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O início do Comentário à Política descreve o modo
como se originam as sociedades com o intuito de mostrar,
entre outras coisas, que a sociedade humana não é fruto de um
livre acordo entre as vontades humanas, mas algo que pertence
às coisas da natureza.
"Em todas as coisas vemos",
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diz o Comentário,
"que se alguém as examinar segundo o modo
como se originam de seu princípio,
otimamente poderá contemplar nelas a verdade" (1).
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A primeira de todas as comunidades é aquela que se
dá entre o homem e a mulher. É necessário dividir a cidade
até às suas partes mínimas, de modo que assim cheguemos à
primeira comunidade de pessoas que não podem existir umas sem
as outras, que é a comunidade existente entre o homem e a
mulher. Esta comunidade se dá por causa da geração pela qual
nascem os homens e as mulheres; a geração não compete aos
homens por eleição, isto é, na medida em que é dotado de uma
razão que escolhe, mas lhes compete segundo uma razão comum a
si e aos demais animais e também às plantas. De fato, há em
todos um apetite natural para que deixem após si um outro
semelhante a si mesmo, para que pela geração se conserve pela
espécie aquilo que pelo número não pode conservar-se (2).
A esta comunidade do homem e da mulher se
acrescentou a comunidade entre o senhor e os servos, quando
aqueles que são ricos de forças corporais, para sobreviverem,
se associaram àqueles que pela sabedoria são capazes de
prever as coisas e reger os demais pela prudência. Esta
comunidade também é pela natureza, porque a natureza não
somente pretende a geração, mas também que o que é gerado
sobreviva (3).
Destas duas comunidades, uma para a geração, outra
para a sobrevivência, constituíu-se a primeira casa (4). Toda
comunidade se ordena a alguns atos; os atos humanos podem ser
de dois tipos, isto é, os cotidianos, como comer, aquecer-se
ao fogo, e os não cotidianos, como comprar e vender,
guerrear, etc.. Uma casa é uma comunidade constituída,
segundo a natureza, com uma ordenação aos atos cotidianos (5).
A primeira comunidade entre várias casas chamou-se
aldeia. Ela difere de uma casa porque os aldeões não se
comunicam pelos atos cotidianos que são próprios de uma casa,
mas por aqueles atos externos que não são cotidianos (6).
A aldeia é uma comunidade manifestamente natural.
Ela, de fato, se origina quando de uma casa procedem muitos
filhos e netos que, multiplicando-se, instituem diversas
casas próximas umas às outras. De onde que, como a
multiplicação da prole é algo que pertence à natureza, segue-
se que a comunidade aldeã é algo que também pertence à
natureza (7).
Na antiguidade, diz Aristóteles, os homens habitavam
dispersos por aldeias, sem se congregarem em alguma
sociedade. Sinal de que foi a multiplicação da prole que
formou as primeiras aldeias é o fato de que no início, ainda
segundo Aristóteles, todas as cidades eram governadas por
reis, assim como toda casa é governada por alguém
antiquíssimo, e assim como os filhos são governados pelos
pais; Homero, o poeta mais antigo dos gregos, também afirma
em seus versos que cada um instituíu leis à sua esposa e aos
seus filhos como um rei na cidade. Assim, o regime real nas
cidades proveio de um regime mais antigo na casa ou na
aldeia (8).
Assim como uma aldeia compõe-se de muitas casas,
assim a cidade constitui-se de muitas aldeias.A cidade é uma
comunidade perfeita, pois ela se ordena a que o homem tenha
suficientemente tudo o que é necessário à vida. Na cidade
encontra-se tudo o que é necessário à vida humana, pelo que
se compõe de muitas aldeias, em uma das quais exerce-se a
arte fabril, em outra a arte têxtil, e assim por diante. No
início a cidade constituiu-se apenas para que os homens
encontrassem nela suficientemente com o que pudessem
viver;mas na medida em que pelas leis da cidade a vida do
homem passou a ordenar-se à virtude, dela proveio que os
homens na cidade não apenas vivessem, mas também passassem a
viver bem (9).
A cidade também pertence às coisas da natureza,
pois o fim das coisas naturais é a natureza delas. Ora, a
cidade é o fim das comunidades já mencionadas, das quais
mostrou-se todas pertencerem à natureza; portanto, a cidade
pertence às coisas da natureza (10).
Do caráter natural da cidade infere-se que o homem
é por natureza um animal político, pois a cidade não é senão
uma comunidade de homens; sendo ela parte das coisas da
natureza, o homem também será por natureza um animal
político. Aquele que por natureza e não pelo acaso deixa de
viver em sociedade é ou um ser vil, corrompido em sua
natureza humana, ou alguém superior ao homem, possuidor de
uma natureza mais perfeita do que o comum dos homens (11).
De tudo isto conclui-se que em todos os homens há uma
inclinação natural à comunidade civil assim como às virtudes.
Assim, porém, como as virtudes são adquiridas pelo exercício,
conforme afirma o II da Ética, assim também as cidades foram
instituídas pelo trabalho humano. Aquele que, portanto, por
primeiro instituiu a cidade foi causa para os homens de bens
máximos. De fato, o homem é o melhor dos animais se nele se
aperfeiçoam as virtudes às quais possui inclinação natural.
Mas se vive sem lei e justiça, o homem se torna o pior de
todos os animais, pois a injustiça é tanto pior quanto maior
for o número de suas armas e de instrumentos para a
execução do mal. De fato, ao homem convém por sua natureza
a prudência e a virtude que de si se ordenam ao bem; mas
quando o homem é mau, usa delas como de armas para a execução
do mal. O homem sem virtude, quanto à corrupção da potência
irascível torna-se maximamente cruel e selvagem; quanto à
corrupção da potência concupiscível torna-se péssimo na busca
do prazer venéreo e na voracidade dos alimentos. Mas o homem
pode ser reduzido à justiça pela ordem da cidade, de onde
fica manifesto que aquele que instituiu a cidade livrou os
homens que se tornassem péssimos e possibilitou-lhes que se
tornassem ótimos segundo a justiça e as virtudes (12).
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