I

Deus Uno e Criador
nos Primeiros Santos Padres




1.

Deus uno e criador como linha divisória entre a fé da Igreja e o paganismo.

As profissões de fé clássicas do Cristianismo começam com uma declaração da fé em um Deus único, criador do céu e da terra. Deus uno e criador é o pano de fundo e a premissa indisputável da fé da Igreja. Os primeiros santos padres estavam plenamente conscientes de que esta colocação marcava a linha divisória entra a Igreja e o paganismo.

2.

Deus uno e criador nos padres apostólicos.

As idéias acerca de Deus uno e criador nos padres apostólicos derivam quase que exclusivamente da Bíblia e do judaísmo dos últimos séculos, e raramente da filosofia a eles contemporânea. Entretanto, na primeira epístola de São Clemente aos Coríntios, ao ser feita no capítulo 20 referência a Deus ordenador do cosmos, pode-se perceber um eco do estoicismo posterior (c. 20, 33).

3.

Deus uno e criador nos padres apologistas.

Já nos padres apologistas a infiltração do pensamento filosófico contemporâneo é evidente. Aristides de Atenas principia sua Apologia com uma demonstração da existência de Deus segundo o argumento de Aristóteles baseado no movimento, e São Justino acreditava que os pensadores gregos tinham tido acesso aos livros de Moisés.

Justino afirma também que Deus é a causa de toda a existência, tendo criado todas as coisas no início a partir da matéria informe, conforme o ensinamento de Platão que Justino supõe que tivesse sido tomado do Gênesis. Embora, entretanto, Platão considerasse a matéria pré existente como eterna, Justino provavelmente interpretava que Deus tivesse criado primeiro a matéria da qual ele teria formado o cosmos. Justino afirmou igualmente que em criando e sustentando o Universo, Deus usou o seu Logos ou Verbo como instrumento.

Os demais apologistas concordam com as colocações de Justino, embora sejam mais definidos a respeito da criação a partir do nada. Taciano coloca que a matéria a partir do qual o Universo foi feito foi ela mesma criada pelo

"Único Artífice do Cosmos",

que a criou através do seu Verbo. Teófilo afirmou que

"Deus criou tudo o que Ele quis,
do modo como Ele o quis",

e que Deus era "sem início porque incriado". Criticou a noção platônica da eternidade da matéria afirmando que, se isto fosse verdade, Deus não seria o criador de todas as coisas, e neste caso a sua posição de único primeiro princípio não seria verdadeira.

Referências:
Justino: 1 Apol. 44,8; 59,1; 13,1; 10,2; 30; 53; 59; 59,5; 64.
Idem: 2 Apol. 6.
Idem: Dial. 56,1; 3,5; 4,1.
Taciano: Oratio 5,1-3.
Teófilo Antioqueno: Ad Autol. 2,4; 1,5.


4.

Deus uno e criador em Santo Irineu.

Santo Irineu não foi um apologista. Sua missão foi refutar a teoria gnóstica de uma hierarquia de Eons criados por um Deus supremo incognoscível, um dos quais,o criador do restante do Universo ou Demiurgo, também seria uma criatura.

S. Irineu ensinou que Deus exercita sua atividade criativa através de seu Verbo e sua Sabedoria ou Espírito, e que a criação foi a partir do nada, afirmando que, enquanto os homens não podem fazer nada a partir do nada, mas apenas a partir do material que lhes é fornecido, Deus é em relação a isto superior aos homens, porque Ele mesmo forneceu o material para sua criação, embora este não tivesse existência anterior.

Santo Irineu procura também expor demoradamente as contradições que envolvem a colocação de uma série de emanações hierarquizadas de divindades.

Referências:
S.Irineu: Adv. Haer. 2,30,9; 2,1,4.
Idem: Demonst. 5.