas ciências ou outras
formas de conhecimento; somente a virtude da sabedoria
satisfaz plenamente a este anseio profundo do homem, e a
contemplação nada mais é do que o ato mais excelente
produzido pela virtude da sabedoria. Conseqüentemente, a
deleitação que lhe é associada produz no homem uma alegria
que, entre todas as alegrias que o homem pode experimentar
pela sua própria natureza, é aquela que mais se assemelha à
felicidade divina.
Porém, além desta razão, há ainda uma outra, e
mais profunda, para explicar a deleitabilidade da
contemplação no homem. Pois as pessoas que não têm
experiência ou pouco ouviram falar destas coisas costumam
esquecer-se de levar em conta que a própria atividade da
contemplação é algo que, pelo exercício, vai progressivamente
se aprofundando no homem. Isto faz com que, alcançada pela
inteligência a causa primeira de todos os entes e estando a
inteligência numa posse perfeita da ciência metafísica, ela
começa, aos poucos, a conhecer melhor, mais claramente e
profundamente, em uma só palavra, mais perfeitamente, ainda
que apenas por via de analogia e não por percepção direta, a
natureza da causa primeira.
Assim, após a aquisição perfeita da ciência
metafísica, a contemplação se inicia pela apreensão da causa
primeira sob a razão de ser; mas, aos poucos, à medida em
que, além de sua existência, vai se tornando sempre mais
perfeita a apreensão de sua natureza, ainda que por via de
analogia, a causa primeira passa a ser apreendida sob a razão
de bem.
Ora, o bem, diz Tomás de Aquino, se converte com o ser. Todo
ente, enquanto tal, é bom (46). Não obstante esta
conversibilidade, entretanto, o ser, segundo sua razão, é
anterior ao bem; em qualquer coisa o primeiro que cai sob a
concepção do intelecto é o ser, pois tudo que é conhecido é
conhecido sob a razão do ser, de onde que o ser é o objeto
próprio do intelecto, e é o primeiro inteligível, assim como
o som é o primeiro audível (47). O bem, embora se converta com
o ser, acrescenta, entretanto, algo ao ser, que é a razão de
perfeição que convém a todo ser qualquer que seja a sua
natureza (48), e, por conseqüência, a conveniência do ser às
faculdades apetitivas da alma (49).
Desta maneira, na medida em que no início o homem
sábio apreendia a causa primeira sob a razão do ser, a
contemplação lhe era deleitável por satisfazer plenamente à
sua natureza humana intelectiva. Mas, à medida em que, com o
tempo, a atividade contemplativa da inteligência se aprofunda
no conhecimento da natureza desta primeira causa e ela passa
a ser apreendida sob a razão de bem, este bem é apresentado à
inteligência do homem como o maior de todos os bens, maior
ainda do que o próprio bem que a contemplação em si já é para
o homem. O homem sábio passa deste modo a amar o objeto da
contemplação mais do que à própria contemplação.
Ora, como a todo amor segue-se o desejo e a
deleitação, a contemplação do homem sábio passa por isso
mesmo a se tornar mais deleitável não apenas por ter se
tornado mais perfeita em sua atividade, mas por ter se
estabelecido uma nova relação entre ele e o objeto ao qual se
dirige a atividade de sua inteligência. Ele não é mais
filósofo, isto é, alguém que ama a sabedoria, porque ama o
conhecimento que está ou pode a vir a estar em sua alma, mas
é filósofo porque ama aquela sabedoria que é a própria
inteligência viva de que procedem todas as coisas.
É neste sentido que se entendem as seguintes
considerações de Philippe:
"Não nos esqueçamos, entretanto,
que a sabedoria que conaturaliza nossa inteligência
com a inteligibilidade da causa primeira
não tem como único efeito
permitir um ato de contemplação
que seja perfeito,
isento de dificuldade
e por isso mesmo deleitável.
Ela tem como conseqüência
estabelecer entre esta primeira substância
e nossa inteligência
uma certa semelhança
capaz de fundamentar novas relações
de quase amizade entre Deus e nós.
Estas relações se exercem
graças à própria contemplação
e são como seus efeitos imediatos,
como seu fruto próprio.
Compreende-se assim
que a contemplação filosófica
pode estar na origem
de toda uma expansão afetiva,
a mais nobre expansão afetiva
que o nosso ser pode vir a conhecer.
Pois trata-se de amar o ser supremo contemplado,
de amá-lo por ele mesmo,
por causa de sua bondade soberanamente amável,
de amá-lo como ao ser mais amável
e mais desejável que existe.
