6.

Apostolado de S. Domingos desde o começo da guerra dos Albigenses até ao Quarto Concílio de Latrão. Instituição do Rosário. Reunião de S. Domingos e dos seus primeiros discípulos numa casa em Toulouse.

Foi na ocasião em que rebentou a guerra dos Albigenses que se revelou toda a virtude, todo o gênio de Domingos. Encontrava-se então entre dois escolhos ambos igualmente temíveis: ou abandonar a sua missão num país repleto de sangue e de terrores, ou tomar a mesma parte na guerra que tomavam os religiosos de Cister. Em ambos os casos errava a sua vocação. Fugindo, desertava do apostolado; tomando parte na cruzada, tirava à sua vida e à sua palavra o caráter apostólico. Não fez nem uma nem outra coisa. Toulouse na Europa era a capital da heresia; era em Toulouse que ele se devia fixar de preferência, à imitação dos primeiros apóstolos que, longe de fugirem do erro, iam sempre procurar-lo no próprio centro do seu poder. S. Pedro assentou primeiro a sua sede em Antioquia, rainha do Oriente, e enviou seu discípulo S. Marcos para a Alexandria, uma das mais comerciantes e mais ricas cidades do mundo. S. Paulo viveu muito tempo em Corinto, célebre entre as cidades gregas pelo luxo da sua corrupção; ambos eles, sem prévia combinação, vieram a morrer em Roma. Não convém, dizia Jesus Cristo,

“que um profeta morra fora de Jerusalém”

Lc. 13, 33

Era, pois, em Toulouse, foco e farol de todos os erros, que convinha que Domingos se estabelecesse, fosse qual fosse o aspecto das coisas. Os homens de pouca fé esperam, dizem eles, que venha a paz para começarem a trabalhar; o apóstolo, esse semeia no temporal para colher no bom tempo. Traz sempre na mente as palavras do seu Divino Mestre:

“Quando ouvirdes falar em guerras
ou em indícios de guerra,
cuidai em não vos perturbardes”.

Mt 24, 6

Domingos, porém, ao mesmo tempo que continuava com a sua missão, apesar dos terrores da guerra, compreendera que devia menos do que nunca alterar a sua atitude pacífica e dedicada. Por mais justo que seja desembainhar a espada contra aqueles que, com a violência, oprimem a verdade, sempre é difícil que a verdade não sofra com essa proteção, e que a não tornem cúmplice dos excessos inseparáveis de todo e qualquer conflito sangrento. A espada nunca pára no limite preciso do direito; é próprio da sua natureza o tornar a entrar com dificuldade na bainha logo que esteja quente da mão do homem. Seriam precisos anjos para pelejar pela justiça e ainda. assim o espírito humano sofre tais e tão rápidas alternativas que os opressores vencidos não perderiam a esperança de encontrar abrigo na parcialidade da compaixão. Era, pois, altamente importante que Domingos se conservasse fiel ao plano magnânimo de Azevedo, e que a par da cavalaria armada para defender a liberdade da Igreja, aparecesse o homem evangélico, confiando apenas na força da graça e da persuasão. Na Polônia, quando ao altar o padre lê o Evangelho o cavaleiro desembainha meia espada e nessa postura militar escuta a palavra suave do Cristo. Eis as verdadeiras relações entre a cidade da terra e a cidade de Deus. Esta, representada pelo padre, fala, suplica, abençoa e oferece em sacrifício; a cidade da terra, representada pelo cavaleiro, escuta, em silêncio, associando-se a todos os actos do padre, e conserva a sua espada sempre pronta não para impor a fé mas para lhe garantir a liberdade. O padre e o cavaleiro desempenham no mistério do cristianismo duas funções que nunca se devem confundir, devendo a primeira estar sempre mais em evidência do que a segunda. Enquanto que o padre entoa em voz alta o Evangelho na presença do povo e à luz dos círios, o cavaleiro conserva a sua espada meio desembainhada, porque atende a misericórdia ao mesmo tempo que a justiça, e porque o próprio Evangelho, em cuja defesa ele está sempre preparado para combater, lhe segreda ao ouvido:

"Bem aventurados os pacíficos,
porque eles possuirão a terra".

Mt. 5, 4

Domingos e Montfort foram os dois heróis da guerra dos Albigenses, um como cavaleiro e o outro como padre. Vimos já a forma como Montfort desempenhou a sua missão; vejamos agora como Domingos cumpriu a dele.

