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Com o que expusemos até o momento será impossível
manifestar tudo aquilo que está implicado no conteúdo do termo sabedoria
de que Aristóteles e Santo Tomás se utilizam. O que vamos fazer será
apenas oferecer uma explicação inicial, que irá depois se enriquecer ao
longo deste trabalho.
Segundo S. Tomás há cinco hábitos principais que
aperfeiçoam as operações da inteligência; são chamados virtudes
intelectuais. Um deles é a sabedoria. Os restantes são a arte e a
prudência, o intelecto e a ciência (74).
A arte e a prudência aperfeiçoam as operações da
inteligência que dizem respeito às coisas contingentes, isto é, àquelas
coisas que não são necessárias. Contingentes são, portanto, todas
aquelas coisas que são mas que poderia ter ocorrido também que não
fossem. Dentre as coisas contingentes, a arte diz respeito às operações
que transitam à matéria exterior para formar algo a partir dela, como
edificar, esculpir, pintar, curar, etc. (75); já a prudência tem como
objeto as ações humanas que permanecem no próprio agente, como ver,
inteligir e querer (76).
O caso do intelecto, da ciência e da sabedoria é bem
diverso. Estas virtudes aperfeiçoam a inteligência acerca das coisas
necessárias.
O intelecto que S. Tomás coloca entre as virtudes
intelectuais deve ser distinguido com cuidado da própria potência
intelectiva que S. Tomás chama freqüentemente também de intelecto. Ambas
estas coisas têm o mesmo nome, mas a primeira é apenas uma virtude da
inteligência, enquanto que a segunda é a própria inteligência.
O intelecto como virtude intelectual é aquele hábito pelo
qual o homem percebe a evidência dos primeiros princípios das
demonstrações, tal como o princípio da não contradição, que diz que
"é impossível que algo
simultaneamente seja e não seja
uma mesma coisa" (77).
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Princípios como este e outros não podem ser demonstrados; ao
contrário, são pressupostos por todas as demonstrações, e sua evidência
só pode ser percebida de modo imediato pela virtude à qual Tomás chama
de intelecto.
A ciência é um conhecimento certo de coisas que são
necessárias por natureza (78). Não existe ciência do contingente, porque
do contingente só pode haver certeza enquanto estiver sendo apreendido
pelo sentido (79).
A ciência é um conhecimento obtido através das causas (80),
adquirido por modo de conclusão através de demonstração (81).
Pode haver ciência de coisas submetidas à geração e
corrupção, como as ciências da natureza, mas quando isto ocorre, se dá
não pelo que há de contingente nelas, mas segundo razões universais que
são por necessidade e sempre (82).
Descrevemos, assim, rapidamente, o que são as cinco
virtudes intelectuais, com exceção da sabedoria. Para entender o que
seja esta, será necessário ressaltar antes algumas distinções a respeito
do que já foi dito.
O intelecto, a ciência e a sabedoria dizem respeito a
coisas necessárias. São, por causa disso, conhecimentos da inteligência
especulativa, por oposição à inteligência prática, que diz respeito às
coisas contingentes.
Dentre as três virtudes intelectuais que dizem respeito à
inteligência especulativa, o intelecto tem por objeto coisas cuja
evidência é imediata; são os primeiros princípios das demonstrações, que
só podem ser conhecidos em si mesmo, sem possibilidade eles próprios de
serem demonstrados.
Já a evidência da ciência não é imediata; a ciência é uma
forma de conhecimento que parte do conhecimento das causas e, através de
demonstração, chega às conclusões que a constituem.
Ora, no Comentário à Metafísica Santo Tomás diz que existe
naturalmente em todo homem o desejo de conhecer (83).
A razão é que qualquer ente aspira naturalmente à sua
perfeição (84). Nos seres inteligentes isso ocorre porque a perfeição que
se segue à sua própria forma é apreendida por eles como bem, e o bem é o
objeto próprio da vontade, naturalmente apetecido por ela. Portanto,
todo ser inteligente aspira à sua perfeição como ao seu próprio bem.
Ora, a perfeição que se segue à forma própria do homem é o
inteligir, porque a cada forma se segue uma operação própria que é sua
perfeição e, segundo o Comentário à Metafísica,
"A operação própria
do homem enquanto homem
é inteligir,
já que é por isto
que difere de todos os demais.
