Já tratamos das coisas que estão escritas nas duas primeiras bênçãos pelas quais Balaão abençoou os filhos de Israel. Passeremos agora a declarar as que se encontram na terceira. Depois de ter abençoado por duas vezes os filhos de Israel, Balac disse a Balaão:
Balac então conduziu Balaão até o alto do monte Fegor, de onde podia-se ver o deserto. A Escritura nos diz que do alto do monte,
De lugar a lugar Balaão é chamado por Balac para que amaldiçoe o povo de Deus, porque é de diversos modos que o demônio inflama os homens vãos a blasfemarem os justos para que, não podendo diminuir o seu louvor de um modo, possa fazê-lo de outro. O demônio procura também conduzí-los a lugares elevados quando, o tanto quanto lhe é possível, os eleva contra os justos pela soberba. Mas o povo vão, quanto mais freqüente e violentamente é tentado para amaldiçoar os justos, tanto mais freqüentemente é ensinado com maior plenitude sobre a benevolência que Deus tem para com eles. Torna-se, com isto, mais propenso não a amaldiçoá-lo, mas a bendizê-lo. Foi assim que Balaão, vendo desta terceira vez o quanto agradava ao Senhor que abençoasse a Israel,
O povo vão volta o seu rosto para o deserto quando examina diligentemente em seus pensamentos ocultos o que ocorre na vida dos homens espirituais. Eleva os olhos para ver Israel quando exalta a mente na contemplação destes homens. Coibido então pelo temor para que não profira o mal, compelido pela admiração para que não silencie os bens dos justos, prorrompe em vozes de bênção, dizendo:
Designam-se melhor por tabernáculos os que são feitos com folhas e ramos, e por tendas as que são costuradas e estendidas com materiais de peles e de telas. Os tabernáculos, portanto, por serem de material menos caro, são os efeitos das boas obras; já as tendas, por serem feitas de material melhor e mais precioso, designam mais corretamente o exercício das virtudes. A bondade das virtudes, de fato, excede a das obras, pois sem as obras pode salvar-se quem não tenha a quem oferecê-las, mas sem as virtudes, a caridade principalmente e algumas outras, ninguém poderá fazê-lo. Há também muitos que exibem boas obras mas que, por não possuírem a caridade, não podem alcançar com elas a glória do alto. Deste modo a matéria dos tabernáculos parece ser principalmente o senário das obras de misericórdia. Já a matéria das tendas parece ser o ternário ou o setenário das virtudes. O senário das obras de misericórdia é, conforme no- lo ensina o Evangelho de Mateus,
O ternário das virtudes são a fé, a esperança e a caridade; o seu setenário é constituído pelas sete virtudes contidas nas bem aventuranças do Sermão da Montanha, das quais a primeira é a humildade, a segunda a mansidão, a terceira a compunção da mente, a quarta o desejo da justiça, a quinta a misericórdia, a sexta a pureza do coração, e a sétima a paz interior da mente (Mt. 5,3-9). Há muitas outras virtudes de que nos lembram as Sagradas Escrituras, pelas quais, quando bem exercitadas, estende-se a obra das tendas espirituais. Estendêmo-las, de fato, pelo seu exercício. A construção dos tabernáculos espirituais é a exibição das boas obras e o exercício das virtudes é o estender das tendas ou pavilhões. Quanta beleza haja nestes tabernáculos ou pavilhões e quão belo seja permanecer nos mesmos no-lo é belissimamente descrito pelas quatro comparações que se acrescentam:
Os tabernáculos e as tendas dos justos, constituídos pela obra e pela virtude, são como vales repletos de bosques. São como vales pela humildade, e repletos de bosques pela proteção. De fato, é da humildade, como de um estável fundamento, que surgem as virtudes e as boas obras. É aos humildes que são concedidos os dons da graça, dos quais se originam as obras e as virtudes, assim como dos vales férteis se originam bosques densos e elevados, e para estes vales correm as águas das nascentes, em cujas confluências se originam árvores sublimes. Os homens também se deleitam nos vales pelo refrigério das sombras de árvores densas e elevadas que os protegem do ardor do Sol, assim como todos os justos, em sua humildade, gozam do refrigério e da proteção das virtudes e das boas obras para não serem queimados pelo calor da concupiscência carnal e pela repreensão da ira celeste.
