IV.3.

A hierarquia dos seres vivos.

A primeira coisa que deve ser feita ao se proceder a uma análise das operações próprias dos seres vivos é observar que na natureza estes seres vivos podem ser classificados segundo uma hierarquia de modos de vida (1).

Nas plantas, somente existe o modo de vida correspondente ao princípio nutritivo, responsável pelas mutações do alimento e pelo aumento e decremento do ser vivo (2).

Nos animais imperfeitos, além do princípio vegetativo, existe o sentido, mas não o movimento de um lugar para outro. É o caso das ostras (3).

Nos animais perfeitos, além do princípio vegetativo e do sentido, encontra-se também o movimento local (4).

Finalmente, nos homens, além destes três, encontra-se também o intelecto (5).

Observa-se, ademais, que nos animais de hierarquia mais alta estão incluídos todos os princípios encontrados nos de hierarquia mais baixa, mas não vice-versa. Desta maneira, somente o princípio vegetativo pode existir isoladamente; o sentido não existe sem o princípio vegetativo; o movimento local não existe sem o sentido e o princípio vegetativo; e o intelecto não existe sem os anteriores (6).

Os animais são ditos animais propriamente por causa do sentido, e, dentre eles, o homem é dito homem por causa do intelecto (7).

Entre os sentidos existe também uma hierarquia semelhante, onde o primeiro de todos é o tato. Assim como se observa que o princípio vegetativo pode ser separado de todas as demais funções superiores, o sentido do tato pode ser separado de todos os demais sentidos, como ocorre nos animais inferiores, enquanto que nenhum dos demais sentidos ocorre na natureza sem a presença subjacente do tato (8).

S. Tomás afirma que esta hierarquia dos seres vivos observada na natureza tem um ápice, isto é,

"nos animais que possuem intelecto,
é necessário que preexistam
todas as demais potências,
vegetativas e sensitivas,
que operam como instrumentos preparatórios
ao intelecto,
o qual é a perfeição última
buscada na operação da natureza"
(9).

E, desta mesma maneira, assim como na operação da natureza as diversas potências são instrumentos preparatórios à operação do intelecto, assim também na investigação do homem sobre a inteligência a investigação da natureza destas potências é também instrumento preparatório para a compreensão da natureza da inteligência.

É assim que, antes de abordarmos o tema da inteligência, o Comentário ao De Anima nos convida a examinarmos as operações dos sentidos.



Referências

(1) In librum De Anima Commentarium, L. II, l. 3, 255. (2) Idem, loc. cit.. (3) Idem, loc. cit.. (4) Idem, loc. cit.. (5) Idem, loc. cit.. (6) Idem, L. II, l. 3, 258-261. (7) Idem, L. II, l. 3, 259-260. (8) Idem, L. II, l. 3, 260. (9) Idem, L. II, l. 6, 301.