III

A Imensidade das Criaturas




1.

A multidão das criaturas.

Ouvi, pois, com atenção, e considerai o que estou para dizer.

Quando nada existia, que potência não era necessária para fazer com que algo existisse?

Que sentido poderá compreender quanta virtude não haverá no se fazer do nada ainda que seja uma única coisa, e ainda que seja a mínima de todas?

Se, portanto, há tanta potência no se fazer do nada uma só coisa, ainda que pequena, como não se poderá compreender quão grande deveremos estimar a potência que criou tamanha multidão de seres? De que tamanho é esta multidão? Quantos são? O número das estrelas do céu, a areia do mar, o pó da terra, as gotas da chuva, as penas das aves, as escamas dos peixes, os pelos dos animais, a grama dos campos, as folhas e os frutos das árvores, e os números inumeráveis dos demais inumeráveis.

Há uma multidão inumerável nos semelhantes, uma multidão inumerável nos diversos, uma multidão inumerável nos permistos.

Quais são os semelhantes? São aqueles que estão contidos em um mesmo gênero, como este homem e aquele homem; este leão e aquele leão; esta águia e aquela águia; esta formiga e aquela formiga. Cada uma destas coisas singulares e todas as tais restantes são semelhantes em seus gêneros.

Quais são os diversos? São aqueles que são informados por diferenças dessemelhantes, como o homem e o leão. O leão e a águia. A águia e a formiga. Estes são diversos.

Quais são os permistos? São todos simultâneamente considerados.

Como ocorre o infinito nos semelhantes? E como o infinito nos diversos, e o infinito nos permistos? Ouve: o homem é um só gênero, mas não existe um só homem. Quem os poderá enumerar? O leão é um só gênero, mas não existe um só leão. Quem os poderá enumerar? A águia é um só gênero, mas não existe uma só águia. Quem as poderá enumerar? E assim nos demais gêneros inumeráveis de coisas inumeráveis há infinitos gêneros de coisas e em cada gênero singular há infinitos semelhantes. Todas estas coisas são simultâneamente inumeráveis infinitos.

2.

A magnitude das criaturas.

Mas teria aquele que tudo fez, feito pequenas todas as coisas? Teria sido ele incapaz de fazer simultâneamente a multidão e a grandeza das coisas? Qual é, porém, a magnitude desta grandeza?

Mede a corpulência das montanhas, o curso dos rios, o espaço dos campos, a altura do céu, a profundidade do abismo. Admira, pois não o és capaz; mas justamente não o sendo capaz que melhor te admirarás.

Meditando sobre a imensidade das criaturas, preparamos os fundamentos para uma sementeira; passemos agora à contemplação de sua beleza.