Portanto, todo homem
é naturalmente inclinado a inteligir e,
por conseqüência,
a conhecer" (85).
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Ademais, diz ainda o Comentário à Metafísica que
"se a inteligência,
considerada em si mesma,
é algo que está em potência para com todas as coisas,
e não se reduz ao ato senão pelo conhecimento,
deve-se então concluir
que todo homem deseja naturalmente o conhecimento
assim como a própria matéria (apetece) a forma" (86).
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Existem, porém, modos diferentes de conhecer.
Há os que conhecem apenas a coisa; há os que, além de
conhecer a coisa, conhecem também a sua causa. O
Comentário à Metafísica
faz uma distinção entre estes modos de conhecimento:
"Aqueles que conhecem a causa",
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diz o Comentário,
"são mais sábios do que aqueles
que ignoram a causa
e conhecem apenas a coisa" (87).
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Destas palavras deve-se concluir, portanto, que o conhecimento pela
causa, como uma forma mais elevada de conhecer, é mais desejável pelo
homem do que o conhecimento que é apenas pela experiência da coisa sem o
conhecer da causa:
"Existe, portanto, em todos os homens,
o desejo de conhecer as causas
das coisas que vêem;
daí nasceu a Filosofia,
pois pela admiração das coisas
que os homens viam,
cuja causa lhes era oculta,
foi que os homens começaram a filosofar
pela primeira vez;
e, ao encontrarem as causas,
repousavam.
Mas a investigação não cessaria
até que encontrassem
a primeira de todas as causas,
pois só então julgamos conhecer perfeitamente,
quando encontramos a primeira de todas as causas.
O homem, portanto, deseja conhecer por natureza
a primeira causa de todas as coisas
como um fim último" (88).
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Existe, porém, uma causa última de todas as coisas?
Se existir, haverá então um conhecimento, uma ciência, mais
elevada do que todas as outras; será a ciência cujo objeto for esta
causa. Se não existir, não haverá uma ciência mais elevada do que todas
as demais.
No livro II da Metafísica Aristóteles tratou do problema da
existência de uma causa última tendo em vista a questão de se determinar
se poderia existir uma ciência mais elevada entre todas. Ele afirma que
não pode haver uma sucessão infinita de causas, tanto na linha da
causalidade material, como na da formal, na da eficiente, e na
da final. (Sobre o significado destes modos de causalidade, o leitor poderá
consultar o Apêndice a este capítulo). No caso das causas eficientes, Aristóteles
diz o seguinte:
"Se as causas moventes procedem até o infinito,
não haveria uma primeira causa.
Mas a causa primeira seria causa de todas as demais.
Seguir-se-ia, por esta razão,
que todas as demais não existiriam,
pois retirada a causa retiram-se também
as coisas da qual ela é causa" (89).
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Deve haver, portanto, causas primeiras, causas de todas as causas.
É a este conhecimento das causas primeiras que se dá o nome
de sabedoria, pois se os que conhecem as causas são mais sábios do que
os que conhecem a coisa mas ignoram a causa (90), aqueles que conhecem as
causas primeiras são mais sábios do que os que conhecem as causas
segundas: são, simplesmente falando, sábios.
O objeto da sabedoria, pois, são
"as causas maximamente universais e primeiras;
ela especula sobre os primeiros princípios
e as primeiras causas" (91).
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Ora, veremos mais adiante neste trabalho que, à medida em
que se procede à investigação dos fenômenos da natureza buscando suas
causas e buscando nestas as primeiras que são causas de todas as demais,
acaba-se por se chegar à descoberta de que existe um ser imaterial,
inteligente, situado além da ordem da natureza, que é a causa do ser de
todas as coisas. Como se pode chegar a esta conclusão é algo que será
tratado num capítulo posterior deste trabalho; por ora devemos dizer que
as características que podem ser deduzidas como pertencentes a este ser
coincidem com grande parte dos atributos que os homens costumam conferir
ao ser que chamam Deus. Pode-se assim chegar, pelo trabalho da
inteligência, à descoberta de que a causa primeira de todos
os entes é Deus. Neste sentido, pode-se dizer também que Deus é o objeto
da sabedoria, na medida em que é a causa do ser de todas as coisas.
O conhecimento, entretanto, que a sabedoria alcança de Deus
é muito diferente do conhecimento que comumente as pessoas têm de Deus.