Por certo se há de ter notado que não o mencionam nos anais dessa guerra. Não aparece nos concílios, nas conferências, nas reconciliações, nos cercos e nas vitórias; não se faz menção dele em nenhuma carta dirigida para Roma ou mandada de lá. Este silêncio unânime da parte dos historiadores é tanto mais significativo pelo fato deles pertencerem a escolas diferentes, umas religiosas e as outras seculares; umas favoráveis aos cruzados, outras afeiçoadas a Raimundo. Não é possível crer que se Domingos tivesse desempenhado um qualquer papel nas negociações e nos fatos militares da cruzada, esses historiadores houvessem todos como que de comum acordo guardado silêncio a seu respeito. Narram-se dele atos de outra ordem; por que razão se ocultariam estes? Ora, eis os fragmentos que nos conservaram sobre a, sua vida nessa época:

“Depois do regresso à sua diocese do bispo Diogo”,

diz o bem aventurado Humberto,

“S. Domingos,
que ficara quase abandonado
e só com alguns companheiros
que não estavam ligados a ele por voto algum,
manteve durante dez anos a fé católica
em diversos sítios da província de Narbonne,
especialmente em Carcassone e Fanjeaux.
Consagrara-se inteiramente à salvação
de todas as almas pelo ministério da pregação
e sofria de boa vontade
pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo
inúmeras afrontas, ignomínias e angustias”.

Crônica, n. 2.

"Escolhera Domingos Fanjeaux como residência,
porque da cidade, sita numa eminência,
ele avistava na planície
o mosteiro de Notre Dame de Prouille".

Com respeito a Carcassone que não distava também muito deste seu caro retiro, dá ele próprio uma outra razão para essa sua prefêrencia. Interrogado um dia sobre a sua repugnância em viver em Toulouse e na sua diocese, respondeu:

“E' porque na diocese de Toulouse
muitas pessoas respeitam,
enquanto que em Carcassone
toda a gente está contra mim”.

Constantino de Orvieto
Vida de São Domingos, n. 44.

Efetivamente, os inimigos da fé insultavam de todos s os modos o servo de Deus; cuspiam-lhe na cara, atiravam-lhe com lama e espetavam por escárneo palhas na sua capa. Ele, porém, superior a tudo, como o Apostolo, estimava-se feliz por ser julgado digno de sofrer opróbrios pelo nome de Jesus. Os hereges chegaram mesmo a pensar em o matar. Uma ocasião em que eles disso o ameaçavam, ele respondeu-lhes:

“Eu não sou digno do martírio,
ainda não me acho merecedor dessa morte”.

Constantino de Orvieto,
Vida de São Domingos, n. 12.

Com essa convicção, tendo de passar por um sítio onde sabia que lhe haviam armado uma emboscada, arriscou-se a lá ir não só com a maior intrepidez como também cantando alegremente. Maravilhados ao ver a sua firmeza, os hereges, para o tentar, perguntaram-lhe, numa outra ocasião, o que ele faria se viesse a cair nas mãos deles.

“Pedir-vos-ia”,

respondeu,

“que me não matásseis com um só golpe,
mas que me cortásseis os membros um a um,
e colocando os bocados diante de mim,
me arrancásseis os olhos e me deixásseis meio morto,
banhado no meu sangue,
ou acabásseis de me matar
como melhor vos aprouvesse”.

Ibid. n. 12

Thierry d’Apolda narra o seguinte facto:

"Por ocasião de uma solene conferência
que devia ter lugar com os hereges,
um bispo dispunha-se a apresentar-se com grande pompa.
Então o humilde arauto de Cristo,
dirigindo-se a ele, disse-lhe:

“Não é.assim, meu senhor e meu pai,
não é assim que se deve tratar
com os filhos da soberba.
Deve-se convencer os adversários da verdade
com o exemplo da humildade,
da paciência, da .religião e de todas as virtudes,
não com o luxo e grandeza
e com a ostentação da gloria mundana.
Armemo-nos da oração e,
fazendo brilhar nas nossas pessoas os sinais da humildade,
avancemos descalços ao encontro dos Golias”.

Cedeu o bispo a este piedoso conselho
e todos se descalçaram.
Como porém não estavam bem certos do caminho,
encontraram um herege que julgaram ortodoxo
e este lhes prometeu levá-los direto ao seu destino.
Por malícia, porém, meteu-os por um bosque
coberto de silvas e espinhos,
onde os seus pés se feriram a ponto de escorrer o sangue.
À vista disso o campeão de Deus,
cheio de paciência e de jubilo,
exortou os seus companheiros a dar graças ao Senhor
pelo que estavam sofrendo, dizendo-lhes:

“Meus caríssimos,
confiemos no Senhor,
temos certa a vitória,
pois eis que com este sangue que derramamos
expiamos os nossos pecados”.

