X.15.

O dom de sabedoria e a sétima bem aventurança.

Segundo se encontra nas obras de Aristóteles e segundo o modo comum de entender dos homens em todos os tempos, sabedoria é um conhecimento, não um conhecimento qualquer, mas o mais elevado conhecimento possível. É a ela também que se associam as formas mais elevadas de contemplação; de onde que, pelo dom de sabedoria, o Espírito Santo nos move ao mais elevado conhecimento possível ao homem e à mais elevada forma de vida contemplativa que o homem pode alcançar.

É assim que S. Tomás descreve o que seja o dom de sabedoria:

"Segundo diz o Filósofo
no princípio da Metafísica,
pertence ao sábio a consideração
da mais alta de todas as causas,
pelo qual pode julgar de modo certíssimo
de todas as coisas,
e segundo a qual pode ordenar a tudo.

Aquele, pois,
que conhece a mais elevada
de todas as causas, que é Deus,
é dito sábio na medida em que,
pelas regras divinas,
pode julgar e ordenar a tudo.

Este julgamento se segue ao homem
pelo Espírito Santo,
segundo diz a Epístola aos Coríntios:

`O homem espiritual
julga a todas as coisas',

I Cor. 2, 15

e também:

`O Espírito sonda
a todas as coisas,
até mesmo as profundidades de Deus'.

I Cor. 2, 10

De onde que esta sabedoria
é dom do Espírito Santo"
(102).

Ocorre, porém, que na Santíssima Trindade, a segunda pessoa, que é o Filho, é dita sabedoria de Deus:

"O Filho de Deus
é o Verbo e a concepção de Deus
que intelige a si próprio.

Deus, porém, não conhece a si mesmo
mediante alguma espécie inteligível,
mas mediante sua própria essência,
porque o seu próprio inteligir
é a sua própria essência;
portanto, a sabedoria de Deus
não pode ser nEle um hábito,
mas a própria essência divina.

Segue-se, portanto,
que o Verbo de Deus,
(que também é Deus),
seja dito a sabedoria gerada de Deus,
conforme as palavras do apóstolo
que chama a Cristo de Sabedoria de Deus (I Cor. 24)"
(103).

Portanto, aqueles que recebem o dom de sabedoria mediante o Espírito Santo, diz S. Tomás de Aquino, são de modo próprio ditos filhos de Deus, conforme afirma a sétima bem aventurança:

"São ditos filhos de Deus
na medida em que participam
da semelhança do Filho de Deus unigênito e natural,
segundo a palavra do Apóstolo:

`Na sua presciência os predestinou
para serem conformes à imagem
do seu Filho',

Rom. 8, 29

o qual é",

diz Tomás de Aquino,

"a Sabedoria gerada.
Por isso,
ao receber o dom de sabedoria,
o homem alcança a filiação divina"
(104).

No Comentário ao Livro das Sentenças S. Tomás faz uma afirmação genérica a respeito dos dons do Espírito Santo que vale de modo especial para o dom da sabedoria, o qual, além de ser o mais elevado de todos os dons, quando principia a operar de modo mais manifesto no homem, todos os demais alcançam também a sua excelência; esta passagem apresenta muita semelhança com a anterior, na qual Tomás fala que, pelo dom da sabedoria, o homem alcança a filiação divina:

"Como os dons do Espírito Santo
se destinam a operar acima do modo humano,
é necessário que suas operações sejam medidas
de acordo com outra regra
além da regra da virtude humana.
Esta regra é a própria divindade participada
pelo homem ao seu modo,
de maneira que o homem opere
já não mais humanamente,
mas como que tornado Deus por participação"
(105).

No mesmo Comentário às Sentenças S. Tomás afirma que ao dom de sabedoria corresponde um modo de contemplação mais sublime do que o produzido pelo dom de entendimento:

"De fato, o dom de sabedoria
produz uma contemplação deiforme,
e de certo modo explícita,
dos artigos que a fé contém de certo modo
envolvida sob um modo humano"
(106).

Porém, ao mesmo tempo, S. Tomás afirma que pelo dom de sabedoria o Espírito Santo produz esta contemplação deiforme não agindo sobre a inteligência, mas agindo sobre a caridade, sobre elevando o seu modo próprio de amar a Deus:

"Conforme explicamos,
a sabedoria importa
numa certa retidão de julgamento
segundo as razões divinas.

Ora, a retidão do julgamento
pode ocorrer de duas maneiras.

De um primeiro modo,
segundo o perfeito uso da razão;
de outro modo,
por causa de uma certa conaturalidade
às coisas às quais deve julgar.

Assim, julga corretamente das coisas
que pertencem à castidade
aquele que conhece a ciência moral;
mas por uma certa conaturalidade às mesmas
julga também aquele
que possui o hábito da castidade.

