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Qualidades da fé.Mostramos, até aqui, a importância que as Escrituras conferem à virtude da fé, que é a ela que se atribui o recebimento da graça do Espírito Santo, e explicamos o que é a fé, considerada em sua essência.Quando um centurião romano veio pedir a Cristo que lhe curasse um de seus servos, Jesus, vendo a sua fé, lhe respondeu:
Cristo poderia ter curado o servo independentemente da fé do centurião; mas na vida espiritual, de que este milagre é um símbolo, a restauração do homem, a obra que Cristo efetivamente tomou sobre si e que veio tornar possível, não se realiza senão segundo a sua fé. Vítima, no dizer de Santo Antão,
para que a fé possa trazer ao homem aquele nascimento e crescimento espiritual que num texto anterior atribuímos à graça do Espírito Santo, é necessário que esta fé, sem a qual, dizem as Escrituras,
se revista de certas condições de que ainda não tratamos. Estas condições podem ser vistas como sinais pelos quais o homem que busca crescer na fé pode fazer uso para examinar seu progresso nesta virtude. Destas condições, as três primeiras são qualidades inerentes à virtude da fé. São elas a firmeza, a constância e a pureza, de que trataremos em seguida. A firmeza da fé.A firmeza da fé é aquela certeza profunda da verdade do que é proposto por Deus para se crer. Embora seja a qualidade mais conhecida da fé, não é, porém, a única. Os evangelhos insistem de modo especial nela, reportando-a ao ensinamento do próprio Jesus:
diz Jesus no Evangelho de São Marcos,
No Evangelho de Mateus encontramos uma passagem muito semelhante:
diz também Jesus,
Nestas passagens ocorre algo semelhante ao comentado por ocasião dos milagres de Jesus, que dissemos serem sinais de realidades da vida espiritual. Jesus se refere ao monte que se ergue e se lança ao mar; mas este milagre extraordinário, como todos os demais operados por Jesus, é o símbolo da restauração humana operada pela graça do Espírito Santo. De fato, lemos em várias partes do Evangelho que aquilo que Jesus ensinou que devemos pedir em primeiro lugar através da oração é a graça do Espírito Santo. A contrapartida para esta disposição humana em pedir a Deus com tanto empenho a graça do Espírito Santo a ponto de colocá-la em primeiro lugar diante de todos os demais pedidos possíveis é a revelação das Sagradas Escrituras de que Deus promete como verdade de fé que está disposto a conceder a graça do Espírito Santo a todos aqueles que lhe pedirem através da oração. Esta é a oração, dizem as Escrituras, que Deus ouve infalivelmente:
disse Jesus na passagem já citada acima,
Nesta passagem Jesus aparenta estar se referindo ao milagre do monte e a outros milagres de ordem material, e não está mentindo, porque ele prometeu de modo claríssimo que todos aqueles que cressem verdadeiramente seriam acompanhados pelos milagres (Mc. 16, 17-18). Mas, apesar disto, esta passagem do monte se refere de modo principal à obtenção da graça do Espírito Santo, que vem infalivelmente pela fé. As demais orações e milagres só são concedidos, ordinariamente, aos que pela fé pedem e alcançam de Deus primeiro a graça do Espírito Santo sem se preocuparem com o resto. De fato, é o mesmo Jesus que assim ensinou:
Esta também é outra promessa de Jesus, isto é, que todas as demais coisas seriam dadas por acréscimo se, em primeiro lugar, fosse buscado o Reino de Deus. A constância da fé.Para entender o que significa a constância da fé, convém examinar primeiro uma observação dos "Mistérios da Fé Cristã", onde Hugo de S. Vítor diz que crer é algo muito diferente do que apenas não negar os ensinamentos da fé:
diz Hugo de S. Vítor,
Ainda que não a contradigam não só pelas palavras, mas também pelas obras, tais pessoas
continua Hugo,
De fato, diz ainda Hugo em outra passagem dos Mistérios da Fé Cristã, pela fé produz-se
no homem que já
Se isto ocorre não uma vez ou outra, mas sempre e cada vez mais freqüente e constantemente, chamamos a isto de constância da fé, o que fêz São Paulo dizer que os homens santos
De fato, na Epístola aos Hebreus, São Paulo cita o livro de Habacuc, em que o profeta diz a mesma coisa:
O mesmo, porém agora com suas próprias palavras, São Paulo escreve na Epístola aos Colossenses:
Se nossa fé não for assim, embora sejamos chamados de fiéis, diz Hugo de São Vítor,
Outra era a fé do profeta Elias, de quem dizem as Escrituras que vivia constantemente
Outra também era a fé dos salmistas, os quais, em suas orações, quando se referiam ao tabernáculo ou à casa do Senhor, freqüentemente era à fé que estavam se referindo:
Para entender o significado destas passagens, deve-se considerar primeiramente que o maior mandamento do Cristianismo não é a fé, mas o amor a Deus, conforme a sentença de Cristo:
diz Jesus,
Porém, para que Deus habite permanentemente em nós pelo amor, devemos também construir em nós uma casa para a fé, e é desta casa que falam os salmos acima. Pela constância da fé se constrói a casa em que Deus vem habitar em nós pelo amor, e é desta constância que também falava Ricardo de São Vítor no prefácio do De Trinitate:
A pureza da fé.Para entendermos o que é a pureza da fé devemos entender primeiro o que é a pureza considerada em si mesma. Podemos nos valer para tanto do Comentário ao Livro do Profeta Joel, escrito por Hugo de São Vitor. Ao comentar o verso
ele anuncia que irá nos explicar o que é a santidade. Na realidade, porém, em vez da santidade o que ele nos expõe é a essência da pureza, tomando-a pela santidade, na medida em que a santidade envolve necessariamente a pureza. Eis o que ele nos diz a respeito:
diz Hugo,
"É dito santo o que é feito sem terra", diz este comentário a Joel, "e se eleva da terra". Esta é a essência daquilo a que chamamos de pureza. As coisas nobres são ditas puras quando não contém mistura de substâncias estranhas. A água é pura quando não contém barro nem sujeira, o ouro é puro quando não vem misturado com outros metais. A nobreza da fé provém dela ser de coisas celestes; a vida da fé será pura quando não vier misturada com as coisas da terra. No Comentário à Ética de Aristóteles Santo Tomás de Aquino também nos diz, de outro modo, o que é a pureza. Ali encontramos escrito:
Nesta passagem Santo Tomás diz que a sabedoria é pura porque ela diz respeito a coisas imateriais; ele associa, portanto, a pureza à imaterialidade. Ora, a vida da fé produz na alma do homem esta forma de pureza, pois, conforme diz a Epístola aos Hebreus, ela diz respeito
As coisas que não se vêem são as coisas imateriais, isto é, as coisas do céu, que não se vêem com os olhos da carne porque são inteiramente espirituais. A fé é pura por ser de coisas que não se vêem não porque devido a alguma circunstância estas coisas não puderam ser vistas, mas porque, por sua própria natureza, estas coisas não poderiam ser vistas pelos olhos da carne quaisquer que fossem as circunstâncias.Neste sentido, não são os acontecimentos narrados pelas Sagradas Escrituras que são o objeto principal da fé, isto é, aquilo em que Deus quer que o homem principalmente creia e viva desta fé; os fatos históricos narrados pelas Escrituras foram de natureza tal que puderam ser vistos pelos olhos da carne, e se algum homem não os viu não foi porque não poderia te-los visto, mas apenas porque não estava ali presente quando aconteceram. Quando Deus pede que tenhamos fé nestes fatos históricos não está pedindo principalmente que acreditemos que eles aconteceram, mas que acreditemos naquilo que neles havia de divino. Por exemplo, todos sabemos que Jesus morreu na cruz; houve pessoas, como São Pedro, que viram isto com os seus próprios olhos.
pergunta Hugo de São Vitor. Ele mesmo, entretanto, nos responde a esta pergunta:
e acrescenta estas impressionantes palavras:
É precisamente nisto que consiste a grandeza da fé e toda a sua pureza. A fé obriga a alma a se habituar à contemplação de objetos que estão além das possibilidades dos sentidos, elevando as faculdades do conhecimento humano a planos cada vez mais nobres. Não é, pois, por um simples capricho ou pelo prazer de testar continuamente o homem que Deus pede para que ele creia e viva da fé no que ele não pode ver, acrescentando, conforme vimos anteriormente,
Ao contrário, Ele deseja com isso elevar a nossa alma a uma extraordinária pureza, aquela da qual o próprio Jesus disse:
Ele faz isto, portanto, para o nosso próprio bem, conforme mais adiante o atesta também a Epístola aos Hebreus:
Se o homem pudesse, portanto, ver com os olhos da carne as coisas que são objeto da fé, supondo que com isso tudo lhe seria mais fácil, em vez disto ajudar o homem, faria, ao contrário, com que perdesse toda a pureza que a fé é capaz de trazer às faculdades do conhecimento, destruindo-lhe com isso os próprios alicerces sobre que se fundamentam as possibilidades de seu crescimento espiritual. A vida da fé produz inicialmente a pureza nas faculdades do conhecimento. À medida, porém, em que progride a vida espiritual, ela passa a estender seus efeitos a todas as demais faculdades da alma. Das faculdades do conhecimento ela passa a atuar sobre o afeto, e posteriormente alcança também o próprio agir do homem. Na Summa Theologiae Santo Tomás explica como isto ocorre:
que no início causa a pureza da inteligência, se estende depois
A pureza causada pela fé no conhecimento, deste modo, extravasa e se estende também ao coração. Mas ela não pára aí. Á medida em que o homem cresce na fé, ela estende suas raízes ao seu próprio agir. Quem nos menciona este fato é S. Diádoco, bispo de Fócia no século V, que fêz a este respeito uma das afirmações mais impressionantes que já apareceram sobre a fé. A fé, dizem as Escrituras, diz respeito às coisas que não se vêem; mas S. Diádoco, como um daqueles justos que vivem pela fé, percebeu pela sua experiência pessoal uma conseqüência que não estava imediatamente contida nesta expressão; de fato, diz São Diádoco, não apenas a fé é das coisas que não se vêem, mas, mais ainda,
isto é, a pureza causada pela fé se estende já integralmente a todo o agir do homem, não mais apenas à mente e ao coração. Na Epístola aos Filipenses e na IIa. aos Coríntios São Paulo já havia escrito coisas semelhantes:
diz São Paulo,
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