O herege, comovido por esta paciência admirável
e pelas exortações do Santo,
confessou a sua maldade e abjurou a heresia".

Vida de S. Domingos
C. II, n.12.

Havia nos arredores de Toulouse umas senhoras da nobreza a quem a austeridade dos hereges fizera abandonar a fé. Domingos, no princípio de uma quaresma, foi-lhes pedir hospitalidade com a intenção de as reconduzir ao seio da Igreja. Não entrou em controvérsias com elas, mas durante toda a quaresma ele e o seu companheiro não comeram e beberam senão pão e água. Quando na primeira noite elas quiseram preparar camas, eles só pediram duas tábuas para se deitarem e até à Páscoa não tiveram outro modo de descanso, contentando-se todas as noites apenas de umas horas de sono, que ainda interrompiam para rezar. Esta eloquência muda foi de toda a eficácia sobre o espírito dessas. mulheres; reconheceram no sacrifício o amor, e no amor a verdade.
Estarão lembrados de que em Valença Domingos quiz se vender para remir da escravidão o irmão de uma pobre mulher. No Languedoc teve ele o mesmo impulso de alma a favor de um herege, que lhe confessara não permanecer no erro senão devido à sua muita miséria; resolveu vender-se para lhe obter os meios de viver e te-lo-ia feito se a Divina Providencia não houvesse provido de outra forma à existência desse desgraçado.
Um fato ainda mais singular nos testemunha os artifícios a que recorria a sua bondade.

“Havendo alguns hereges”,

diz Thierry d'Apolda,

“sido presos e convictos no distrito de Toulouse,
forarn entregues ao juízo secular,
por recusarem voltar à fé,
e condenados a serem queimados vivos.
Olhou Domingos para um deles
com um coração iniciado nos segredos de Deus
e disse aos empregados do tribunal:

“Separai este homem dos outros,
pois não deve ir morrer queimado”.

Em seguida, voltando-se para o herege,
com grande doçura, disse-lhe:

“Sei, meu filho,
que será preciso tempo,
mas que por fim vireis a ser bom e um santo”.

Caso tão encantador como admirável!
Permaneceu este homem ainda vinte anos
na cegueira da heresia,
depois do que,
tocado pela graça,
pediu o habito dos Frades Pregadores,
sob o qual viveu na prática do bem
e morreu na verdadeira fé”.

Vida de S. Domingos,
C. 9, n.54

Constantino de Orvieto e o bem-aventurado Humberto, contando o mesmo caso, juntam-lhe uma circunstância que exige uma explicação. Dizem eles que os hereges, de que se trata, haviam sido convictos por Domingos antes de serem entregues à justiça secular. E' essa a única palavra do décimo terceiro século de onde se crê poder inferir a participação do santo nos processos. criminais. Os historiadores, porém, da guerra dos Albigenses explicam-nos muito claramente o que era essa convicção dos hereges. Os hereges no Languedoc não estavam constituídos em sociedade secreta; estavam em armas e combatiam pelos seus erros à face do sol. Quando os azares da guerra faziam cair algum nas mãos dos cruzados, estes entregavam-nos aos eclesiásticos para lhes exporem os dogmas católicos e lhes fazerem sentir a extravagância dos seus. Era a isso que se chamava convencê-los, não de serem hereges, pois que eles não faziam disso o menor segredo, mas de estarem num caminho errado, condenado pelas Escrituras, pela tradição e pela razão. Suplicavam-lhes, com as mais vivas instâncias, que renunciassem à sua heresia, prometendo-lhes, a esse preço, o perdão. Os que cediam a essas instâncias tinham efetivamente a vida salva; os que resistiam até ao final eram entregues à justiça secular. A convicção dos hereges era portanto um serviço de dedicação em que o poder do espírito e a eloquência da caridade se animavam com a esperança de arrancar uns desgraçados à morte. Que S. Domingos exercesse esse cargo pelo menos uma vez é fora de dúvida, pois que dois historiadores contemporâneos o afirmam; mas tirar daí um argumento para o acusar de rigores contra os hereges é confundir o padre que presta auxilio ao criminoso com o juiz que o condena, ou com o algoz que lhe dá a morte.
Admirar-se-ão talvez que S. Domingos tivesse tanta autoridade que pudesse arrancar um herege ao suplício só por uma simples predição. Porém, além da fama de sua santidade que inspirava uma inteira confiança na sua palavra, ele fôra revestido pelos legados da Santa Sé do poder de reconciliar os hereges com a Igreja. Temos a prova disso em dois diplomas, ambos sem data, mas que se não podem referir a outra época da sua vida.
Um é concebido nos seguintes termos:

“A todos os fiéis de Cristo
a quem as presentes cartas chegarem,
frei Domingos, cônego de Osma,
obscuro ministro da pregação,
saúde e sincera caridade em Nosso Senhor.
Submetemos à vossa discrição,
que concedemos licença
a Raimundo Guilherme d'Hauterive Pelagianire
para receber na sua casa de Toulouse,
e ali viver da vida comum,
a Guilherme Huguecion,
que ele nos disse ter outrora
usado o hábito dos hereges.
Concedemo-lhe essa licença,
enquanto nos não fôr, a nós ou a ele,
ordenado o contrário pelo Senhor Cardeal,
e essa convivência não lhe será
de forma alguma reputada
em seu prejuízo ou desonra.”

Echard,
Escrivães da Ordem dos Frades Pregadores,
t. I, n.18, nota

No outro diploma lê-se o seguinte:

“A todos os fieis de Cristo
a quem as presentes cartas chegarem,
frei Domingos, cônego de Osma,
saúde em Cristo.
Pela autoridade do senhor abade de Cister,
que nos encarregou desse ofício,
reconciliamos com a Igreja o portador das presentes,
Ponce Roger,
convertido pela graça de Deus da heresia à fé;
e ordenamo-lhe, em virtude do juramento
que entre nossas mãos prestou,
que durante três domingos ou dias santificados
vá desde a entrada da povoação até à igreja
nu até à cintura e se sujeite ao mesmo tempo
a ser açoitado pelo padre.
Ordenamo-lhe igualmente
que se abstenha para sempre
de carne, ovos, queijo e de tudo que deriva da carne,
excepto nos dias de Páscoa, de Pentecostes, e do Natal,
dias em que comerá dessas coisas,
para protestar contra os seus antigos erros.
Observará três quaresmas por ano
jejuando e abstendo-se de peixe,
a menos que qualquer enfermidade do corpo
ou os calores do verão assim o exijam.
Revestir-se-á de hábitos monásticos,
tanto em feitio como em cor,
aos quais prenderá nas extremidades exteriores
duas cruzes pequenas.
Ouvirá missa, se puder ser, todos os dias,
e assistirá às vésperas nos dias santificados.
Recitará sete vezes ao dia dez Pai Nossos,
e dirá vinte no meio da noite.
Observará castidade
e uma vez por mês, de manhã,
apresentará o presente diploma
ao capelão da aldeia de Céré.
Ordenamos a esse capelão
que tome bem conta
que o seu penitente leve uma vida boa,
e que cumpra tudo quanto aqui fica exposto,
até que o senhor legado ordene o contrário.
Que se ele por negligência ou por desprezo
deixar de o cumprir,
é da nossa vontade que seja considerado excomungado
como perjuro e herege
e separado da sociedade dos fieis”.

Echard,
Escrivães da Ordem dos Frades Pregadores,
t. I, p. 8, nota.

Reporto aqueles que acharem esta sentença exagerada e extraordinária às penitencias canônicas da primitiva igreja, aos usos penitenciais dos conventos e às praticas que se impunham voluntaria e publicamente muitos cristãos da idade média para expiar as suas culpas. Todos sabem, citando apenas um exemplo, que Henrique II, rei da Inglaterra, fez-se açoitar por uns frades, sobre o túmulo de Tomas Becket, arcebispo de Cantuária, de cujo assassinato ele fôra o instigador. Hoje mesmo nas grandes basílicas de Roma, o padre, depois de absolver o penitente, dá-lhe com uma comprida vara uma pancada no ombro. S. Domingos naturalmente conformou-se com os usos do seu século, e para quem os conhecer, há nos documentos que acabamos de ler um extraordinário espírito de bondade.

O seu desinteresse não era menor do que a sua caridade e doçura. Recusou os bispados de Beziers, de Conserans e de Comminges, que lhe foram oferecidos, dizendo numa ocasião que mais depressa pegaria no seu bordão e fugiria de noite do que aceitava o episcopado ou outra qualquer dignidade.

Eis de resto a descrição que dele fez Guilherme de Pierre, abade de um mosteiro de S. Paulo em França, um dos que o conheceram intimamente durante os doze anos do seu apostolado no Languedoc, e que foi ouvido como testemunha em Toulouse, no processo da sua canonização.

