II.6.

A felicidade não pode ser a deleitação corporal.

As deleitações corporais estão principalmente na comida e na atividade sexual (28).

Estas deleitações não podem ser o fim último da vontade humana porque, conforme vimos, a felicidade do homem é a perfeição da forma do homem e da operação própria que se lhe segue; trata-se de algo que se segue, portanto, áquilo que há de mais nobre e essencial no homem. Não é este o caso, porém, das deleitações da comida e da vida sexual. Estas são comuns aos homens e aos animais brutos; nelas o homem não realiza sua perfeição enquanto homem. Elas não se seguem, ademais, àquilo que há de mais nobre no homem, que é o intelecto, pois são prazeres que derivam do uso dos sentidos. Não podem, portanto, ser o fim último da vontade humana (29).

Ademais, do ponto de vista cosmológico, isto é, da ordem natural, não são também um fim último, pois é manifesto que na ordem da natureza estes prazeres se ordenam a outros fins: a comida, à conservação do corpo; a atividade sexual, à geração da prole. Cosmologicamente falando, não são bens em si, mas bens por causa de outros. Se o homem os apetece como fim último, do ponto de vista cosmológico ele está simplesmente se iludindo. Mas, ademais, mesmo na ilusão, ele não os pode desejar efetivamente como bens em si; pois bens em si são para serem usados ao máximo. Só os bens que são por causa de outros é que devem ser usados com medida, isto é, na medida em que são úteis para alcançar o bem final. Mas o homem não pode desejar as deleitações corporais como bens finais, pois o uso abusivo destes prazeres é tido como vício, causa danos à saúde do corpo e da mente, e, ademais, se impediriam mutuamente entre si. O homem que quisesse fazer uso deles como conviria, se estes bens fossem de fato o seu fim último, seria um frustrado. Não podem, portanto, fazer a felicidade de ninguém (30).

Não temos notícia de sistema educacional que coloque sua finalidade nas deleitações corporais; independentemente disto, porém, o fato é que a vida de grande parte da humanidade é a tentativa frustrada de realizar o projeto da felicidade pelo prazer.



Referências

(28) Summa contra Gentiles, III, 27. (29) Idem, loc. cit.. (30) Idem, loc. cit..