Os dois jardins mais comumente encontrados são os de hortaliças e os de especiarias aromáticas. Estes jardins ou hortas costumam ser divididos em diversos canteiros, nos quais se plantam sementes diversas, das quais se originam por sua vez espécies também diversas. Em alguns plantamos hortaliças, tais como cebolas, alhos ou couves. Todas estas espécies, extraindo seu alimento da terra, crescem em direção à sua perfeição. O mesmo ocorre nos jardins de especiarias aromáticas, onde cada espécie, aqui e ali, tem o seu lugar e o seu alimento para crescer. Assim como pelos tabernáculos designam-se as obras e pelas tendas as virtudes, aqui também pelas hortaliças entendemos as obras e pelas especiarias aromáticas as virtudes. Deste modo, à beleza e à utilidade das hortaliças correspondem a beleza e a utilidade das obras, e à beleza e à utilidade das especiarias aromáticas correspondem as das virtudes. Pelos rios que irrigam estes dois jardins entendemos convenientemente dois gêneros de compunção que perfluem os corações humanos para produzirem em ambos estes lugares os seus frutos. Quando, de fato, aqui e ali o temor e o amor estimulam os corações, imediatamente emanam os rios da compunção, os quais, irrigando os canteiros dos corações, fecundam-nos copiosamente para que produzam os renovos das virtudes e das boas obras. Os tabernáculos de Jacó, isto é, as obras dos ativos, e as tendas de Israel, isto é, as virtudes dos contemplativos, são, portanto, como vales repletos de bosques, porque protegem, e como jardins junto aos rios que os irrigam, porque dão parto. E embora façamos distinção, atribuindo as obras aos ativos e as virtudes aos contemplativos, deve-se saber, porém, que também os ativos exercem as virtudes, assim como os contemplativos exibem as boas obras, mesmo que aos ativos mais pareça pertencer a exibição das obras e aos contemplativos o exercício especial de algumas virtudes.
Os tabernáculos dos justos são sempre fixados e sempre movidos. São sempre fixados pelo firme e contínuo estabelecimento da justiça; são sempre movidos pelo contínuo incremento desta mesma justiça. São sempre fixos para que não careçam de justiça; são sempre movidos para que possam sempre crescer nesta justiça. São sempre fixos porque é
São sempre movidos porque, conforme disse Saul a Davi:
E, logo em seguida, encontramos escrito de Davi:
Os tabernáculos dos justos, fixados pelo Senhor, permanecem sempre, pois, conforme diz o Evangelho,
São sempre movidos quando suas ações e virtudes, pelo fruto da justiça, aumentam sempre. De onde que Paulo, escrevendo aos Coríntios, diz:
Segue-se:
Os cedros são árvores altíssimas as quais, quando crescem junto às águas, como é possível depreender destas palavras, erguem-se mais elevados do que de costume. Pelas águas entendem-se convenientemente os sete dons do Espírito Santo, isto é, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de ciência e de piedade, e o espírito de temor do Senhor (Is. 11, 2-3). Pela água, efetivamente, pode-se designar o Espírito Santo, conforme o próprio Senhor o demonstra no Evangelho, onde diz:
Os tabernáculos, portanto, e as tendas dos justos, isto é, as suas ações e virtudes, são como cedros junto às águas porque, recebendo alimento dos dons do Espírito Santo, não somente transcendem a obra e a fortaleza humana, como também chegam até o céu. De onde que Paulo diz:
Os tabernáculos, pois, e as tendas dos justos, conforme dissemos, as suas ações e as suas virtudes, são como vales repletos de bosques porque protegem; são como jardins irrigados, porque dão parto; são como tabernáculos fixados pelo Senhor, porque estáveis; são como cedros junto às águas, porque elevados pela sublimidade. Emulemo-nos, irmãos caríssimos, para que habitemos nos tabernáculos e nas tendas dos justos. Emulemo-nos para que imitemos as suas obras e as suas virtudes. Emulemo-nos, para que descansemos com os justos nos vales repletos de bosques e nos jardins irrigados, nos tabernáculos fixados pelo Senhor, sob os cedros junto às águas. Embora muito mais possa ser dito de todas estas coisas, pudemos pelo menos percorrê-las em sua superfície, deixando para vós o trabalho de investigá-las em toda a sua profundidade. Mas por haver na seqüência desta terceira bênção muitas outras palavras de que não tratamos, decidimos encerrar este sermão com as já declaradas e reservar as que restam para o próximo, para que não ocorra que, estendendo mais demoradamente o nosso discurso, possamos vir a entediar- vos. Procuremos, portanto, irmãos caríssimos, com o que já dissemos, viver santa e honestamente, para que possamos silenciar a ignorância dos homens imprudentes. E para que, se houver quem imite Balaão e queira nos injuriar como malfeitores, sejam estes confundidos. Que estes, considerando nossa boa conversação em Cristo, mais se vejam obrigados a proclamar de nós o que é reto. Procuremos, finalmente, progredir com os justos de virtude em virtude. Que deste modo, ajudados pelos seus méritos e preces, mereçamos um dia ser admitidos com eles na pátria da eterna promissão. E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, Nosso Senhor, que é Deus bendito, pelos séculos dos séculos. Amén. |