SERMO XV

Sobre a Vinha do Senhor.




"Ide também vós para a vinha,
e dar-vos-ei o que for justo".

Mat. 20, 4

Sobre a vinha do Senhor, irmãos, à qual a palavra divina nos convida, faremos para vós uma breve exortação, para não onerar, com palavras mais prolixas, o vosso amor.

Examinemos primeiro o que é o campo no qual se faz a plantação, o que é a vinha, o que é o sulco, o que é a binação, o que é a terciação, o que é a vara, o que é a poda, o que é a dobradura, o que é a folha, o que é o fruto, o que é o dinheiro que é prometido.

Este campo é o coração humano, que devemos cavar continuamente pela enxada das compunções, e nele, pela graça divina, plantar pelas boas vontades a vinha ou as videiras, para que cresçam no bem e produzam varas, folhas, flores e fruto.

Devemos cavar esta vinha pela compunção, que nasce do exame de nossos pecados; devemos biná-la pela compunção que nasce da consideração dos dons que nos foram concedidos do céu; terciá-la pela compunção que se origina da pregustação dos bens futuros.

As varas são os bons pensamentos multiplamente procedentes da boa vontade. Podamos esta vinha quando cortamos os pensamentos menos úteis e nos dedicamos a dilatar os mais úteis. Dobramos as varas quando humilhamos os nossos pensamentos e como que fixamos uma haste na terra ao nos recordarmos de nossa mortalidade e nos lembrarmos que somos terra e à terra haveremos de retornar. Assim dobrou Abraão a sua videira quando disse:

"Falarei ao meu Senhor,
ainda que eu seja pó e cinza".

Gen. 18, 27

Assim também Jacó, quando disse:

"Eu sou indigno
de todas as tuas misericórdias".

Gen. 32, 10

Davi também disse:

"Olha para mim, Senhor,
e tem piedade de mim,
porque sou sozinho e pobre".

Salmo 24, 16

A bem aventurada Maria dobrou a sua videira, e disse:

"Eis a serva do Senhor".

Luc. 1, 38

O bem aventurado Apóstolo Paulo dobrou a videira quando dizia:

"Não sou digno de ser chamado Apóstolo,
porque persegui a Igreja de Deus".

I Cor. 15, 9

As folhas designam a boa ação, que nos circundam e nos ornamentam, assim como em outros sermões freqüentemente já o dissemos.

As flores, pelo seu perfume e pelo seu odor que se espalha ao longe, significam a boa fama pela qual, seja perto, seja longe, somos suave fragrância para nosso próximo.

O fruto designa a boa consciência, procedente de uma justiça consumada. Para isto, de fato, trabalhamos, para que possuamos uma boa consciência, assim como aquele que derrama o seu suor no cultivo da vinha o faz para que possa obter o seu fruto.

Deste modo, irmãos, temos um campo dentro de nós, que é o nosso coração. A videira do Senhor é a boa vontade e as suas varas são os bons pensamentos. Cavêmo-la, binêmo-la e terciêmo-la, conforme está escrito, pela tríplice compunção. Podêmo-la pelo corte dos pensamentos supérfluos e menos úteis. Dobrêmo-la pela humilhação da mente, para que produza folhas pela boa ação, flores pela boa fama, frutos pela boa consciência.

Se, irmãos caríssimos, assim trabalharmos na vinha do Senhor, receberemos o dinheiro que nos é prometido. O que é este dinheiro? Este dinheiro é a vida eterna. Este dinheiro é

"O que nem o olho viu,
nem o ouvido ouviu,
nem entrou no coração do homem
o que Deus preparou para os que O amam".

1 Cor. 2, 9

Este dinheiro é o sumo bem, no qual consiste todo o bem e do qual procede todo o bem. Nele consiste todo o bem pela plenitude, dele procede todo o bem pela liberalidade. Este dinheiro é ver e saborear a Deus. Vê-lo pela contemplação, saboreá-lo pelo amor.

Que Jesus Cristo, Nosso Senhor, se digne vir em auxílio de nosso trabalho nesta vinha e possa remunerar-nos com este dinheiro, ele, que vive e reina, pelos séculos dos séculos.

Amén.