X.20.

Conclusão.

Santo Tomás de Aquino também possuía uma elevada concepção do ensino. Notável é a este respeito a passagem da Summa em que ele comenta a profecia de Daniel segundo a qual, no fim dos tempos,

"Os sábios resplandecerão
como o fulgor do firmamento,
e os que tiverem ensinado
a muitos para a justiça
serão como estrelas,
para sempre, eternamente".

Esta profecia nos fala de um prêmio muito especial que será dado àqueles que tiverem ensinado a muitos para a justiça. Já vimos que a palavra justiça no Antigo Testamento significa o mesmo que santidade. Aqueles que, ensinando, tiverem levado a muitos para a santidade, diz Daniel, no fim dos tempos brilharão como estrelas, para sempre, eternamente.

O que significa precisamente esta promessa?

Diz Tomás de Aquino que Deus, sendo causa do ser de todos os entes e conhecendo-se a si próprio perfeitamente, conhece, justamente por causa disso, perfeitamente também a todos os entes tal como os efeitos são conhecidos conhecida a sua causa.

Há, porém, a este respeito, dois tipos de entes.

Temos, em primeiro lugar, os entes que existem, existiram ou existirão de fato no presente, no passado ou no futuro, porque Deus os criou ou os haverá de criar algum dia.

Temos, em segundo lugar, toda a multidão infinita de seres possíveis que Deus poderia ter criado mas que, de fato, jamais criará, porque a potência de Deus é infinita e, por outro lado, é impossível existir um número infinito de entes finitos em ato; no Comentário à Física Tomás afirma que um número infinito de entes somente pode existir em potência, nunca em ato. Deus, porém, na medida em que se conhece perfeitissimamente, embora não crie o número infinito de criaturas que Ele poderia criar, conhece-as, todavia, por se conhecer perfeitissimamente a si mesmo.

O conhecimento que Deus possui de todas as suas criaturas que de fato foram, são ou serão, é chamado de ciência ou notícia de visão (153) porque, à semelhança da visão corporal, Deus as conhece como algo presente.

O conhecimento, porém, pelo qual Deus conhece, vendo a sua essência, tudo aquilo que pode fazer, embora nunca o tenha feito nem jamais o fará é dito ciência ou notícia de simples inteligência (154).

A notícia de simples inteligência é infinitamente maior do que a notícia de visão, pois para a notícia de simples inteligência é necessário esgotar perfeitamente todas as possibilidades da potência divina, que é infinita; não é este o caso, porém, para a notícia de visão.

Ora, os santos e os anjos que no paraíso vêem a Deus diretamente em sua essência, vêem também nesta essência as coisas que Deus produziu, e vêem tanto maior número delas quanto mais perfeitamente vêem a essência divina, tal como aqueles que quanto mais perfeitamente conhecem um princípio de demonstração através dele enxergam um maior número de conclusões do que aqueles que, possuindo um intelecto mais tardo, não compreendem perfeitamente aquele mesmo princípio (155).

É impossível, porém, para qualquer criatura, ainda que vejam diretamente a essência divina, verem nela tudo aquilo que Deus vê segundo a notícia de simples inteligência; se isto fosse possível, diz Tomás de Aquino, isto significaria que haveria naquela criatura a mesma quantidade de perfeição no inteligir a essência divina quanta é a quantidade da potência divina na produção de seus efeitos, o que significaria algo inteiramente impossível a qualquer criatura, isto é, abarcar inteiramente a essência divina (156).

Diferente é o caso, entretanto, da notícia de visão. A notícia de visão está infinitamente aquém de esgotar todas as possibilidades da potência divina; nada impede, portanto, que alguma inteligência criada possa vir a conhecer tão perfeitamente a essência divina que não possa ver nela tudo aquilo que Deus também vê pela notícia de visão. É o caso da alma de Cristo, que de fato conhece no Verbo tudo quanto Deus conhece pela notícia de visão. Em seguida à alma de Cristo, continua Tomás de Aquino, cada uma das inteligências que vêem a Deus tanto mais coisas vêem em sua essência quanto mais claramente apreendem a essência divina (157).

Entretanto,

"após o Juízo Final,
quando a glória dos homens e dos anjos
estiver completamente consumada,
todos os bem aventurados conhecerão tudo aquilo
que Deus conhece pela ciência de visão,
mas de modo que nem todos verão a tudo
diretamente na essência divina.

A alma de Cristo verá na essência divina a tudo,
assim como já agora o vê.

Os demais verão na essência divina mais ou menos
segundo o grau com que conhecerem a Deus".

Os que vêem mais, porém, iluminarão aos que vêem menos, de tal maneira que todos alcancem a ciência de visão.

"Assim, a alma de Cristo iluminará todas as outras
quanto às coisas que vê no Verbo além de todas as outras.
Por isso é que se lê no Apocalipse que

`A claridade de Deus iluminará
a cidade dos bem aventurados,
e a sua lâmpada será o Cordeiro'.

Apoc. 21, 23

De modo semelhante,
os que forem superiores iluminarão
os que forem inferiores,
não por uma nova iluminação,
de modo que a ciência dos inferiores
seja aumentada (para além da que recebem do Cristo),
mas por uma certa continuação daquela iluminação,
tal como ocorre com o Sol,
que quando se põe,
ilumina (com suas cores) todo o firmamento.

É por isso, pois, que disse
o profeta Daniel que

`no fim dos tempos
os sábios resplandecerão
como o fulgor do firmamento,
e os que tiverem ensinado
a muitos para a justiça
serão como estrelas
para sempre, eternamente'"
(158).

Conclui-se, deste modo, que segundo S. Tomás de Aquino a profecia de Daniel significa que diante de Deus ensinar é algo tão sublime que o Ele próprio concederá no Paraíso que os santos que ensinaram continuem sendo, por toda a eternidade, aquilo que, de fato, através do Cristo, já tinham sido na terra.

São Paulo, dezembro de 1992.


  • Referências Bibliográficas


Referências

(153) Summa Theologiae, Supp. Q.92 a.3.
(154) Idem, loc. cit..
(155) Idem, loc. cit..
(156) Idem, loc. cit..
(157) Idem, loc. cit..
(158) Idem, loc. cit..