Esta expansão afetiva,
longe de afastar o sábio de sua contemplação
e voltá-lo para uma atividade menos nobre,
e portanto, de degradá-lo,
ao contrário, aperfeiçoa sua contemplação
e lhe permite de se dar a ela mais perfeitamente.
Pois esta quase amizade
é uma amizade divina,
toda espiritual e mesmo toda contemplativa;
ela provém imediatamente da contemplação,
que é seu fundamento,
e não pode se manter senão nela.
E como o amor do bem soberano
nos conduz a conhecê-lo melhor,
esta amizade nos conduz para a contemplação,
tornando-a ainda mais pura
e conatural ao seu objeto.
Ela estará, também,
na origem de uma nova deleitação
que intensificará por sua vez
o próprio ato da contemplação" (50).
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Não é apenas Philippe que reporta tal forma de contemplação
filosófica. Nos escritos de Hugo de São Vitor encontram-se
também referências a esta forma especialíssima de perfeição
da contemplação. No livro primeiro do Didascalicon de Hugo de
S. Vitor, por exemplo, encontramos a seguinte definição de
filosofia:
"A filosofia é o amor,
o estudo e a amizade da sabedoria;
não porém de qualquer sabedoria,
mas daquela sabedoria que,
não necessitando de nada,
é uma mente viva
e a única e primeira razão
de todas as coisas,
com o que se designa a sabedoria divina,
a qual não necessitando de nada,
é uma mente viva
e é a primeira razão de todas as coisas
porque à sua semelhança
foram feitas todas as coisas.
A ela,
quanto mais nos conformamos,
tanto mais nos tornamos sábios;
é então que começa a brilhar em nós
aquilo que na razão divina sempre existiu,
transitando em nós
aquilo que nEle existe incomutavelmente" (51).
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Etimologicamente, filosofia significa amor da sabedoria. Mas
é com muita propriedade que nestas passagens do Didascalicon
Hugo de São Vítor especifica a filosofia não como o amor da
sabedoria que o homem pode adquirir pelo esforço de sua
própria inteligência, o que seria já uma definição
verdadeira, mas como o amor da sabedoria que é a própria
causa do ser de todas as coisas.A maioria das poucas pessoas
que se dão ao trabalho de lerem as obras de Hugo, ao passarem
por estas passagens do Didascalicon, não se dão conta da
grandeza do que Hugo está escrevendo; falta-lhes totalmente o
sentido de perspectiva, como quando um homem simples, olhando
para o céu, acredita que todas as estrelas estão situadas à
mesma distância e não muito longe da superfície da terra.
Tomam a definição de filosofia que dá Hugo como sendo alguma
excentricidade explicável pelos sentimentos piedosos do autor
ou por se tratar talvez de algum expediente retórico. Mas na
verdade o que Hugo está descrevendo é a faculdade intelectiva
do homem levada aos últimos limites de sua perfectibilidade;
é impossível ser filósofo no sentido aqui descrito por Hugo
sem possuir de modo eminente a virtude da sabedoria e a vida
contemplativa desenvolvida num grau muitíssimo elevado.
A mesma coisa pode-se dizer também das seguintes
passagens da República de Platão, tão freqüentemente pouco
compreendidas:
"Nos limites extremos do mundo inteligível",
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diz Platão,
"a última coisa que se percebe,
e isto não sem grande esforço,
é a idéia do bem" (52).
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"Por mais belos que sejam
o conhecimento e a verdade,
julgarás retamente
se considerares a idéia do bem
como algo ainda mais belo
do que ambas estas coisas" (53).
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"Não deves estranhar, por isso,
que aqueles que chegaram
à apreensão desta idéia
não queiram mais se ocupar
com os assuntos humanos,
pois as suas almas tendem sempre
a permanecer nas alturas" (54);
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"aquele, porém,
que quiser proceder sabiamente
na vida privada ou na vida pública,
terá que contemplá-la forçosamente" (55).
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"Por isso será preciso obrigar os sábios
a elevarem os olhos de suas almas
para contemplarem de frente
o que proporciona luz a todos;
e quando tiverem visto o bem em si
se servirão dele como modelo
durante o resto de suas vidas
em que governarão
tanto à cidade e aos particulares
como a si mesmos" (56).
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"Não é esta, ó Gláucon,
a melodia que é executada pela filosofia?
Quando nos valemos dela para dirigir-nos,
com a ajuda da razão
e sem a intervenção de nenhum sentido,
para o que é cada coisa em si,
e não desistimos
até alcançar com o auxílio apenas da inteligência
o que é o bem em si,
teremos então com isso chegado
às próprias fronteiras do inteligível" (57).
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"Esta viagem
é o que se chama de filosofia" (58).
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