"Existe um conhecimento confuso de Deus
comum a todas as pessoas" (92),
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diz Tomás de Aquino.
"Todos os homens pela razão natural
podem alcançar de modo imediato
um certo conhecimento da existência de Deus.
Isto ocorre porque vendo os homens
as coisas da natureza ocorrerem
segundo uma determinada ordem,
não havendo ordem sem ordenador,
percebem em sua maioria dever existir algum ordenador
das coisas que vemos ao nosso redor.
Quem é, como é ou se é um só
este ordenador da natureza
já não é algo que possa pelos homens
ser tão imediatamente percebido" (93).
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Todavia, não é este o conhecimento da causa primeira que advém da
sabedoria. A sabedoria, conforme vimos, é o fim de todos os atos
humanos. Mas este conhecimento geral que todos os homens têm de Deus não
necessita da ordenação de todos os atos humanos como a um fim. Ao
contrário, diz Tomás,
"ele existe nos homens
já desde o princípio" (94).
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A sabedoria, portanto, não pode consistir neste modo de
conhecimento de Deus.
Ademais, continua S. Tomás, ninguém pode ser repreendido
por não ser feliz, o que advém da contemplação da sabedoria; pois na
verdade,
"os que carecem de sabedoria,
mas a buscam,
já são dignos de louvor" (95).
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Todavia, pelo fato de que alguém careça deste
conhecimento de Deus que é comum a todos
os homens, torna-se digno de repreensão, pois de fato seria estulto o
homem que não percebesse sinais tão manifestos de Deus como estes
continuamente presentes diante de todos os homens; por isso, continua
Tomás, é que a Sagrada Escritura diz no Salmo 52:
"disse o estulto em seu coração:
não há Deus".
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Portanto, o conhecimento de Deus que advém pela sabedoria é muito
distinto do conhecimento comum que a maioria dos homens têm de
Deus (96).
Na verdade, continua Tomás, o conhecimento de Deus que
provém da sabedoria é o mais elevado grau de conhecimento que os homens
podem alcançar; para que
"a inteligência humana possa investigar
a Deus pela sabedoria
é necessário conhecer muitas outras coisas antes,
pois praticamente todos os conhecimentos filosóficos
se ordenam a este modo de conhecimento de Deus.
É por isto que a sabedoria,
que diz respeito à causa primeira que é Deus,
deve ser a última das partes da Filosofia a ser aprendida" (97).
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Ora, conforme veremos, a sabedoria irá mostrar que há um
ser imaterial, inteligente, que é a causa primeira do ser de todas as
coisas. Para poder prosseguir em nossa exposição, devemos expor algo do
sentido desta afirmação. O que significa existir um ser que é causa
primeira do ser de todas as coisas?
A Lei de Lavoisier diz que na natureza nada se cria e nada
se destrói; tudo apenas se transforma. Não podemos destruir a matéria,
podemos transformá-la em outra substância ou mesmo em energia, mas
aquela quantidade de matéria ou energia será indestrutível. Jamais foi
observado nos laboratórios o desaparecimento puro e simples de sequer
uma partícula elementar; jamais coisa alguma foi vista voltando ao nada
ou vindo do nada. Por que isto? Por que as coisas existem e não
desaparecem simplesmente? Por que todo o Universo repentinamente não
pode deixar de existir e voltar ao nada? Qual é a força
ou o princípio que sustenta todo este
cosmos em sua existência? Esta pergunta, assim formulada, é uma pergunta
pela causa do ser das coisas; as ciências modernas não tem para ela
qualquer resposta. A razão, segundo a sabedoria, é que a causa deste
fenômeno está para além do mundo físico, para além do que pode ser
medido pelos instrumentos. Existe uma causa, mostrará a sabedoria, para
além do mundo físico, que é causa do ser de todas as coisas porque ela é
ser num sentido que não coincide totalmente com o sentido em que todas
as demais coisas são seres; ela possui esta característica, o ser, num
grau mais elevado do que todos os demais entes.
É preciso chamar a atenção para esta afirmação, tão simples
em seu enunciado, que poderia fazer com que toda a riqueza de seu
significado passasse desapercebida em uma primeira leitura.
