O JOVEM DEVERÁ SE EXERCITAR PREVIAMENTE NO DOMÍNIO DA PAIXÃO DA IRA

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Convém que haja em todo lugar muitas pessoas que o exasperem e assim se exercite e aprenda com os de sua própria casa a dominar a paixão. Os atletas, antes das competições, se exercitam nos ginásios com seus familiares ou companheiros para que, triunfando sobre estes, sejam depois invencíveis para seus verdadeiros rivais. Nesse sentido, o jovem também deverá exercitar-se em sua própria casa. Seja muitas vezes o pai ou o irmão quem o ponha particularmente a prova, e todos tenham grande interesse em sua vitória. Ou ainda haja quem o defenda ou se lhe oponha numa luta, para que nela se exercite. Também podem molestá-lo freqüentemente os empregados, tendo razão ou não, e assim aprenda a dominar a paixão a qualquer momento. Porque se é o pai quem o irrita, nada há de estranho que ele se contenha, pois se põe na frente o nome de pai e, por isso, a alma não se revolta. Não. Façam-no os de sua própria idade, escravos e livres, para que com eles aprenda a moderação.

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Ademais, há outro meio. Que meio é este ? Quando se irritar, recorda-lhe suas próprias paixões, se irrita-se contra o escravo, que não o prejudicou em nada, pergunta-lhe o que sentiria ele mesmo, se estivesse no seu lugar. Se notares que maltrata o escravo, pede-lhe conta disto; o mesmo se o insulta. Não deve ser pacífico nem violento, mas homem e moderado. Em muitas ocasiões, efetivamente, precisará da ajuda da ira, por exemplo, quando ele mesmo tiver filhos ou venha a ser dono de escravos. A ira é proveitosa em todos os momentos; apenas é inútil quando defendemos a nós mesmos. Por isso Paulo nunca lançou mão dela em seu próprio proveito; mas só em benefício dos ofendidos. E Moisés, ao ver ofendido um irmão da sua raça, usou da ira, e muito valentemente, ele, que era o

"mais manso dos homens"
Num. 12, 3

mas quando ele mesmo foi insultado, já não se defendeu, mas fugiu (Ex. 2, 11-15). O jovem também deverá ouvir esses relatos. Quando estávamos descrevendo as portas, eram apropriadas aquelas histórias mais simples; mas, uma vez tendo entrado na cidade e procurando formar os cidadãos, é o momento dessas histórias mais elevadas. Em suma: Seja lei para o jovem que jamais defenda a si mesmo quando for insultado ou quando sofrer um dano, nem tampouco consinta jamais que outro sofra nada semelhante.