SERMO LXXXI

Sobre o Candelabro de que
trata o Vigésimo Quinto Capítulo
de Êxodo, por ocasião da festa
de S. Gregório Magno.




"Ninguém acende uma lâmpada
e a põe em lugar escondido,
nem debaixo do alqueire,
mas sobre o candelabro,
para que os que entram vejam a luz".

Luc. 11, 33

Este candelabro, irmãos, é a Igreja; o bem aventurado Gregório, cuja solenidade hoje celebramos, é a lâmpada. O candelabro é a Igreja porque o candelabro, estendido pelos martelos, torna-se instrumento de luz; e a santa Igreja, provada pelas tentações, humilhada pelos golpes das perseguições, arde pelo fogo da sabedoria celeste e reluz pela obra da caridade. O candelabro se apóia sobre três pés, e a santa Igreja se fundamenta sobre a fé da Santíssima Trindade.

Lemos no Êxodo que o Senhor, preceituando a Moisés sobre o candelabro a ser feito, disse:

"Farás um candelabro de ouro puríssimo,
trabalhado a martelo,
com a sua haste, seus ramos,
copos, esferazinhas e lírios que sairão dele.

Seis ramos sairão de seus lados,
três de um lado, e três de outro.
Haverá três copos em forma de noz
em cada ramo, com esferas e lírios.
Esta será a obra dos seis ramos,
que devem sair da haste.

No próprio candelabro deverá haver
quatro copos ao modo de uma noz,
cada um com suas esferas e lírios.
As esferas e os ramos serão de uma mesma peça,
toda trabalhada a martelo e de ouro puríssimo.

Farás também sete lâmpadas,
e as colocarás sobre o candelabro,
para que iluminem de trás.
Também os espevitadores e seus cinzeiros
serão feitos de ouro puríssimo.

Todo o peso do candelabro
com todas as suas coisas será
de um talento de ouro puríssimo".

Ex. 25, 31-39

A santa Igreja, portanto, é um candelabro de ouro, dúctil e trabalhado a martelo. É um candelabro, porque fundada sobre a fé da santa e indivídua Trindade, e instituída para conter a verdadeira e divina luz. É dúctil e trabalhada a martelo, porque estende-se pelos golpes de várias perseguições, segundo a sucessão e a prolixidade dos tempos, para o crescimento das virtudes e o aumento dos seus fiéis. É de ouro, porque brilha pelo fulgor de sua caridade interior. O candelabro e as coisas que saíam dele eram trabalhadas a martelo porque

"todos aqueles que desejam
viver piamente em Cristo,
padecerão perseguições".

II Tim. 3, 12

Eram de ouro, porque constata-se que toda a justiça dos santos é resplandescente, seja pela chama da perfeita caridade, seja pela luz da sabedoria.

Pela haste do candelabro, a maior, a mais forte e a mais interior de suas peças, não apenas reta como também vertical, entendemos os homens que na santa Igreja são mais fortes nas obras, principais nas virtudes e dedicados ao que é interior, os que são verticalmente elevados à contemplação das coisas do alto sem que se desviem à direita ou à esquerda para tratar de negócios exteriores. Estes, efetivamente, diante dos olhos de Deus, são os principais e os melhores, pois

"escolheram a melhor parte,
que não lhes será tirada".

Luc. 10, 42

Por isto é que na haste do candelabro preceitua-se fazerem-se quatro copos, esferazinhas e lírios, enquanto que nos ramos que dele procedem são-nos descritos apenas três copos, esferazinhas e lírios; demonstra-se, deste modo, que os méritos dos contemplativos transcendem a vida dos ativos.

Pela haste, que no candelabro é a parte mais forte, principal e intermediária, da qual todas as demais procedem e na qual têm o seu fundamento, pode-se entender também a Cristo, que é a fortaleza, o princípio e o fundamento de todos os santos, no meio dos quais está presente, como Ele mesmo no-lo atesta, dizendo:

"Onde estiverem dois ou três
reunidos em meu nome,
aí estou eu no meio deles".

Mat. 18, 20

DEle procedem verdadeiramente, porque tudo o que fazem de bem, o recebem dEle, como Ele mesmo também no-lo diz:

"Eu sou a videira,
vós as varas";

Jo. 15, 5

o que significa o mesmo que se dissesse:

"Eu sou a haste,
e vós os ramos".

Assim como as varas não podem frutificar se não permanecerem na videira, e assim como os ramos não podem se erguer para sustentar as lâmpadas se não permanecerem na haste do candelabro, assim também vós, se não permanecerdes na haste do candelabro, diz Cristo,

"se não permanecerdes em mim",

não podereis conduzir a luz da fé e da verdade.