Todos entendem facilmente que algo pode ser mais quente ou
menos quente, mais luminoso ou menos luminoso, mas como algo pode ser
mais ser do que outro? À primeira vista, ou uma coisa é ou não é; não
existe ser mais e ser menos.
Para entender isto é preciso considerar que para algo ser
causa de um efeito de modo próprio é preciso que possua a qualidade
causada de modo mais excelente do que no efeito. O fogo é mais quente do
que aquilo que ele aquece; o Sol é mais luminoso do que o objeto que
reflete a sua luz; e assim sucessivamente. Assim como o Sol tem um calor
muito mais intenso do que os objetos que ele aquece de que fazemos uso
em nossa vida, e o calor dos objetos não é senão um possuir em parte
aquilo que o Sol tem em plenitude, -uma participação, diria S. Tomás-,
assim também a sabedoria irá mostrar que o ser das coisas que vemos à
nossa volta não é senão um ser em parte aquilo que é ser inteiramente
para a causa primeira de todas elas.
O ser da causa primeira é tão intenso que pode causar o ser
de todos os demais seres; o ser de todas as demais coisas é tão débil
que não pode causar nem o ser nem a destruição do ser de nenhum outro
ser. Assim como o Sol por sua essência irradia luz e calor sobre toda a
superfície da terra, assim a causa primeira é um Sol de ser, e irradia
ser por todos os demais seres.
É por isso que o Universo não retorna repentinamente ao
nada; é a mesma razão pelo qual a terra não cai repentinamente na
escuridão total para sempre: há um Sol que a ilumina sem cessar.
Vemos, assim, que ao contrário do que poderia parecer num
primeiro exame, o ser é algo que possui gradação.
Um ente não pode apenas ser ou não ser; ele pode também ser
mais ser do que outro.
A causa primeira não é causada; tem seu ser
necessariamente, assim como o fogo que não precisa ser aquecido;
ademais, seu ser é tanto que pode causar o ser de todas as demais
coisas; o ser das demais coisas é tão débil que não pode causar o ser de
mais nada.
Este fenômeno, objeto de estudo da sabedoria, de que há uma
gradação do ser das coisas em seu próprio ato de ser, é o que se chama
de analogia dos entes.
Analogia dos entes significa que os entes não são ser no
mesmo sentido; as coisas da natureza possuem uma parte do ser que a
causa primeira tem inteiramente: elas não são ser no mesmo sentido em
que o é a causa primeira, mas também não o são em um sentido totalmente
diverso. Elas o são apenas em parte. Ora, quando várias coisas são ditas
seres em sentidos nem totalmente idênticos nem totalmente diversos, mas
uma tendo uma parte do que a outra tem plenamente, elas são ditas
análogas. Daí este fenômeno chamar-se analogia dos entes.
O fenômeno da analogia dos entes, porém, não se dá apenas
entre a causa primeira e os demais entes.
Existe uma analogia entre os entes também dentro da
natureza. Há também, dentro da natureza, seres que são mais seres do que
outros, não por terem qualidades anexas que sejam mais ou menos
perfeitas, mas em si próprios enquanto seres.
Pode-se constatar isto ao perceber que os seres que se
observam na natureza podem ser divididos em substâncias e acidentes.
Substâncias são todos aqueles entes que existem por si sós; acidentes
são todos aqueles que não existem por si sós, mas em outros. Assim, um
homem é dito substância, uma mesa é dita substância; mas uma qualidade,
como a brancura ou a temperatura, é dita acidente, porque só pode
existir em uma substância. É evidente que ambos, isto é, substâncias e
acidentes, são seres; mas é claro também que os acidentes têm um ser
mais débil do que as substâncias.
O fenômeno da analogia, porém, não se verifica apenas entre
a causa primeira e os demais entes, e , nos demais entes, entre as
substâncias e os acidentes.Em uma abordagem que faremos em pequena parte
em outro capítulo, pode-se mostrar que entre os acidentes há alguns que
tem o ser mais débil do que outros e que nas substâncias também há
algumas que tem ser mais débil do que outras; tudo isto, pode-se
mostrar, em uma gradação de um impressionante multicolorido até chegar à
própria matéria primeira de que são feitos todos os corpos, um ser
totalmente indeterminado e puramente potencial, que é o último grau do
ser antes do nada. (Sobre a natureza da matéria primeira e da causalidade
material, o leitor poderá consultar, no fim deste capítulo, o Apêndice
sobre teoria da causalidade).