Do mesmo modo,
acerca das coisas divinas,
o julgamento correto
por meio da investigação da razão
pertence à sabedoria que é virtude intelectual;
mas possuir o correto julgamento das mesmas
segundo uma certa conaturalidade
pertence à sabedoria
na medida em que é dom do Espírito Santo.
É assim que Dionísio Areopagita afirma,
no Livro dos Nomes Divinos,
que Hieroteu é perfeito nas coisas divinas
não apenas por tê-las aprendido,
mas também por tê-las padecido.

Ora, este padecimento ou conaturalidade
às coisas divinas se realiza pela caridade,
que nos une a Deus,
segundo a sentença do Apóstolo:

`Aquele que se une ao Senhor,
constitui, com Ele,
um só espírito'.

I Cor. 6, 17

Assim, portanto,
a sabedoria que é dom do Espírito Santo
possui sua causa na vontade,
isto é, na caridade,
embora sua essência esteja no intelecto"
(107).

A mesma coisa Tomás já dizia no Comentário ao Livro das Sentenças:

"Assim como foi dito,
o dom de sabedoria possui uma eminência de conhecimento
por uma certa união às coisas divinas,
às quais não nos unimos a não ser pelo amor,
de tal modo que aquele que adere a Deus
se torne um só espírito com Ele,
conforme diz o Apóstolo
na primeira Epístola aos Corintios 6, 17.
De onde que o Senhor, em Jo. 15, 15,
diz ter revelado os segredos do Pai aos discípulos
porque eram eles amigos.
E por isso o dom de sabedoria
pressupõe o amor como um princípio,
de tal modo que reside no afeto,
embora quanto à essência esteja no conhecimento"
(108).

Desta maneira vemos que encontra-se descrita nas obras de S. Tomás de Aquino uma forma superior de contemplação, à qual ele chama de "deiforme", que "possui uma eminência de conhecimento pela união do homem às coisas divinas que se produz pelo amor", "pela qual o homem opera como que feito Deus por participação", e também "pela qual o homem alcança a filiação divina", e que, embora esteja na inteligência, procede em sua causa não do próprio trabalho da inteligência, mas inteiramente da caridade movida pelo Espírito Santo, "para além do modo humano".

É a este modo de contemplação que se refere propriamente Isaías quando, conforme uma citação já anteriormente feita, diz

"Buscai o Senhor,
enquanto Ele se deixa encontrar;
invocai-O,
enquanto Ele está perto.

Afaste-se o ímpio de seus caminhos,
e o iníquo de seus pensamentos,
e volte ao Senhor,
e Ele se compadecerá dele,
e ao nosso Deus,
pois é generoso no perdoar.

Porque os meus pensamentos
não são os vossos pensamentos;

nem os vossos caminhos
são os meus caminhos,

diz o Senhor.

Quanto o céu supera em elevação a terra,
tanto se elevam os meus caminhos
acima dos vossos,
e os meus pensamentos
acima dos vossos".

Isaias 55, 6-9

Trata-se, efetivamente, de um modo de conhecimento que supera muitíssimo o comum modo de conhecimento dos homens, cuja possibilidade só com imensa dificuldade pode por eles ser avaliada; de fato, ele procede, e por isto mesmo, está além, de uma vivência tão eminente da caridade que, já em si mesma, só muito dificilmente pode ser concebida pelos homens. Esta contemplação de que fala S. Tomás de Aquino é aquela a que o Cristo se referia quando falava da verdade (Jo. 8, 31).

Antes de explicarmos mais claramente o que isto significa, cabe fazer uma pergunta: por que existe este modo de conhecimento? Isto é, quais são os seus pressupostos metafísicos últimos, tais como no capítulo VIII deste trabalho expusemos os pressupostos metafísicos da contemplação descrita nos Comentários a Aristóteles? Pensamos que, para a pura filosofia, as raízes profundas desta possibilidade são um mistério insolúvel; os pressupostos metafísicos deste modo de contemplação estão para além das possibilidades explicativas de uma Metafísica tal como está exposta nas obras de Aristóteles; os pressupostos metafísicos deste modo de contemplação estão mesmo para além das possibilidades do alcance da inteligência humana deixada a si mesma; eles têm suas raízes na profundidade do mistério da Trindade, sobre o qual, porém, será impossível nos estendermos neste trabalho.

Passemos adiante.



Referências

(102) Summa Theologiae, IIa IIae, Q.45 a.1.
(103) Summa contra Gentiles, IV, 12.
(104) Summa Theologiae, IIa IIae, Q.45 a.6.
(105) In libros Sententiarum Expositio, III, d. 34, Q. 1 a. 3.
(106) Idem, III, d.35, Q.2 a.1, qla.1, sol.1, ad.1.
(107) Summa Theologiae, IIa IIae, Q.45 a.2.
(108) In libros Sententiarum Expositio, III, dist. 35, Q.2, a.1, Qla.3.