Irmãos:
Semeemos, portanto, bem e muito, se bem e muito desejamos ceifar. Semeemos no mérito, se desejamos ceifar no prêmio. Busquemos um arado e os utensílios do arado, o longo lenho que os camponeses chamam de `hagia', o lenho bifurcado pelo qual o arado é segurado com as mãos, e as demais coisas que, por causa da brevidade, deixarei para mencionar ao expô-las. Os pés do arado, sobre os quais repousa o restante deste artefato, é a fé, que é a origem de todas as demais virtudes. O lenho longo, que se estende em comprimento, que na linguagem rústica dos camponeses chamamos de hagia, significa a esperança, de cujo comprimento está escrito:
O cabo do arado, que é bifurcado e segurado por ambas as mãos, manifesta a caridade, segurado pela mão direita quando fazemos o bem aos amigos e pela esquerda quando fazemos o bem aos inimigos. As argolas do arado significam a virtude da obediência. Em latim a palavra "aures", que significa `argola', significa também `ouvido'; por estas argolas ouvimos e obedecemos. As rodas designam a ciência dos dois Testamentos. Os dois Testamentos são corretamente figurados pelas rodas, porque seus lados que giram para baixo tocam a terra pela história, e seus lados que giram para o alto erguem-se da terra pela alegoria. Giram para baixo pelo sentido carnal, giram para o alto pelo sentido espiritual; para baixo pelo que significam, para o alto pelo que, por sua vez, é significado por estas. A relha e a faca, pelas quais a terra é rasgada e aberta, designam a razão e a inteligência, com as quais esquadrinhamos e revolvemos o oculto das criaturas e as obscuridades das Escrituras. O jugo, que aperta os pescoços, expressa o peso do temor divino, que é imposto às nossas mentes para que o nosso sentido não se erga contra Deus pelo orgulho. Os laços, pelos quais os jugos são ligados, são os preceitos da lei divina. Está escrito sobre quem despreza este jugo e estes laços:
Os bois, que arando trabalham, são os sentidos corporais os quais, duplicados por ambos os sexos, se tornam dez. São convenientemente ditos bois pela maturidade, não touros pela dissolução; bois pela continência, não touros pela lascívia. O aguilhão, pelo qual espetamos os bois, são as aflições do corpo nas vigílias, nos jejuns e em todas as demais coisas semelhantes a estas. A terra, que devemos arar, somos nós mesmos, a quem devemos arar pela compunção que nasce de nossos pecados; binar pela compunção que se origina da consideração dos dons celestes que nos foram concedidos; terciar também pela compunção que se origina do antegozo dos bens futuros. Devemos também adubar esta terra pela memória de nossa vida antiga e iníqua. Quando trazemos à memória, entre lágrimas, todas as coisas passadas que fizemos carnal e bestialmente, estamos como que conduzindo o esterco de cada um dos estábulos de nossos animais para a nossa terra. E quando discriminamos cada uma das más ações segundo o seu tempo, o seu lugar, a sua qualidade e a sua quantidade, como que o espalhamos repartindo-o em porções. Nossas sementes são os dons divinos. O vaso em que as guardamos são a inteligência e o sentido espiritual. Colocamo-las na terra quando as plantamos no afeto e no efeito. Plantamos os dons divinos no afeto pelo amor, plantamo-los no efeito pela obra. Em lágrimas semeamos, na alegria colheremos. Semeamos em lágrimas porque
Na alegria colheremos, porque nos alegraremos na retribuição. E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso Senhor, o qual vive e reina, pelos séculos dos séculos. Amén. |