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Uma das características mais notáveis da ciência
moral que S. Tomás, seguindo aqui a Aristóteles, prescreve
dever ser ensinada aos que se preparam para a contemplação,
está no fato de que ela não se esgota com a aquisição das
virtudes. Ao contrário, o Comentário ao VIII e IX da Ética
afirma que mais ainda do que as virtudes, pertence à ciência
moral mostrar o que seja a verdadeira amizade entre os
homens.
Há várias razões, diz o Comentário à Ética, pelas
quais a amizade pertence ao âmbito da ciência moral que deve
formar o aluno para a contemplação.
Primeiro, porque pertence à ciência moral tratar
das virtudes; ora, a amizade não é uma virtude, mas a
verdadeira amizade tem a virtude como sua causa (149).
Em segundo lugar, pertence à ciência moral a
consideração de todas as coisas que são necessárias à vida
humana, entre as quais é maximamente necessária a amizade,
pois ninguém corretamente disposto pelas virtudes escolheria
viver possuindo todos os demais bens exteriores sem os
amigos (150).
Em terceiro lugar, a amizade concorre para o bem
civil, ao qual se ordena a ciência moral, pois as cidades
parecem se conservar pela amizade, e por isso mesmo é que os
bons legisladores preocupam-se em conservar a amizade entre
as cidades mais até do que a justiça, acerca da qual às vezes
deixam de aplicar as penas para não dar origem a
discórdias (151).
Em quarto lugar, porque se algumas pessoas forem
amigas, não necessitarão da justiça, pois um amigo é um outro
si mesmo, e não há justiça para consigo mesmo, já que
pertence à natureza da justiça o ser a um outro; porém, se
houver pessoas que sejam justas, ainda assim necessitarão da
amizade (152).
Finalmente, a amizade deve ser objeto da ciência
moral não apenas porque é algo necessário à vida humana, mas
também porque é um bem em si mesmo (153).
Existem três tipos de amizade, na medida em que
existem três tipos de bens: o bem honesto, o bem útil e o bem
deleitável.
Chama-se bem honesto ao bem apetecido pelo apetite
racional por causa deste bem em si mesmo; chama-se bem
deleitável ao bem apetecido pelo apetite sensível por causa
deste bem em si mesmo; chama-se bem útil ao bem apetecido não
por causa dele mesmo, mas por causa de um outro, honesto ou
deleitável, que não pode ser conseguido senão através do
útil.
Correspondendo a estes três modos de bem, haverá
também três modos de amizade, a amizade por causa do bem da
virtude, a amizade por causa do bem deleitável, e a amizade
por causa do bem útil (154).
Segundo estas três espécies de amizade os amigos
podem se querer bem mutuamente segundo o que amam; os que se
amam por causa da virtude, querem para si mutuamente o bem da
virtude; os que se amam por causa do útil, querem para si
mutuamente os bens úteis; os que pela deleitação, os bens
deleitáveis (155).
As amizades útil e deleitável são amizades por
circunstancialidade; naqueles que se amam mutuamente por
causa da utilidade, um não ama o outro por causa dele mesmo,
mas na medida em que do outro recebe para si algum bem; coisa
semelhante ocorre naqueles que se amam por causa da
deleitação, onde um ama o outro somente na medida em que é a
si deleitável (156).
As amizades por causa do útil e do deleitável são
amizades por causa de coisas que são contingentes a quem se
ama; quando, portanto, aqueles a quem se amava deixam de ser
úteis ou deleitáveis, seus amigos cessam de amá-los (157).
A perfeita amizade é aquela que é dos bons e dos
semelhantes entre si segundo a virtude. Os amigos segundo a
virtude são homens bons em si mesmos, e não por acidente,
porque a virtude é uma perfeição que faz o homem ser bom,
pelo que tais amigos se quererão bem segundo si mesmos e não
por causa de alguma circunstância (158). Pelo mesma razão a
amizade segundo a virtude é duradoura; porque tais amigos se
amam entre si por serem bons, e, conseqüentemente, a amizade
entre eles permanece enquanto durar a virtude. Ora, a virtude
é um hábito permanente e não facilmente mutável; de onde que
a amizade por causa da virtude é duradoura (159). Ademais, a
semelhança, que é o que faz e conserva a amizade, é máxima
entre os virtuosos; de fato, eles permanecem semelhantes a si
mesmos, porque não são facilmente mudados de uma em outra
coisa, e também permanecem na amizade que possuem entre si;
já os homens maus não possuem nada de firme e estável em si
mesmos, porque a malícia, na qual se obstinam, é detestável
segundo si mesma, e assim os seus efeitos variam na medida em
que nada encontram em que a vontade possa repousar, de onde
que nem permanecem durante muito tempo semelhantes a si
mesmos, ao contrário, querendo o contrário das coisas que
anteriormente queriam, por pouco tempo permanecem amigos,
isto é, somente enquanto gozam da malícia na qual
concordam (160).
As amizades por causa da virtude, porém, são
raras, porque esta amizade o é entre pessoas virtuosas e
poucos são virtuosos (161). Por causa da deleitação e da
utilidade podem-se tornar mutuamente amigos homens de
quaisquer condições, tanto bons como maus, mas segundo a
amizade perfeita, pela qual os homens se amam por causa de si
mesmos, somente os homens bons podem se tornar amigos (162).
Significativamente a amizade ocupa dois livros
inteiros do Comentário à Ética, bastante mais do que o
concedido a qualquer outra virtude; mais ainda, estes dois
livros precedem de modo imediato o X da Ética, que trata
sobre a contemplação, como se com isso se quisesse dizer que
a verdadeira amizade não só é o prêmio da virtude, mas também
que ninguém que não tenha se tornado capaz dela pode-se
considerar ter sido autêntico ouvinte em ciência moral e
portanto supor poder vir a ter êxito no esforço que dele
exigirá a contemplação da sabedoria.
Tal é, em rápidas pinceladas, a ciência moral que
descreve Tomás de Aquino como sendo um dos requisitos
essenciais da verdadeira educação do homem.
Resta-nos agora examinar de que modo tudo isto se
relaciona com a contemplação.
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