O que se depreende de tudo isto é que a causa primeira, ao
causar o cosmos, pintou um quadro em que se encontram todas as
tonalidades do ser. Esta tonalização completa do ser é efeito próprio da
causa primeira. Portanto, se a sabedoria tem por objeto de estudo a
causa primeira, terá, então, por conseqüência, por objeto também o ser
das coisas.
Conclui-se, assim, que o objeto da sabedoria não é apenas a
causa primeira do ser de todas as coisas. O ser de todas as coisas,
enquanto tal, será também objeto da sabedoria; será o seu segundo
objeto. Na filosofia de S. Tomás isto é afirmado ao dizer-se que o
objeto da sabedoria é não apenas a causa primeira, mas também o ser
enquanto ser, ou o ente enquanto ente:
"Diz-se que a sabedoria se refere
ao `ente enquanto ente'
porque todas as ciências consideram o ente,
pois qualquer sujeito de qualquer ciência
tem que ser um ente,
mas não o consideram enquanto ente,
mas enquanto tal ou qual tipo de ente" (98),
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isto é, enquanto ser vivo, enquanto ser passível de sofrer uma reação
química, enquanto ser geometricamente mensurável, etc..
A única ciência que considera os entes enquanto entes é a
sabedoria.
Existe todavia, diz Santo Tomás, ainda um terceiro objeto
de consideração da sabedoria.
Este terceiro objeto de consideração da sabedoria são os
primeiros princípios das demonstrações, tais como o princípio da não
contradição que diz ser impossível que algo simultaneamente seja e não
seja uma mesma coisa (99).
Ora, mas como é possível que estes princípios sejam objeto
de consideração da sabedoria? Pois já vimos que
princípios como este são objeto da virtude do intelecto, e não da
sabedoria. É à virtude do intelecto, que existe nos homens de modo
imediato, que cabe fazer ver a evidência destes princípios.
Além disso, se alguma outra ciência, diz S. Tomás, devesse
também tratar dos primeiros princípios da demonstração,
"mais pareceria que deveriam ser
as ciências matemáticas,
que são as que mais manifestamente
utilizam estes princípios conhecidos por si próprios,
reduzindo todas as suas demonstrações
a estes princípios".
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Por que então deveriam ser objeto de estudo da sabedoria?
A razão dos primeiros princípios das demonstrações serem
também objeto de consideração da sabedoria é que, por um curioso
fenômeno, embora tais princípios sejam princípios que pertencem ao mundo
da razão, embora sejam princípios de lógica e o próprio nome que se lhes
dá afirma isso, pois são ditos primeiros princípios da demonstração e a
demonstração é uma atividade lógica, a qual é por sua vez uma operação
da razão humana, apesar de tudo isso, porém, por algum motivo, tais
princípios são obedecidos não apenas pela razão humana quando raciocina,
mas também por todos os entes do universo, mesmo os desprovidos de
razão.
Quando nós raciocinamos e mediante o raciocínio chegamos à
conclusão que algo é e não é simultaneamente uma mesma coisa nós não
dizemos apenas:
Nós dizemos também :
Ao dizer que isto não existe estamos passando de um julgamento sobre o
mundo da razão para um julgamento sobre o mundo real. E, de fato, parece
que temos o direito de fazermos isto, pois jamais consta ter-se visto
existir algo que fosse e não fosse simultaneamente uma mesma coisa.
Ora, mas como pode ser isto, se estes princípios são apenas
uma lei da inteligência?
Por que as coisas desprovidas de inteligência devem e
parecem estar obrigadas a seguir uma lei que é lei da inteligência? E
não é só isto: todos os seres parecem seguir esta lei não por alguma
qualidade que se lhes acrescenta, mas apenas pelo fato de serem.
Assim, pois, os primeiros princípios das demonstrações
parecem não ser leis apenas da razão, mas também propriedades dos seres
enquanto seres.
Ora, se o objeto da sabedoria não é apenas a causa
primeira, mas também o ser enquanto tal como conseqüência de ter por
objeto a causa primeira; segue-se também que ela deverá considerar os
primeiros princípios das demonstrações, como conseqüência de ter como
objeto o ser enquanto ser, não para demonstrá-los, mas para explicar
porque são obedecidos pelo ente enquanto tal.
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