SERMO XCVI

Por ocasião da festa de
qualquer santo,
segundo as palavras do
Salmo Quadragésimo Quarto.




"Mirra, aloés e cássia de tuas vestes,
dos palácios de marfim;
com elas filhas de reis
te deleitam em tua honra.
A rainha, de pé, à tua destra,
com vestes douradas,
é circundada pela multidão".

Salmo 44, 9-10

Estas palavras, caríssimos, designam a santidade de cada um dos fiéis e figuram a justiça da Igreja universal. No primeiro verso descrevem-se as virtudes de qualquer dos fiéis e no segundo declara-se a justiça de toda a Igreja.

"Mirra, aloés e cássia".

A mirra é muito amarga; significa, por isso, a mortificação da carne, não quanto à natureza, mas quanto à culpa. A natureza, de fato, deve sempre ser alimentada; a culpa, porém, destruída. Esta é a mirra de todos os eleitos pois, conforme diz o Apóstolo,

"os que são de Cristo
crucificaram a própria carne,
com os vícios e as concupiscências".

Gal. 5, 26

Sobre esta mirra e as suas espécies já dissemos muitas coisas neste mesmo livro, em algum outro sermão. Satisfeitos agora, portanto, com estas poucas palavras sobre ela, passemos ao aloés.

O aloés é uma erva que comprime os inchaços; designa, por isso, a virtude da humildade. O próprio Senhor nos mostra no Evangelho o quanto nos é necessária esta virtude quando diz:

"Todo o que se exalta, será humilhado;
e o que se humilha, será exaltado".

Luc. 14, 11

E também:

"Se não vos converterdes,
e não vos tornardes como crianças,
não entrareis no Reino dos Céus".

Mat. 18, 3

Verdadeiramente Abraão possuíu esta humildade, quando disse:

"Falarei ao meu Senhor,
ainda que eu seja pó e cinza".

Gen. 18, 27

Jacó também verdadeiramente a possuíu quando, falando ao Senhor, afirmou:

"Sou indigno de todas
as tuas misericórdias".

Gen. 32, 10

O anjo apóstata, não querendo possuí-la, caíu irrecuperavelmente do céu como um relâmpago. A descendência de Adão careceu dela quando edificava a terra de Babilônia, merecendo a confusão de seus lábios. E assim aconteceu sempre em tudo o demais, de tal maneira que

"Antes da ruína
exalta-se o coração do homem,
e antes da glória,
humilha-se".

Prov. 18, 12

A cássia, também chamada de cana aromática, purga o ventre e alivia a natureza de suas superfluidades; significa, por isso, a virtude da confissão, a qual, na medida em que elimina a culpa da mente pela porta da boca, exonera a própria mente do peso do pecado.

Pela mirra, portanto, entendemos a mortificação da carne; pelo aloés, a humilhação da mente; pela cássia, a confissão do pecado. Esta mirra, este aloés e esta cássia, diz o salmista, são

"de tuas vestes".

As vestes do corpo de Cristo, que é a Igreja, são os santos mais perfeitos, pelos quais a santa Igreja se reveste e se ornamenta assim como o fazem os homens com as suas vestimentas. Destas vestes ou santos alguns são de cor rubra, como os mártires, rubros pelo seu sangue. Outros são da cor do jacinto e da cor do céu; são os confessores, sublimemente elevados à contemplação das coisas celestes. Outros ainda são da cor da neve, como as virgens; ou negros, como os humildes, sempre se enegrecendo pela memória de seus pecados. Outros, finalmente, são de várias e combinadas cores, significando que participam de diversas virtudes e boas obras.

Todos estas vestes, acrescenta o salmista, são

"dos palácios de marfim".

Entendemos pelos palácios de marfim as congregações continentes e castas. Os elefantes, de fato, cujos ossos denominamos marfim, são animais castíssimos. Copulam de costas, parem apenas uma única vez, não se deitam na terra, vivem trezentos anos. Quem desejar entendê-lo, verá que todas estas coisas convém às almas justas e castas. As vestes de Cristo, portanto, são dos palácios de marfim porque todos os fiéis são da congregação dos castos e continentes; e destas vestes são a mirra, o aloés e a cássia porque destes mesmos fiéis provém as santas virtudes e a boa fama que elas difundem. Com esta mirra, aloés e cássia, as santas virtuides e a boa fama das vestes de Cristo, continua o salmista,

"filhas de reis
te deleitam em tua honra".

