V.13.

A virtude da temperança.

A fortaleza é acerca das paixões do temor e da audácia que estão no irascível; já a temperança é acerca das deleitações e tristezas que estão no concupiscível. As deleitações acerca das quais é a temperança são as deleitações da comida e das coisas venéreas, que se realizam através do tato e são comuns a nós e aos animais (84).

O sentido do tato, acerca do qual é a temperança, é comuníssimo entre todos os sentidos, porque este sentido é comum a todos os animais. Por isso a intemperança é justamente reprovável, porque não está no homem quanto àquilo que é próprio do homem, mas quanto àquilo que ele tem em comum com os demais animais; deleitar-se em tais coisas amando-as como aos bens máximos é completamente bestial. Por esta razão o vício da intemperança tem máxima torpeza, mais do que os vícios contra a fortaleza, porque por ele o homem se assemelha aos animais (85).

Ademais, o forte e o temperante não se acham do mesmo modo para com as tristezas; de fato, o forte padece grandes tristezas, mas é louvado por bem sustentá-las, enquanto que o temperante não é louvado por sustentar tristezas provenientes da ausência da deleitação, antes, ao contrário, é louvado por não entristecer-se ao manter-se na abstenção das deleitações das quais não tem muita concupiscência (86).

O vício segundo o qual alguém é deficiente acerca das deleitações é chamado de insensibilidade, o qual não convém à natureza humana. Se há alguém para o qual nada é deleitável, este alguém está longe da natureza humana (87). Mas o temperante não se deleita nas coisas torpes nas quais o intemperante maximamente se deleita; ao contrário, nestas mais se entristece. O temperante de modo geral não se deleita no que não convém, nem se deleita mais veementemente do que convém (88). Quanto às tristezas, o homem temperante não se entristece superfluamente na ausência do que é deleitável, nem tampouco tem concupiscência dos deleitáveis ausentes, porque não muito se ocupa com eles, ou tem para com eles uma concupiscência com a medida devida, não os desejando mais do que convém, nem quando não convém, nem segundo alguma outra circunstância que exceda a medida da razão (89).

A intemperança é mais reprovável do que a timidez, porque mais se assemelha ao voluntário do que o temor. De fato, cada um se deleita naquilo em que age voluntariamente, enquanto que foge daquilo que lhe ocorre involuntariamente. Ora, o intemperante age justamente por causa da deleitação, enquanto que o tímido recusa agir por causa da tristeza da qual foge. Portanto, a intemperança é movida por algo que em si tem natureza de voluntário, enquanto que a timidez é movida por aquilo que em si tem natureza de involuntário. Por isso a intemperança é mais reprovável do que a timidez, porque tem mais de voluntário (90).

A intemperança é também mais reprovável do que a timidez porque os vícios são tanto mais reprováveis quanto mais facilmente podem ser evitados. Ora, qualquer vício pode ser evitado pelo costume contrário; quanto a isto, é mais fácil acostumar-se a operar nas coisas que dizem respeito à temperança do que nas coisas que dizem respeito à fortaleza, porque as coisas deleitáveis da comida e da bebida e outras tais ocorrem muitas vezes na vida humana, não faltando ao homem ocasião de acostumar-se a bem operar acerca de tais coisas; ademais, acostumar-se a operar bem acerca destas coisas não apresenta perigo algum. Conclui-se assim por esta outra razão que o vício da intemperança é mais reprovável que o vício da timidez (91).



Referências

(84) In libros Ethicorum Expositio, L. III, l. 19, 595-597; L. III, l. 20, 613-614.
(85) Idem, L. III, l. 20, 616. (86) Idem, L. III, l. 21, 626. (87) Idem, L. III, l. 21, 630-631. (88) Idem, L. III, l. 21, 632. (89) Idem, loc. cit.. (90) Idem, L. III, l. 22, 636; l. 22, 638. (91) Idem, L. III, l. 22, 637-638.