“O bem-aventurado Domingos
tinha uma sede ardente
e um zelo sem limites
pela salvação das almas.
Foi um pregador tão ferveroso
que de dia e de noite,
nas igrejas, em casa,
nos campos, nas estradas,
nunca cessava de anunciar a palavra de Deus,
recomendando aos outros religiosos
que fizessem o mesmo,
e que nunca falassem senão de Deus.
Foi sempre o adversário dos hereges,
a quem fazia face com as suas prédicas,
com a controvérsia
e com todos os meios em seu poder.
Amava tanto a pobreza
que renunciara aos bens,
herdades, castelos e rendimentos
com que por diversas vezes
quiseram enriquecer a sua ordem.
Era de uma frugalidade tão austera
que comia apenas pão e sopa,
excepto em raras ocasiões
por consideração pelos outros religiosos
e pelas pessoas que estavam à mesa;
pois queria que os outros tivessem,
tanto quanto possível,
tudo em grande abundância.
Ouvi dizer a muitos que era virgem.
Recusou o bispado de Conserans
e não quis tomar conta dessa igreja,
embora houvesse sido legitimamente eleito
para seu pastor e prelado.
Nunca vi um homem mais humilde
e que desprezasse mais a glória do mundo
e tudo quanto a ela se refere.
Aceitava as injúrias,
maldições e opróbrios
com paciência e júbilo,
como dons de subido valor.
As perseguições não o assustavam,
antes marchava muitas vezes ao encontro do perigo
com uma confiança intrépida
e o medo nunca foi capaz
de o desviar do seu caminho;
antes, pelo contrário,
quando se sentia atacado pelo sono,
deitava-se à beira ou próximo da estrada e dormia.
Em religião excedia todos os que tenho conhecido.
Sentia por si próprio um grande desprezo
e não se tinha em nenhuma conta.
Consolava com uma bondade meiga
aos religiosos doentes,
suportando as suas enfermidades
de um modo admirável.
Quando sabia de algum deles
acabrunhado sob o peso de qualquer adversidade,
exortava-o a que tivesse paciência
e animava-o o mais possível.
Grande amante da regra,
repreendia paternalmente os que faltavam a ela.
Em tudo era um exemplo para os outros religiosos,
nas palavras, nos gestos, nas comidas,
no vestuário, e na virtude.
Nunca encontrei um homem
que tivesse um tal hábito da oração
e uma tamanha abundância de lágrimas.
Quando estava rezando soltava gemidos
que se ouviam ao longe,
e no meio desses gemidos dizia a Deus:

“Senhor, tende piedade do povo;
que será dos pecadores?”

Passava assim as noites sem dormir,
chorando e gemendo pelos pecados dos outros.
Era generoso, hospitaleiro,
dando de boa vontade aos pobres tudo quanto possuía.
Tinha grande amor e veneração pelos religiosos
e por todos os amigos da religião.”

“Nunca ouvi dizer
nem soube que ele tivesse outro leito
que não fossem as lajes da igreja
quando se achava perto de uma e,
não havendo igreja,
deitava-se em cima de um banco ou no chão,
e outras vezes estendia-se sobre a enxerga do leito
que lhe tinham preparado,
depois de lhe ter tirado a roupa e os colchões.
Sempre o vi com a mesma túnica,
e essa toda remendada.
Trazia sempre hábitos mais ordinários
do que os dos outros religiosos.
Foi amante das obras da fé e da paz,
e tanto quanto em si coube
foi sempre um fidelíssimo promotor
de uma e de outra.”

Atas de Toulouse, n. 15

Desenvolvera-se em Domingos o dom dos milagres a par com tão subidas virtudes. Um dia, atravessando um rio em um barco, o barqueiro, quando chegaram ao outro lado, pediu-lhe o preço da sua passagem:

“Sou”,

respondeu Domingos,

“o discípulo e o servo de Cristo,
não trago comigo nem ouro nem prata,
mas Deus vos pagará o que vos devo”.

O barqueiro, zangado, começou a puxá-lo pela capa, dizendo-lhe:

“Ou fico com a vossa capa,
ou me dais o meu dinheiro”.

Domingos, levantando os olhos para o céu, recolheu-se um momento; em seguida, olhando para o chão, mostrou ao barqueiro urna moeda de prata, que a Providencia lhe enviara, dizendo-lhe:

“Irmão, eis o que me pedis,
tomai-o e deixai-me ir em paz”.

