SERMO XCVII

Por ocasião da festa de
São João Batista,
segundo as palavras do
Salmo Sexagésimo Sétimo.




"Se dormis entre os apriscos,
as penas da pomba brilham como prata,
e como um amarelo de ouro o seu dorso".

Salmo 67, 14

Caríssimos, pelo significado espiritual destas poucas e sagradas palavras o santo salmista, cantando pelo Espírito Santo, nos descreve não apenas o mérito dos santos, como também a ciência e o prêmio da Igreja universal.

Designa o mérito, onde diz:

"Se dormis entre os apriscos".

Designa a ciência da santa Igreja, onde acrescenta:

"As penas da pomba
brilham como prata".

E, finalmente, designa o prêmio, onde conclui:

"E como um amarelo de ouro
o seu dorso".

Os dois apriscos são os profetas e os apóstolos, entre os quais dormem aqueles que, ensinados pelas sagradas sentenças de uns e de outros, repousam felizes, livres da inquietude dos demônios e na paz da boa conversação. Estão, de fato, entre os apriscos todos aqueles que vivem santamente entre as proclamações dos profetas e as pregações dos apóstolos. Os quais também dormem na medida em que, ocupados pelas boas obras, não são incomodados pela infestação das tentações. Deste feliz sono dos santos, sob o nome de Issacar, nos é dito por Jacó:

"Issacar é como um jumento robusto,
deitado entre limites;
viu que o repouso era bom,
e que a terra era ótima;
curvou seus ombros para carregar,
e sujeitou-se aos tributos".

Gen. 49, 14-15

O povo dos justos é verdadeiramente um jumento robusto porque na paz e na fortaleza sustenta o peso de qualquer tribulação. Está deitado entre limites porque, ensinado pelos profetas e pelos apóstolos, repousa pela boa obra proveniente da doutrina de ambos. Viu que o repouso, isto é, o repouso da contemplação interior, era bom e que a terra da suprema bem aventurança era ótima; tomado de amor por ambos, curvou seus ombros para carregar qualquer peso que se lhe impusesse. Sujeitou-se aos tributos, porque pelos bens espirituais ofereceu não somente as suas coisas, como também a si próprio.

A multidão dos eleitos, deste modo, conforme está dito, dorme entre apriscos e por esta celeste dormição alcança o prêmio eterno. Dorme e, conforme diz Salomão,

"suave é o seu sono".

Prov. 3, 24

Segue-se:

"As penas da pomba
brilham como prata".

A pomba, como foi dito freqüentemente, é a santa Igreja. De fato, a santa Igreja, assim como carece de fel pela caridade, não vive de cadáveres pelos vícios das obras mortas; escolhe os melhores grãos pela execução dos maiores preceitos de Deus; arrulha, em vez de cantar, pela penitência; alimenta com freqüência os filhotes alheios pela misericórdia; senta-se sobre as águas, pelo estudo das Sagradas Escrituras, para prever a aproximação da sombra do gavião, que é o demônio; constrói seus ninhos nas pedras, repousando sublimemente na contemplação dos mistérios de Cristo. Possui duas asas pelo amor de Deus e de seu próximo, a direita pelo amor de Deus e a esquerda pelo amor do próximo. As penas da asa direita são aquelas distinções pelas quais nos é dito:

"Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração,
com toda a tua alma,
com todo o teu entendimento
e com todas as tuas forças".

Mc. 12, 30

As penas da asa esquerda são os votos, os conselhos, os benefícios pelos quais devemos amar o próximo como a nós mesmos. Estas penas brilham como a prata, porque do amor de Deus e do próximo

"depende toda a Lei e os Profetas".

Mt. 22, 40

Corretamente, pois, o discurso sagrado é designado pela prata, conforme o atesta o salmista quando diz:

"As palavras do Senhor são palavras castas,
são prata acrisolada pelo fogo,
purificada da terra,
depurada sete vezes".

Salmo 11, 7

Quando, portanto, os santos dormem entre os apriscos as penas da pomba brilham como prata porque a Sagrada Ciência se cumpre nas virtudes da santa Igreja quando a multidão dos santos executa com todas as suas forças os preceitos proféticos e apostólicos repousando na fé e na obra.

"E como um amarelo de ouro
o seu dorso".

O seu dorso é o prêmio que há de se seguir, comparado retissimamente ao ouro, porque assim como o ouro transcende todos os demais metais, assim também o prêmio celeste, quando comparado a todos os demais bens, deixa-os muito longe atrás de si.

O bem aventurado São João Batista, cuja solenidade hoje celebramos, dormiu entre os apriscos não apenas pela virtude como também pelo tempo, pois viveu entre os profetas e os apóstolos não apenas pela santidade de sua conversação, como também pela distinção dos tempos. De fato, atesta-nos a Escritura,

"a Lei e os Profetas
foram até João".

Luc. 16, 16

Na medida em que a graça do alto dignar-se de no-lo conceder, imitemos, portanto, a sua santidade, para que, pelos seus méritos e preces, mereçamos alcançar as alegrias do alto.

E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso Senhor, que é Deus, bendito pelos séculos.

Amén.