X.4.

Crescimento da fé.

As Sagradas Escrituras afirmam, ademais, que a fé pode crescer e admitir graus de grandeza.

De fato, quando os apóstolos não conseguiram curar um jovem lunático que lhes tinha sido apresentado, vendo depois que Jesus o tinha curado, perguntando-lhe porque não o haviam conseguido, ouviram do Cristo a seguinte resposta:

"Por causa de vossa pouca fé".

Mt.17,20

De onde se deduz que, se a fé pode ser pouca, é porque ela também pode ser muita.

De modo semelhante, quando Pedro caminhou sobre as águas do mar ao encontro de Jesus, e, percebendo a força do vento, teve medo e começou a afundar, Jesus o repreendeu:

"Homem de pouca fé,por que duvidaste?"

Mt.14,31

Mas, ao contrário, quando encontrou uma mulher cananéia que lhe suplicava a cura do filho, Jesus lhe disse:

"Ó mulher, é grande a tua fé".

Mt.15,28

E ainda, em outra ocasião, os apóstolos, percebendo quão pequena era a fé que os animava, pediram ao Cristo:

"Aumentai a nossa fé".

Lc.17,5

De passagens como estas conclui-se que é intenção das Sagradas Escrituras ensinar que a fé seja algo que possa aumentar no homem.

No De Sacramentis Fidei Christianae, Hugo de S. Vitor faz uma afirmação intimamente relacionada com a questão do crescimento da fé. Ele afirma que há duas coisas de que é feita a fé:

"O conhecimento,
e o afeto, isto é,
a constância e a firmeza no crêr"
(12).

Esta passagem não significa que a fé seja um afeto; ao contrário, a fé é um conhecimento; este conhecimento, entretanto, é dotado de duas qualidades que lhe são distintivas, a constância e a firmeza. Ambas estas qualidades pertencem ao conhecimento, e, portanto, estão na inteligência como em seu sujeito, mas são causadas pela vontade, que no De Sacramentis Hugo designa pelo nome de afeto.

Com isto já temos três características do conhecimento que é a fé e que a distinguem dos demais conhecimentos. A primeira é o ser movido pela vontade para alcançar o seu objeto; as duas restantes são uma constância e uma firmeza peculiares à fé devido ao fato desta proceder da vontade.

Se é assim, porém, a fé pode crescer de dois modos, isto é, pelo conhecimento, quando lhe são ensinadas mais coisas sobre a Revelação ou a Ciência Sagrada, ou segundo a constância e a firmeza no crer:

"A fé de alguns é grande pelo conhecimento,
mas pequena pela constância e firmeza.

Já a de outros é grande
pela constância e firmeza,
e pequena pelo conhecimento.

Outros, finalmente, há
em que a fé é grande ou pequena
em ambas as coisas"
(13).

Ora, no Evangelho Jesus compara a fé com um grão de mostarda (Lc. 17,6) e acrescenta:

"É, na verdade,
a menor de todas as sementes,
mas, crescendo,
é a maior de todas as hortaliças,
e faz-se árvore
de modo que as aves do céu
vêm pousar nos seus ramos".

Mt.17,32

Desta comparação, Hugo de S. Vitor deduz que

"na verdade,
a constância e a firmeza na fé
são mais louváveis do que a quantidade
do seu conhecimento,
pois o Senhor o manifestou claramente
quando comparou a fé ao grão de mostarda,
que, se pela quantidade é pequeno,
não o é, todavia, pelo fervor"
(14).

Isto não significa, conforme veremos mais adiante, que o crescimento da fé no conhecimento seja algo cuja importância deva ser desprezada; tais afirmações querem apontar uma característica distintiva da fé enquanto conhecimento, isto é, que a fé é uma forma de conhecimento tal que, mesmo que pequena em quantidade, admite por natureza uma possibilidade de crescimento extraordinário não encontrável em outras formas de conhecimento. Não se quer dizer com isto que o crescimento da fé segundo o conhecimento seja irrelevante; ao contrário, diz Tomás de Aquino que quando este conhecimento é posterior à vontade de crer isto é sinal de maior mérito da fé:

"De fato, quando o homem
tem uma vontade pronta à fé,
ama a verdade crida,
e, meditando sobre ela,
acolhe as razões da mesma,
quando estas podem ser encontradas.

Quanto a isto, a razão humana
não exclui o mérito da fé.
Ao contrário,
é sinal de maior mérito,
assim como as paixões
que se seguem às virtudes morais
são sinais de uma vontade
mais pronta à virtude,
e não vice versa"
(15).

De qualquer modo, embora a fé possa brilhar pela quantidade do conhecimento, isto, quando ocorre, costuma lhe advir como consequência; a fé brilha, entre os demais conhecimentos, em primeiro lugar, pela firmeza e pela constância. É isto o que encontramos também escrito por S. Tomás de Aquino:

"A perfeição do intelecto e da ciência
excedem o conhecimento da fé
quanto à manifestação,
não, todavia,
quanto à mais certa adesão"
(16).

