II.5.

Características gerais da felicidade.

A partir destas três características gerais que deverá ter a felicidade humana pode-se determinar um pouco melhor o que ela seja. Não se declarará ainda o que seja em especial a natureza da felicidade, mas pelo menos circunscreveremos qual seja o bem final do homem (20).

a. Deve ser contínua e perpétua.

A felicidade humana deverá ter, tanto quanto possível, continuidade e perpetuidade (21).

Por que razão?

Porque a felicidade é o fim último da vontade humana.

Ora, a vontade no homem sempre segue uma apreensão da inteligência.

Porém, ao contrário dos sentidos, que apreendem as coisas em sua individualidade segundo o aqui e agora, a inteligência apreende as essências, isto é, o que as coisas são em suas próprias naturezas, o que já não se refere somente ao momento presente.

Daí que sem a característica da continuidade e perpetuidade o fim último não seria apetecido não só como algo último, isto é, perfeitíssimo, como nem sequer num sentido menos amplo de bem perfeito.

b. Deve ser a perfeição última do homem.

Ademais, a felicidade terá que ser a perfeição última do homem (22).

A razão é que a perfeição última de cada ser é naturalmente desejável por este ser.

Isto ocorre, no caso de um ser inteligente, como é o caso do homem, porque esta perfeição última será apreendida sob a forma de bem, e o bem é o objeto próprio da vontade.

Portanto, a perfeição última do homem é naturalmente desejável pelo homem.

Ora, se é assim, se a felicidade não for a felicidade última do homem, o homem continuará desejando esta perfeição última e, por conseguinte, a suposta felicidade não será o bem suficiente de que se falou acima.

c. Deve ser operação própria do homem.

Acabamos de dizer que a felicidade deve ser a perfeição última do homem.

Ora, a perfeição última de cada ser é a forma deste ser (23). (Sobre o significado preciso do termo forma e causalidade formal, pode-se consultar o Apêndice ao presente capítulo).

Toda forma, porém, tende por natureza a uma operação.

Portanto, o bem final do homem exige a operação própria de sua forma.

De onde que a felicidade terá que ser também a operação própria do homem (24).

d. Deve ser a operação própria do homem aperfeiçoada pela virtude.

Vimos, pois, que a felicidade deve ser a operação própria do homem.

Ocorre, porém, que uma mesma operação do homem pode se dar em diferentes graus de perfeição: qualquer um pode correr, mas um atleta correrá de modo excelente; qualquer um pode pintar uma tela, mas um artista o fará com perfeição.

De modo geral, chamam-se hábitos as qualidades que dispõem as operações próprias de um sujeito de um modo determinado, não importando se bem ou mal; mas quando o hábito determina o sujeito de acordo com o que é bom e perfeito segundo a sua natureza, este hábito é chamado de virtude (25).

Se a felicidade é, portanto, a operação própria do homem, e, ademais, conforme vimos, tem que ser um bem perfeito, segue-se disto que ela terá que ser a operação própria do homem aperfeiçoada pelo hábito da virtude.

e. Primeira determinação da felicidade humana.

Juntando-se todos estes elementos segue-se uma primeira determinação do que seja a felicidade humana.

Segundo Tomás de Aquino a felicidade humana é

"uma operação própria do homem
segundo a virtude
em uma vida perfeita,
isto é, contínua e perpétua,
tanto quanto possível"
(26).

Isto já é uma determinação mais clara da natureza do fim último do homem. Chegamos primeiramente à conclusão de que este fim último é a felicidade; agora determinamos diversas características que deve possuir o bem a que chamamos de felicidade. Ainda, porém, não declaramos em especial a natureza da felicidade humana, apenas circunscrevemos qual seja o bem final do homem (27).

Entretanto, conforme veremos a seguir, estas determinações já serão suficientes para mostrar muita coisa que a felicidade humana não pode ser.



Referências

(20) In libros Ethicorum Expositio, L. I, l. 11, 131. (21) Idem, loc. cit.. (22) Idem, L. I, l. 10, 119. (23) Idem, loc. cit.; (24) Idem, loc. cit..
(25) Summa Theologiae, Ia IIae, Q.55.
(26) In libros Ethicorum Expositio, L. I, l. 10, 129-30. (27) Idem, L. I, l. 11, 131.