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Por causa de passagens como estas e outras devidas a Santo
Agostinho muitos supuseram que a inteligência humana fosse capaz de uma
percepção direta dela própria.
Entretanto S. Tomás nega que isso seja possível à
inteligência humana, e nega inclusive que tenha sido isto que Santo
Agostinho tenha ensinado.
A inteligência humana, diz Tomás, é capaz de conhecer sua
própria essência, não porém através de sua própria essência, isto é, por
um conhecimento direto de sua própria essência, mas através de seus
atos, isto é, através da percepção da própria atividade intelectiva:
"a mente não pode inteligir a si mesma
de tal modo que apreenda a si própria
de modo imediato",
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diz Tomás de Aquino (66).
De fato, diz Tomás, qualquer potência cognoscitiva conhece
necessariamente em ato tudo aquilo que está presente nela própria. Ora,
a inteligência está sempre presente em ato na própria inteligência; se,
portanto, a inteligência conhecesse a sua essência de modo imediato por
meio dela própria, teria uma intelecção contínua em ato de si própria,
isto é, sempre se inteligiria a si mesma, o que sabemos ser falso por
experiência. Portanto, a inteligência não pode conhecer a si própria por
uma percepção direta da própria essência (67).
Ademais, o conhecimento que se realiza através de algo
naturalmente existente dentro de nós é um conhecimento natural como o
conhecimento dos primeiros princípios da demonstração. Se, portanto, nós
conhecemos a essência da inteligência através da percepção imediata de
sua própria essência, esta seria conhecida por modo de natureza. Nas
coisas, porém, que são conhecidas por modo de natureza não é
possível que o homem se engane, assim como no conhecimento dos
princípios indemonstráveis ninguém erra. Ninguém, portanto, erraria
também no conhecimento da natureza da inteligência se ela se conhecesse
de modo imediato em sua própria essência; o que, porém, não é o que
acontece, pois há muitos que opinam a inteligência ser de natureza
corpórea. Portanto, a inteligência não se conhece a si própria por
percepção direta de sua essência (68).
Como se explicam, então, as palavras de Santo Agostinho?
diz Tomás,
"que Santo Agostinho não quiz ensinar
que a alma se intelige a si mesma
por si mesma" (69).
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Ele pede para examinar mais
atentamente as palavras de Agostinho:
"A alma,
ao buscar o conhecimento de si mesma,
não deve buscar-se como a algo ausente,
mas procure perceber-se como presente;
não busque conhecer-se
como se já se conhecesse,
mas distingua-se
das demais coisas que conhece".
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Estas palavras, atentamente examinadas, mostram que Santo Agostinho não
quiz dizer que a inteligência pode ter uma percepção direta de sua
própria essência. Diz Agostinho que a alma deve buscar o conhecimento de
si mesma distinguindo-se das demais coisas que conhece. Ora, se ela
conhecesse diretamente a si mesma, deste conhecimento se seguiria o
conhecimento de sua distinção das demais coisas:
"É pelo conhecimento da essência da coisa
que distinguimos uma coisa das demais",
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diz Tomás de Aquino (70). Mas, se precisamos conhecer as demais para,
por distinção, conhecer a essência da coisa,
é porque conhecemos esta essência de modo
indireto, através de outra, e não dela própria. A inteligência, de fato,
"percebe-se ser pela percepção de sua atividade" (71):
"Ninguém se percebe inteligir
a não ser inteligindo.
Antes de inteligir seu próprio inteligir,
é necessário inteligir algo;
é através disto que a alma chega
à percepção total de seu ser,
isto é,
pelo fato de ter inteligido ou sentido" (72).
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"Portanto,
não é pela sua essência,
mas pelo seu ato
que o intelecto se conhece a si mesmo.
O homem conhece ter uma alma intelectiva
pela percepção de seu inteligir" (73).
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"Esta foi também a opinião de Aristóteles,
pois ele afirma no De Anima
que o intelecto se intelige a si próprio
do mesmo modo como intelige às demais coisas;
ora, o intelecto intelige pelas espécies inteligíveis,
pelas quais se torna inteligível em ato;
(segue-se que não se intelige pela sua essência),
mas por uma espécie inteligível
(que ele por abstração faz de si mesmo)
a partir da percepção de sua atividade intelectiva" (74).
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Conclui-se daqui que é possível para o homem a percepção da própria
faculdade intelectiva, mas apenas de modo indireto; esta percepção não é
uma atividade sensorial, mas algo em que necessariamente está envolvida
a própria atividade da inteligência.
Por causa disso, quando a inteligência se busca a si mesma,
num primeiro momento pode parecer-lhe ter alcançado a sua própria
essência; a análise mais profunda desta percepção, mostra, entretanto,
que apesar de se tratar de um verdadeiro conhecimento intelectivo, há um
conhecimento direto apenas do ato de inteligir, não da própria
inteligência.
Por esta razão pode-se cair na posição oposta e negar que
exista uma essência da inteligência; isto é, negar que haja uma
substância inteligente, mas apenas uma atividade inteligente. Os que
caem nesta posição demonstram uma capacidade introspectiva muito maior
do que aqueles que interpretam as palavras de Santo Agostinho no sentido
oposto. Se alguém se dedicasse ao conhecimento de si próprio com o
intuito de perceber que nada do que se apreende é a essência da alma
estaria, com isto, além de desenvolver a capacidade de introspecção,
trabalhando a própria faculdade intelectiva do homem, que é a faculdade
envolvida neste conhecimento. Mas isto não valeria como
demonstração ontológica da inexistência de uma essência da alma;
de fato, diz Tomás de Aquino, uma percepção direta da essência
da inteligência por ela mesma é algo que pertence de modo próprio
às substâncias superiores ao homem (75).
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