O. B. Humberto
Vida de São Domingos, n. 39

No tempo em que os cruzados cercavam Toulouse, no ano de 1211, uns romeiros ingleses, que se dirigiam a S. Tiago de Compostela e queriam evitar entrar na cidade por causa da excomunhão lançada contra ela, tomaram um barco para atravessar o Garonne, mas o barco demasiado cheio virou-se ; eram cerca de quarenta os que iam dentro. Aos gritos dos peregrinos e das tropas, S. Domingos saíu de uma igreja ali perto e prostrando-se no chão, com os braços em cruz, implorou Deus em favor dos peregrinos que já haviam desaparecido debaixo da água. Acabada a sua prece levantou-se e voltando-se para o lado do rio, disse em voz alta:

“Em nome de Cristo,
ordeno-vos que alcanceis todos a praia.”

Apareceram os náufragos imediatamente ao de cima da água, e agarrando- se a umas compridas lanças que os soldados lhe estenderam, alcançaram a margem.

O primeiro prior do Convento de Saint Jacques de Paris, a quem os historiadores chamavam Mateus de França, tornou-se o cooperador de Domingos, por efeito de um outro milagre que presenciara. Sendo ele prior de uma colegiada de cônegos na cidade de Castres, Domingos vinha muitas vezes visitar essa Igreja, porque encerrava as relíquias do Mártir S. Vicente, e ficava geralmente em oração até a hora do meio dia. Um dia, deixando passar essa hora, que era a hora da refeição, o prior mandou um dos seus clérigos buscá-lo. O clérigo viu Domingos, levantado do chão em frente do altar, e correu a avisar o prior, que encontrou Domingos nesse estado de êxtase. Causou-lhe esse espetáculo uma tão viva impressão que pouco tempo depois foi ter com o servo de Deus, o qual, segundo o seu costume, em relação aos que admitia à participação no seu apostolado, lhe prometeu o pão da vida e o orvalho dos céus.

Contam também, resumidamente, os historiadores como ele expulsou o demônio do corpo de um homem; como querendo fazer oração em uma igreja, cujas portas estavam fechadas, ele se achou de repente transportado dentro dela; como viajando com um religioso cuja língua não sabia, e que também não sabia a dele, conversaram um com o outro durante três dias, como se falassem o mesmo idioma; como tendo deixado cair no Ariége os livros que trazia consigo, um pescador os tirou para fora, algum tempo depois, sem que nada tivessem sofrido do contato com a água. Todos estes fatos se encontram na história dispersos e separados, porém nós juntamo-los como relíquias santas.

Deus comunicara também ao seu servo o espírito de profecia. Durante a quaresma do ano de. 1213 que ele passou em Carcassone a pregar e exercendo as funções de vigário geral, que lhe confiara o bispo ausente, um religioso de Cister interrogou-o sobre o resultado da guerra:

“Mestre Domingos”,

disse-lhe esse religioso,

“porventura nunca terão fim estes males?”

E como Domingos ficasse calado, tornou a insistir, sabendo que Deus lhe revelara muitas coisas. Domingos, finalmente, disse-lhe:

“Sim, estes males hão de acabar,
mas não tão cedo;
há de ainda correr muito sangue,
e há de morrer um rei em uma batalha”.

Os que ouviram esta predição recearam que ele quisesse aludir ao filho mais velho de Felipe Augusto, que fizera voto de se bater contra os Albigenses; Domingos, porém, sossegou-os dizendo-lhes:

“Não temais pelo rei de França
é outro o rei que, muito breve,
sucumbirá no meio das vicissitudes
desta guerra”.

O. B. Humberto
Vida de São Domingos, n. 48.

Pouco depois, foi morto o rei de Aragão em Muret.

A guerra, pela sua duração e pela sua fortuna diversa, parecia dever opor um obstáculo quase invencível ao constante projeto de Domingos, o qual era fundar uma ordem religiosa consagrada ao ministério de pregar. Por conseguinte, ele nunca cessava de pedir a Deus a restauração da paz, sendo com o fim de a obter e de apressar o triunfo da fé que ele instituiu, não sem uma secreta inspiração, essa forma de oração que mais tarde se espalhou pela Igreja universal, sob o nome do Rosário. Quando o arcanjo Gabriel foi enviado por Deus à bem-aventurada Virgem Maria para lhe anunciar o mistério da Encarnação do Filho de Deus no seu casto seio, saudou-o nos seguintes termos:

“Ave Maria,
cheia de graça,
o Senhor é convosco,
bendita sois vós entre as mulheres”.

