SERMO XVI

Sobre a Agricultura Espiritual,
por ocasião da festa dos Mártires.




"Os que semeiam em lágrimas,
na alegria ceifarão".

Salmo 125, 5

Irmãos:

"Aquele que semeia pouco,
também pouco ceifará;
e aquele que semeia em abundância,
também ceifará em abundância".

2 Cor. 9, 6

Semeemos, portanto, bem e muito, se bem e muito desejamos ceifar. Semeemos no mérito, se desejamos ceifar no prêmio. Busquemos um arado e os utensílios do arado, o longo lenho que os camponeses chamam de `hagia', o lenho bifurcado pelo qual o arado é segurado com as mãos, e as demais coisas que, por causa da brevidade, deixarei para mencionar ao expô-las.

Os pés do arado, sobre os quais repousa o restante deste artefato, é a fé, que é a origem de todas as demais virtudes.

O lenho longo, que se estende em comprimento, que na linguagem rústica dos camponeses chamamos de hagia, significa a esperança, de cujo comprimento está escrito:

"Esperastes no Senhor
pelos séculos eternos,
no Senhor, o Deus forte,
perpetuamente".

Is. 26, 4

O cabo do arado, que é bifurcado e segurado por ambas as mãos, manifesta a caridade, segurado pela mão direita quando fazemos o bem aos amigos e pela esquerda quando fazemos o bem aos inimigos.

As argolas do arado significam a virtude da obediência. Em latim a palavra "aures", que significa `argola', significa também `ouvido'; por estas argolas ouvimos e obedecemos.

As rodas designam a ciência dos dois Testamentos. Os dois Testamentos são corretamente figurados pelas rodas, porque seus lados que giram para baixo tocam a terra pela história, e seus lados que giram para o alto erguem-se da terra pela alegoria. Giram para baixo pelo sentido carnal, giram para o alto pelo sentido espiritual; para baixo pelo que significam, para o alto pelo que, por sua vez, é significado por estas.

A relha e a faca, pelas quais a terra é rasgada e aberta, designam a razão e a inteligência, com as quais esquadrinhamos e revolvemos o oculto das criaturas e as obscuridades das Escrituras.

O jugo, que aperta os pescoços, expressa o peso do temor divino, que é imposto às nossas mentes para que o nosso sentido não se erga contra Deus pelo orgulho.

Os laços, pelos quais os jugos são ligados, são os preceitos da lei divina. Está escrito sobre quem despreza este jugo e estes laços:

"Tu, desde o princípio,
quebraste o meu jugo,
rompeste os meus laços
e disseste:
`Não servirei'".

Jer. 2, 20

Os bois, que arando trabalham, são os sentidos corporais os quais, duplicados por ambos os sexos, se tornam dez. São convenientemente ditos bois pela maturidade, não touros pela dissolução; bois pela continência, não touros pela lascívia.

O aguilhão, pelo qual espetamos os bois, são as aflições do corpo nas vigílias, nos jejuns e em todas as demais coisas semelhantes a estas.

A terra, que devemos arar, somos nós mesmos, a quem devemos arar pela compunção que nasce de nossos pecados; binar pela compunção que se origina da consideração dos dons celestes que nos foram concedidos; terciar também pela compunção que se origina do antegozo dos bens futuros.

Devemos também adubar esta terra pela memória de nossa vida antiga e iníqua. Quando trazemos à memória, entre lágrimas, todas as coisas passadas que fizemos carnal e bestialmente, estamos como que conduzindo o esterco de cada um dos estábulos de nossos animais para a nossa terra. E quando discriminamos cada uma das más ações segundo o seu tempo, o seu lugar, a sua qualidade e a sua quantidade, como que o espalhamos repartindo-o em porções.

Nossas sementes são os dons divinos. O vaso em que as guardamos são a inteligência e o sentido espiritual. Colocamo-las na terra quando as plantamos no afeto e no efeito. Plantamos os dons divinos no afeto pelo amor, plantamo-los no efeito pela obra.

Em lágrimas semeamos, na alegria colheremos. Semeamos em lágrimas porque

"Todos os que querem viver
piedosamente em Cristo
padecerão perseguição".

II Tim. 3, 12

Na alegria colheremos, porque nos alegraremos na retribuição.

E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso Senhor, o qual vive e reina, pelos séculos dos séculos.

Amén.