SERMO XIII

Por ocasião do Ano Novo.




"Cantai ao Senhor um cântico novo,
porque operou maravilhas".

Salmo 97, 1

O Senhor operou maravilhas na criação do mundo, opera maravilhas na redenção do gênero humano.

Operou maravilhas na criação do mundo criando as coisas terrestres e as coisas celestes, as inferiores e as superiores, as visíveis e as invisíveis, as corporais e as espirituais. Operou também maravilhas nas coisas criadas, nos elementos e nos elementados, nas coisas simples e compostas, nas causas e nas eficiências, nas naturezas e nas formas, nas figuras e nas cores, na vegetação do que germina e na fecundidade do que gera.

Operou maravilhas na redenção do gênero humano assumindo a carne, padecendo fome e sede, operando milagres, morrendo, ressuscitando, subindo ao céu, concedendo a graça do Espírito Santo, perdoando as culpas, justificando os ímpios, fazendo bem aventurados aos miseráveis.

"Cantai ao Senhor um cântico novo,

porque operou maravilhas".

O cântico é a vida. O cântico novo é a vida nova. O cântico velho, a vida velha. A vida nova é a justiça, a vida velha é a culpa.

O canto, porém, se distingue de três modos: há o canto grave, o canto agudo e o canto super agudo. O canto grave significa a vida dos cônjuges, o agudo a dos continentes, o superagudo a das virgens.

Quem vive bem, canta bem; quem vive mal, canta mal, pois está em dissonância. Estão em dissonância com este canto os avarentos, os ladrões, os gatunos, os impuros, os fornicadores, os adúlteros, os preguiçosos, os homossexuais, os perjuros, os mentirosos, os homicidas. Estão também em dissonância com este canto muitos que foram sublimados às sagradas ordens e que deveriam habitar em casas de marfim, isto é, observar a castidade, como os subdiáconos, os diáconos, os presbíteros, os bispos, os arcebispos, e talvez os homens apostólicos, os cônegos regulares, os monges, os eremitas e os reclusos. De todos estes alguns estão em dissonância com o louvor divino porque, embora sejam cristãos de nome, são todavia pagãos em sua vida. Embora tenham uma reta fé de Deus, trata-se, todavia, de uma fé morta, porque não possuem obras. Estão, portanto, em dissonância com o cântico do louvor de Deus, porque

"Não é belo o louvor
na boca do pecador".

Ecl. 15, 9

Todos estes cantam o cântico velho, que mais significa a tristeza do que a alegria. De homens que louvam deste modo está escrito:

"`De que me serve a mim
a multidão das vossas vítimas?'

diz o Senhor.

`Não quero mais holocaustos de carneiros,
nem gordura de animais nédios,
nem sangue de bezerros,
nem de cordeiros, nem de bodes.
Quando vínheis à minha presença,
quem pediu tais ofertas às vossas mãos,
para que andásseis a passear nos meus átrios?
Não ofereçais mais sacrifícios em vão;
o incenso é para mim abominação.
A neomênia e os sábados,
e as outras festividades não as posso já sofrer;
os vossos ajuntamentos são iníquos.
A minha alma aborrece as vossas calendas
e as vossas solenidades;
elas tornaram-se-me molestas,
estou cansado de as suportar.
E, quando estenderdes as vossas mãos,
apartarei de vós os meus olhos;
e quando multiplicardes as vossas orações,
não as atenderei,
porque as vossas mãos estão cheias de sangue'".

Is. 1, 11-15

"As vossas mãos estão cheias de sangue",

diz Isaías, isto é, estão cheias de pecado. E diz também o Senhor por meio do profeta Malaquias:

"Eis que eu vos lançarei o braço,
e atirarei sobre vosso vulto
o esterco de vossas solenidades,
e se vos apegará a vós,
diz o Senhor".

Mal. 2, 3-4

Por meio de outro profeta diz também o Senhor de tais homens:

"Julgavam possuir
vasos de cântico
como Davi".

Amós 6, 5

De fato, cantando palavras de louvor divino com vozes sutis, utilizando-se de duas ou três modulações diversas,

"julgavam possuir
vozes de cântico
como Davi",

porque consideravam-se ser verdadeiros louvadores de Deus. Suas vozes, porém, não agradavam a Deus, porque suas vidas O desagradavam.

Nós, portanto, irmãos caríssimos, cantemos ao Senhor conforme nos preceitua o salmista:

"Deus é rei de toda a terra,
salmodiai com sabedoria".

Salmo 46, 8

O que é salmodiar com sabedoria? Não sejamos entregues às más obras, ao salmodiar não estejamos atentos a palavras ociosas, não sejamos curiosos pelo vão olhar, não sejamos dissolutos pelo riso, inconstantes e errantes pelo pensamento e pelo discurso. Cantemos como certo poeta no-lo ensina:

"Em todas estas horas,
seja a mesma a voz do coração e da boca.
A voz é agradável ao coro,
quando o coração o é ao corista".

Cantemos, portanto, ao Senhor um cântico novo porque operou maravilhas, e não somente porque operou mas também porque operará maravilhas. Operou duas maravilhas principais, a primeira na criação do mundo, a segunda na redenção do gênero humano. E haverá de operar outras duas, a primeira na renovação do criado, a segunda na glorificação do redimido. No fim dos tempos, quando fizer novas todas as coisas, operará então maravilhas na renovação do criado. Quando disser aos eleitos:

"Vinde, benditos de meu Pai,
recebei o Reino que vos está preparado
desde a criação do mundo",

Mat. 25, 34

operará então maravilhas na glorificação do redimido.

A esta glorificação digne-se de nos conduzir Jesus Cristo, Nosso Senhor, que vive e reina.

Amén.