Lc. 1, 28

Estas palavras, as mais ditosas que jamais foi dado a criatura alguma ouvir, têm-nas repetido, de século em século, os lábios dos cristãos e, do fundo deste vale de lágrimas, elas nunca cessam de redizer à Mãe do seu Salvador: “Ave Maria”. As hierarquias do céu delegaram um dos seus chefes à humilde filha de Davi para lhe dirigir essa gloriosa saudação e, agora que ela está sentada acima dos anjos e de todos coros celestiais, o gênero humano, cuja filha e irmã foi, da terra lhe endereça a saudação angélica “Ave, Maria”. Quando ela a ouviu pela primeira vez da boca de Gabriel imediatamente concebeu no seu puríssimo seio o Verbo de Deus; e agora, cada vez que uma boca humana lhe repete essas palavras, que foram o sinal da sua maternidade, comovem-se as suas entranhas com a lembrança de um momento como nunca houve igual no céu e na terra, e a eternidade inteira enche-se da felicidade que ela sente.

Mas, posto que os cristãos tivessem o costume de desta forma volverem os seus corações para Maria, contudo nada havia de regular e solene no uso imemorial desta saudação. Os fiéis nunca se reuniam para a dirigir à sua dileta protetora; cada um seguia para com ela o impulso particular do seu amor. Domingos, que não desconhecia o poder da associação na oração, julgou que seria útil aplicá-la à Saudação Angélica e que o clamor universal de todo um povo reunido subiria até ao céu e teria grande poder. A própria brevidade das palavras do anjo exigia que fossem repetidas um certo número de vezes como essas aclamações uniformes que a gratidão das nações solta na passagem dos soberanos. Porém a repetição podia dar lugar à distração do espírito. Domingos remediou isso distribuindo as saudações orais em diferentes séries, ligando a cada uma delas a memória de um dos mistérios da nossa redenção que foram alternadamente para a bem-aventurada Virgem motivo de gozo, de dor e de triunfo. Desse modo a meditação interior unia-se à prece pública, e o povo, ao mesmo tempo em que saudava a sua mãe e rainha, seguia-a no íntimo do seu coração em cada um dos fatos principais da sua vida. Domingos formou uma confraria para melhor firmar a solenidade dessa forma de súplica.

O seu devoto pensamento foi coroado com o melhor dos êxitos, um êxito popular. O povo cristão tem-se afeiçoado a ele de século em século, com uma fidelidade extraordinária. As confrarias do Rosário têm-se multiplicado indefinidamente; há poucos cristãos no mundo que não possuam, sob o nome de terço, uma fração do Rosário. Quem é que não tem ouvido nas igrejas de aldeia a voz profunda dos aldeões recitando em dois coros a Saudação Angélica? Quem é que não têm encontrado procissões de peregrinos passando entre os dedos as contas do seu rosário, e iludindo o comprimento do caminho com a repetição alternada do nome de Maria? Sempre que uma qualquer coisa alcança tanto a universalidade como a perpetuidade, é porque ela reúne necessariamente uma misteriosa harmonia com as necessidades e destinos do homem. O racionalista sorri vendo passar filas de pessoas repetindo a mesma palavra; aquele que se sente iluminado por uma luz mais forte compreende que o amor tem só uma palavra e que dizê-la sempre nunca é repetí-la.

A devoção do rosário, interrompida no século quatorze pela terrível peste que devastou a Europa, foi renovada no século seguinte por Alain de la Roche, dominicano bretão. Em 1573 o Soberano Pontífice Gregório XIII instituíu a festa que a Igreja a inteira celebra todos os anos no primeiro domingo de outubro, sob a denominação de festa do Rosário, em memória da famosa batalha de Lepanto ganha sobre os Turcos, sob um papa dominicano, no próprio dia em que as confrarias do Rosário fizeram procissões públicas em Roma e em todo o mundo cristão.

Eram as seguintes as armas a que Domingos recorria contra a heresia e contra as calamidades da guerra: pregar através dos insultos, a controvérsia, a paciência, a pobreza voluntária; para si mesmo uma vida dura, para os outros uma caridade sem limites, o dom dos milagres, e finalmente, a promoção do culto da Virgem Santa pela instituição do Rosário. Passaram-se desse modo dez anos sobre a sua cabeça, desde a conferência de Montpellier até ao Concílio de Latrão, com uma tal uniformidade que os historiadores contemporâneos apenas distinguem um pequeno numero de fatos no meio desta humilde e heróica perseverança nas mesmas virtudes. O receio de serem monótonos suspendeu a sua pena; descrever dias de. Domingos é o mesmo que descrever anos da sua vida. Esta ausência de fatos na vida de um grande homem em uma época tão movimentada é a feição que caracteriza a figura de Domingos ao lado da de Montfort. Ligados por urna sincera amizade e tendo em vista o mesmo fim, diferiam tanto de caráter como a armadura de um cavaleiro difere do hábito de um religioso. O sol da história brilha sobre a couraça de Montfort iluminando belas ações manchadas de sombras; e lança apenas um dos seus raios sobre a capa de Domingos, esse, porém, tão puro e tão santo, que a sua própria falta de brilho serve de relevante testemunho. Falta-lhe o resplendor porque o homem de Deus retrai-se da agitação e do sangue; porque, fiel à sua missão, só abre a boca para abençoar, o coração para orar, as mãos para serviços de amor e porque a virtude, completamente só, encontra o seu sol unicamente em Deus.