Os reis são os santos prelados, que regem os demais pela virtude do discernimento. Suas filhas são as almas de seus santos súditos, alimentadas pela doutrina com que as ensinam e ornamentadas pelos exemplos que lhes oferecem. Estas almas não são designadas pelo nome de filhos, mas pelo de filhas, com o que se quer significar a sua magnífica devoção, pois o sexo feminino é muito devoto, retribuindo com fervor admirável aos que se inclinam ao seu amor. Pode-se entender também que estas almas são descritas pelo nome de filhas, e não pelo de filhos, para melhor manifestar o quanto é agradável a Cristo a admirável justiça dos perfeitos, se tanto o deleitam pela sua santidade também as almas enfermas e imperfeitas significadas pelo nome de filhas. As filhas de reis, portanto, deleitam a Cristo em sua honra quando as multidões devotas dos súditos o honram deleitavelmente pela sua bondade. Esta honra deleitável, ou esta honorável deleitação, que procede das virtudes já mencionadas, são para Cristo como uma suave refeição quando Ele vê que seus súditos, por meio destas virtudes, vivem de modo justo e oferecem as outros exemplos de justiça.

Tendo já nos falado dos santos fiéis, o salmista passa agora a nos falar da Igreja, designada pela rainha. Dela nos diz que

"a rainha, de pé, à tua destra,
com vestes douradas,
é circundada pela multidão".

Assim como no verso precedente designam-se as virtudes e a fama das virtudes de quaisquer fiéis, assim também designa-se neste a justiça da Igreja universal e, desta justiça, sua múltipla variedade e sua vária multiplicidade. A santa Igreja é retissimamente comparada à rainha porque, unida ao rei celeste, é por Ele sublimemente coroada. Ela está junto do rei pela fé, e de pé pela boa intenção. Os falsos fiéis, ainda que estejam próximos, crendo retamente no que é verdadeiro, todavia não estão de pé realizando com reta intenção o bem que operam. Elias foi do número não só dos que estavam próximos, como também dos que estavam de pé, ao dizer:

"Viva o Senhor,
em cuja presença eu estou".

I Reis, 17, 1

Ao dizer "estou", Elias mostrou permanecer diante de Deus; ao acrescentar "em sua presença", mostrou também não estar ausente da divina presença pela intenção. A santa Igreja está agora de pé à direita de Deus pela justiça, para que no futuro mereça estar também à sua direita pela glória. Assim também os réprobos estão agora à esquerda pela culpa, e no fim dos tempos ali também permanecerão pela pena.

Desta rainha, ou da Igreja, o salmista também afirma que ela se veste

"com vestes douradas".

Pelas vestes deve-se entender a justiça, pelo ouro a sabedoria. De fato, tudo o que a santa Igreja opera no exercício das virtudes ou na exibição das boas obras é ornamentado pelo fulgor da sabedoria celeste. Nisto ela imita o seu Criador segundo as suas possibilidades, o qual tudo fêz com sabedoria. Foi assim que, na primeira disposição de todas as coisas, em primeiro lugar Deus criou a luz, para só em seguida passar a dispor todo o restante. E no último dia, diz a Escritura, tendo Ele já a tudo disposto,

"viu todas as coisas que tinha feito,
e eram imensamente boas".

Gen. 1, 31

O salmista, prosseguindo, declara que a rainha é

"circundada pela multidão".

Estas palavras significam que a santa Igreja não se contenta com uma só virtude, nem com uma só obra, mas quer ser circundada pela multiplicidade das virtudes e ornamentada pela variedade das boas obras,

"segundo a dispensação
da multiforme graça de Deus".

I Pe. 4, 10

A esta variedade se referem aquelas palavras do Apóstolo Pedro:

"Ministrai na vossa fé a virtude,
na virtude a ciência,
na ciência a abstinência,
na abstinência a paciência,
na paciência a piedade,
na piedade o amor fraterno,
no amor fraterno a caridade".

II Pe. 1, 5-7

A esta variedade se referem também aquelas outras palavras do apóstolo Paulo:

"Em todas as coisas nos mostramos
como ministros de Deus,
com muita paciência na tribulação,
nas necessidades, nas angústias,
nos açoites, nos cárceres,
nas sedições, nos trabalhos,
nas vigílias, nos jejuns;
com a castidade, com a ciência,
com a longanimidade, com a mansidão,
com o Espírito Santo,
com a caridade não fingida,
com a palavra da verdade,
com a virtude de Deus,
com as armas da justiça,
à direita e à esquerda,
entre a glória e a ignomínia,
entre a infâmia e o bom nome;
como sedutores, embora verdadeiros;
como desconhecidos, embora conhecidos;
como moribundos, mas ainda agora vivos;
como castigados, mas não amortecidos;
como tristes, mas sempre alegres;
como pobres, mas enriquecendo a muitos;
como não tendo nada, possuindo tudo".

II Cor. 6, 4-10

Caríssimos, juntamente com todos os santos e a santa mãe Igreja, também nós somos chamados à coroa da pátria celeste. Exercitemos, portanto, com todas as nossas forças, as virtudes e as boas obras.

E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso Senhor, que é Deus bendito para sempre.

Amén.