A haste, portanto, é Cristo, e as demais coisas que procedem da haste são todos os fiéis. Na haste descrevem- se quatro copos com as demais coisas que se lhes seguem, enquanto que nos ramos somente encontramos três, para que com isto fique manifesto que o bem que em Cristo encontra-se em plenitude não se encontra nos fiéis senão apenas pela participação de sua plenitude.

Os ramos que procedem da haste, e que no candelabro são o que há de principal depois da haste, são os santos apóstolos e todos aqueles que ensinam. É com muita propriedade que estes ramos são chamados na língua latina de "calamus", palavra que significa um ramo ôco em forma de cana, ou mesmo uma flauta. Eles, de fato, como que cantam suavemente um cântico novo quando, repletos do espírito divino, nos ensinam os mistérios da fé. O salmista louva o som que eles produzem, quando nos diz:

"Seu som estende-se por toda a terra,
e as suas palavras
até às extremidades do mundo".

Salmo 18, 5

São-nos descritos em número de seis para designar, pelo seu senário, a sua perfeição. O senário, de fato, é número perfeito, seja porque Deus fêz este mundo em seis dias, seja porque o senário é constituído por suas partes.

Assim como, porém, os ramos designam os que ensinam, os copos designam os que os ouvem. Os copos são feitos para se encherem de vinho; por este motivo, pelos copos figuram-se corretamente os ouvintes da palavra. E assim como os copos são enchidos de licores, uns mais, outros menos, assim também, quando se ensina, a graça celeste é concedida aos ouvintes, a uns mais, a outros menos. A cada um segundo a medida da fé, e segundo a medida do dom de Cristo. Os copos, ou os ouvintes, enchem-se do vinho espiritual e inebriam-se quando são fortemente animados ao efeito da boa obra.

Logo em seguida, acrescentam-se aos copos as esferazinhas. Por girarem com facilidade, as esferazinhas designam os justos, velozes na boa obra. A esferazinha gira por qualquer uma de suas partes, assim como o agir perfeito dos justos não se retarda pela adversidade nem se eleva pela prosperidade, forte na adversidade e humilde na prosperidade, sem possuir a angulosidade do temor nem da elevação.

Os lírios designam a suprema retribuição. Pelo seu verdor, são figura da incorruptibilidade da eternidade; pela sua candura, são figura do decoro da imortalidade.

Os ramos, os copos e as esferazinhas, portanto, pertencem ao trabalho, enquanto que os lírios à retribuição.

Os ramos procediam da haste, três de um lado e três de outro, porque antes da encarnação de Cristo, no tempo da lei natural, no tempo da lei escrita e no tempo dos profetas, foram santos aqueles que misticamente indicavam a fé na santa Trindade; e depois da encarnação de Cristo, no tempo da Igreja primitiva, no tempo de nossa eleição entre os povos e nos últimos tempos, quando os restos de Israel houverem de se converter, serão santos aqueles que proclamarem esta mesma fé. Em cada um dos ramos são-nos descritos copos, esferazinhas e lírios porque em cada um dos tempos mencionados, tanto sob os pregadores antigos como sob os modernos, encontram-se fiéis sedentos da bebida da graça, correndo pela boa obra no caminho de Deus, esperando pelo incorruptível verdor da eternidade e pela indefectível candura da imortalidade. E em cada um dos ramos havia três copos, três esferazinhas e três lírios, para que se designasse com isto que em todos os tempos houve reitores, continentes e casados, figurados em Ezequiel por Noé, Daniel e Jó (Ez. 14, 14). Os copos, ademais, deveriam ser feitos ao modo de uma noz, pois as nozes possuem dura a sua casca mas são doces em seu interior. Significa isto que se a doçura algumas vezes se adquire dificuldade, quando já possuída é muito saborosa e muito amada.

Se alguém, porém, quiser investigar por que motivo a mística haste, se significa Cristo, também continha copos, esferas e lírios, advirta com atenção que Cristo não somente confere a ciência, a obra e a remuneração das virtudes aos seus eleitos, mas que também mostra em si mesmo a figura do copo, quando se declara pleno do Espírito Santo, e a da esferazinha, quando

"exulta com as gigas
que percorrem o caminho".

Salmo 18, 6

Glorificado junto ao Pai, Cristo mostra-se também como os lírios.

O copo último e supremo, com a sua esfera e o seu lírio, está situado na haste e se eleva a uma posição mais alta do que os ramos porque os dons que Deus concedeu a Cristo transcendem todo o modo da capacidade humana. De fato,

"a cada um de nós foi dada a graça
segundo a medida do dom de Cristo".

