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Os sentidos próprios, isto é, os cinco sentidos, são
manifestamente materiais. Eles necessitam do corpo como instrumento,
porque se dão através dos órgãos dos sentidos, como o olho e o ouvido,
que são materiais (21).
Porém ocorre que os homens têm a experiência de não apenas
ver, mas também de perceber que vêem. Como se dá esta consciência de que
vemos? Esta percepção das operações dos sentidos necessita também do
corpo como instrumento? Qual será a natureza desta outra faculdade? Em
outras palavras, nós percebemos que vemos por meio da vista ou de outra
faculdade? E se esta percepção vem de outra faculdade, ela necessita da
matéria como instrumento ou será imaterial?
As respostas a estas perguntas somente poderão ser dadas
mais adiante. Antes disso, porém, temos agora que colocar mais
devidamente esta questão.
A resposta mais imediata a estas perguntas seria dizer que
não é pela vista que percebemos que vemos, mas por alguma outra
faculdade a determinar. Porque, se fosse pela vista que vemos, perceber
que vemos nada mais seria do que ver; ora, nada pode ser visto senão a
cor ou o que tem cor. Mas a vista, embora seja susceptível da cor, ela
mesma, todavia, em si mesma, não tem cor. Portanto, a resposta mais
imediata seria dizer que não é pela vista que percebemos que vemos, mas
por alguma outra faculdade a ser investigada (22).
Se, portanto, partimos em busca desta outra faculdade pela
qual o homem percebe a operação dos sentidos, uma coisa deve ser
colocada de início como provável: esta faculdade a investigar não será
capaz de ver a cor em si mesma, mas apenas de perceber que vemos. Por
que? Porque se ela fosse também capaz de ver a cor, haveria dois
sentidos para o mesmo objeto, isto é, para ver a cor haveria a vista e
esta outra faculdade cuja existência estamos conjecturando para explicar
como percebemos que vemos. Mas se esta outra faculdade não apenas
percebe que vê, mas também vê a cor, não haveria razão porque isso já
não poderia ser suposto da própria vista, e assim a segunda faculdade
seria inútil. Portanto, se existir esta segunda faculdade, ela apenas
percebe que vemos, sem, entretanto, ver a cor em si mesma (23).
Chegamos, portanto, a uma conclusão provável que deve
existir uma outra faculdade, além da vista, pela qual percebemos que
vemos sem que, porém, ela própria possa ver as cores.
Mas, seja qual for esta faculdade, quando descobrirmos quem
ela é, deveremos responder ainda às seguintes duas perguntas.
A primeira, como esta outra faculdade pode perceber que
vemos se não percebe a cor? Porque ver nada mais é do que perceber a
cor (24).
A segunda, se há uma faculdade especial pela qual
percebemos que vemos, não deverá haver outra faculdade pela qual
percebemos que percebemos que vemos? E, por sua vez, não deveria haver
uma quarta faculdade que perceberia a operação desta terceira, e assim
sucessivamente? Esta sucessão, diz o Comentário ao De Anima,
não pode ir até o infinito, porque
uma ação que depende de um número infinito de
ações é impossível de se completar. Portanto, deve-se parar em uma
faculdade qualquer, a segunda, a terceira, ou a quarta, ou alguma outra,
que perceba a sua própria operação. Mas se pode existir uma tal
faculdade, porque não poderia ser a primeira? Isto é, se pode existir
uma faculdade que possa perceber a sua própria operação, porque não pode
ser a própria vista que há de perceber que vê? (25)
Estas questões serão resolvidas mais adiante. Mas devemos
adiantar que na resposta de Tomás veremos colocado que a percepção que
temos de estar vendo ou ouvindo não está além do âmbito das faculdades
sensitivas; ora, na medida em que Aristóteles e Tomás de Aquino colocam
claramente que os sentidos são materiais, esta conclusão é
particularmente notável pelo fato de que estes filósofos parecem afirmar
que não têm objeções a fazer quanto à hipótese de uma entidade puramente
material ser capaz de perceber que percebe. Esta não é uma operação que
exige necessariamente um instrumento imaterial.
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