Nas Sagradas Escrituras encontramos numerosas referências tanto à firmeza como à constância da fé. Á firmeza da fé refere-se com particular insistência o próprio Jesus Cristo, como nesta passagem:

"Em verdade eu vos digo,
se alguém disser a este monte:

-`Ergue-te e lança-te no mar',

e não hesitar no próprio coração,
mas acreditar que aconteça o que diz,
isso lhe será feito.

Por isso eu vos digo, tudo o que pedirdes na oração,
crede como já alcançado,
e vos será concedido".

Mc.11,23-24

A mesma doutrina Cristo ensinava quando fazia seus milagres; quando um centurião romano veio pedir-lhe que curasse um de seus servos, Jesus, vendo a sua fé, lhe respondeu:

"Em verdade vos digo
que não encontrei ninguém em Israel
com tão grande fé.
Vai, faça-se segundo a tua fé".

Ao que o Evangelho acrescenta:

"E naquela mesma hora
o servo ficou curado".

Mt. 8,13

Na maioria das vezes em que concedia um milagre, Jesus também respondia ao que lho tinha pedido:

"Levanta-te e parte;
a tua fé te salvou";

Lc. 17,19

ou então:

"A tua fé te salvou;
vai em paz".

Lc. 8,48

No Evangelho de S. Mateus ele acrescenta:

"Se tiverdes fé como um grão de mostarda,
podereis dizer a este monte:

-`Muda-te daqui para ali',

e ele se mudará;
e nada vos será impossível".

Mt.17,20

No final do Evangelho de S. Marcos, ao despedir-se pela última vez dos apóstolos, Jesus acrescenta esta promessa:

"Aos que crerem,
acompanhá-los-ão estes milagres:
em meu nome expulsarão demônios,
falarão novas línguas,
pegarão em serpentes e,
se beberem algum veneno mortífero,
não lhes fará mal,
imporão as mãos aos doentes,
e eles recobrarão a saúde".

Mc.16,17-18

Mas no Evangelho de S. João, quando da ocasião da ressurreição de Lázaro, Jesus fez uma promessa ainda mais impressionante:

"Aquele que crê em mim,
ainda que venha a morrer,
viverá;
e todo aquele que vive e crê em mim
não morrerá jamais".

Jo. 11,26

Esta última promessa para a fé é tão mais importante que as anteriores que, quando no início de sua pregação, Jesus tinha enviado alguns discípulos para pregarem em outras cidades, e eles voltaram alegrando-se pelos milagres que tinham realizado, Jesus lhes comentou:

"Não vos alegreis pelo fato
de os espíritos se submeterem a vós,
mas alegrai-vos por estarem os vossos nomes
inscritos no céu".

Lc. 10,20

Vimos, pois, com estes exemplos, como Jesus insistia na firmeza da fé. Já quem insiste de um modo especial na constância da fé é o apóstolo São Paulo. Na epístola aos Gálatas ele cita o profeta Habacuc, segundo o qual "o justo viverá da fé" (Gal. 3,11). Na epístola aos Romanos ele repete a mesma citação (Rom. 1,17). Na epístola aos Hebreus a estende um pouco mais e diz:

"O justo viverá da fé,
diz o Senhor,
mas,
se retroceder,
não será aceito à minha alma".

Heb.10,37

Na epístola aos Colossenses, ele fala novamente da constância da fé com as seguintes palavras:

"Já que ressuscitastes com Cristo,
procurai as coisas do alto,
pensai nas coisas do alto,
não vos interesseis pelas terrenas,
já que vós morrestes,
e vossa vida está escondida
com Cristo em Deus".

Col.3,1-3

Nesta passagem da Epístola aos Colossenses S. Paulo não menciona a palavra fé; mesmo assim, no entanto, a passagem como um todo se refere à vida da fé, o que no-lo atesta Hugo de S. Vitor quando afirma que

"Há um gênero de homens
para os quais crer significa
apenas não contradizer a fé,
aos quais denominamos fiéis
mais pelos costumes da vida
do que pela virtude de crer.

De fato,
dedicados apenas às coisas que passam,
nunca elevam a mente
ao pensamento das coisas futuras;
embora recebam os sacramentos da fé cristã
juntamente com os demais fiéis,
não atentam para o que significa ser cristão
ou que esperança há na expectativa dos bens futuros.

Estes, embora sejam ditos fiéis pelo nome,
de fato e em verdade estão longe da fé"
(17).



Referências

(12) Hugo de S. Vitor: De Sacramentis Fidei Christianae; L. I, p. 10, c. III; PL 176, 331.
(13) Ibidem; L. I, p. X, c. 4; PL 176, 332.
(14) Ibidem; loc. cit..
(15) Summa Theologiae, IIa IIae, Q.2 a.10.
(16) Idem, IIa IIae, Q. 4 a. 8 ad 3.
(17) Hugo de S. Vitor: De Sacramentis Fidei Christianae; L. I, p. X, c. 4; PL 176, 332-3.