Ef. 4, 7

"Nele habita corporalmente
toda a plenitude da divindade".

Col. 2, 9

As sete lâmpadas colocadas sobre o candelabro para que iluminassem de trás são todos os prelados que, constituídos na santa Igreja, iluminam de trás quando pela palavra e pelo exemplo mostram aos pecadores a luz da justiça, oferecem a cura aos contritos de coração e anunciam a indulgência aos cativos. O setenário, conforme já o dissemos em outras ocasiões, significa a totalidade.

"Também os espevitadores e seus cinzeiros
serão feitos de ouro puríssimo".

Há nas Escrituras alguns preceitos que devem ser observados perpetuamente, tanto nesta vida como na futura. É o caso do seguinte:

"Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração,
com toda a tua alma,
com toda a tua mente,
com todas as tuas forças".

Mc. 12, 28

Há outros que se nos ordena que os observemos durante o tempo desta vida, para que no futuro se lhes retribua a recompensa, como é o caso deste:

"Fazei para vós amigos
com as riquezas da iniqüidade,
para que vos recebam
nos tabernáculos eternos".

Luc. 16, 9

Há também outros que foram observados no Velho Testamento por ordem do Senhor, os quais, porém, resplandecendo o Evangelho, não são mais observados segundo a letra, mas segundo o seu sentido místico, como é o caso dos ritos dos sacrifícios e de outros semelhantes. Deste modo, quando os apóstolos anunciavam haver-se findado o tempo destes preceitos, os quais dali em diante deveriam ser observados apenas espiritualmente, espevitavam-se ou limpavam-se as mechas do candelabro. Estas mechas, assim restauradas, melhor brilhariam; entendidas de modo mais elevado, ofereceriam mais plenamente a luz da doutrina. Refere-se a esta restauração o que foi escrito:

"Sobrevindo os novos,
lançareis fora os velhos".

Lev. 26, 10

E também, em outro lugar:

"Eis que faço novas todas as coisas".

Apoc. 21, 5

Consta, de fato, que antes da Paixão os apóstolos haviam observado o sábado, mas que depois da Ascensão do Senhor e da vinda do Espírito Santo impuseram o fim completo dos sacrifícios legais. Assim também, finda a vida mortal, e sucedendo-a a imortal, cessarão em sua maior parte as obras e os dons da luz de que agora nos utilizamos, para que se lhes sucedam, na presença da visão divina, os prêmios eternos. De fato,

"As profecias passarão,
as línguas cessarão,
e a ciência será abolida".

I Cor. 13, 8

As palavras das Sagradas Escrituras, as quais testemunham que estas coisas hão de se realizar, são espevitadores ou aparadores de ouro, exímias pela esperança da claridade futura. Os cinzeiros, em que as aparas das mechas são recolhidas e apagadas, são os corações dos homens santos, nos quais se produzem estas mudanças, os quais são de ouro porque brilham pela luz da sabedoria e pela chama da caridade.

Finalmente,

"Todo o peso do candelabro,
com todas as suas coisas,
será de um talento de ouro puríssimo".

Tudo, efetivamente, que Deus faz, o faz

"em número, peso e medida",

Sab. 11, 21

as quais três coisas, segundo a inteligência espiritual, podem ter a mesma significação. A este peso e medida pertence aquilo que foi dito:

"A cada um de nós foi dada a graça
segundo a medida do dom de Cristo".

Ef. 4, 7

Desta medida somente Cristo é exceção, a quem unicamente se refere o que está escrito:

"Aquele a quem Deus enviou
fala palavras de Deus,
porque Deus não lhe dá
o espírito por medida".

Jo. 3, 34

Cristo, de fato, conforme foi mostrado acima, possui a graça plenária, a qual é dividida aos demais por medida. O peso do candelabro é, portanto, a medida do dom, do mérito ou do prêmio, e o talento, que é o maior dos pesos, significa a perfeição.

O bem aventurado S. Gregório, cuja solenidade hoje celebramos, tanto mais longe e mais amplamente difundiu os raios desta lâmpada quanto mais sublimemente foi colocado sobre este candelabro, e não em qualquer lugar, mas na sua própria sumidade. Fêz brilhar para nós esta lâmpada com raios diversos, exímios e resplandecentes. Fê-la brilhar para nós pelas virtudes, pelas obras, pelas palavras, pelos milagres, pela austeríssima religião, pela fragrantíssima opinião, pelo mérito e pelo prêmio.

E agora, irmãos caríssimos, aproximemo-nos dos raios desta luz, para que, evitando os desvios, e caminhando pela via da justiça, alcancemos a felicidade suprema.

E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso Senhor, que é Deus bendito, pelos séculos dos séculos.

Amén.