Domingos tinha quarenta e seis anos quando começou a gozar do fruto dos seus longos méritos. Os cruzados vitoriosos abriram-lhe, em 1215, as portas de Toulouse, e a Providência, que reúne em um dado momento os elementos os mais diversos, enviou-lhe os dois homens de que ele carecia para assentar as primeiras bases da Ordem dos Pregadores. Eram ambos naturais de Toulouse, de famílias distintas e de um notável mérito pessoal. Um deles, chamado Pedro Cellani, dava brilho a uma grande fortuna pela sua grande virtude; o outro, que só conhecemos pelo nome de Tomás, era eloqüente e de maneiras singularmente afáveis. Impelidos por uma igual inspiração do Espirito Santo, entregaram-se ambos a Domingos, e Pedro Cellani fez-lhe presente da sua própria casa que era magnífica e contígua ao castelo dos Condes de Toulouse a que chamavam o castelo de Narbonne. Domingos reuniu nessa casa todos os que o haviam seguido. Eram em número de seis: Pedro Cellani, Tomás e outros quatro. Bem pequeno era o rebanho e contudo custara dez anos de apostolado e quarenta e cinco de uma vida completamente sacrificada a Deus. Quão pouco conhecem as condições. das coisas duráveis aqueles tão apressados nos seus modos de proceder, e quão pouco os conhecem também os que uma época adversa assusta. Desde que Domingos, na primeira vez em que veio a Toulouse, entrevira, em uma vigília consagrada à conversão de um herege, a idéia da sua ordem, quão inexorável não se mostrara para com ele o tempo. A prematura morte do seu amigo e mestre Azevedo deixara-o órfão nessa terra estranha. Uma guerra sangrenta cercara-o de todos os lados; o ódio dos hereges, contido ao princípio pela certeza do seu predomínio, exaltara-se; a atenção dos católicos e a sua dedicação, tendo tomado um caminho diverso do apostolado, Domingos vira-se reduzido a uma solidão desesperadarada. Deus, porém, dissipou todas essas nuvens; o Conde de Toulouse, que pensava morrer no seu país vitorioso e tranquilo, fica um tempo aniquilado por uma batalha tão decisiva como imprevista; Deus concede ao seu servo alguns meses de paz e entre duas tempestades estabelece-se a ordem dos Pregadores na capital da heresia.

Domingos revestiu os seus companheiros de um hábito igual ao que ele próprio trazia, isto é, urna túnica de lã branca, uma sobrepeliz de linho, uma capa e um capuz de lã preta. Era este o hábito dos cônegos regrantes, que sempre usara desde a sua entrada para o cabido de Osma.

Ele e os seus usaram-no até se dar um fato memorável, de que oportunamente falaremos, e que produziu uma alteração nesse vestuário. Começaram também a seguir uma vida uniforme sob uma certa regra. Fundara-se esse estabelecimento com a cooperação e pela autoridade do Bispo de Toulouse que ainda era Foulques, esse magnânimo monge de Cister, que desde o princípio vimos inclinar-se aos projectos de Azevedo e Domingos. Não se contentou em favorecer espiritualmente a sua realização; conservamos da sua liberalidade para com eles um monumento insigne que a gratidão dos Frades Pregadores deve, tanto quanto neles couber, eternizar.

"Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Nós fazemos sentir a todos os presentes e futuros
que nós, Foulques, pela graça de Deus,
humilde ministro da sede de Toulouse,
querendo extirpar a heresia,
banir os vícios,
ensinar aos homens as regras da fé
e formá-los nos bons costumes,
instituímos como pregadores na nossa diocese
a frei Domingos e seus companheiros
os quais se propõem com pobreza evangélica,
andar a pé e com suas vestes monásticas,
anunciar a palavra de Deus.
E como o operário é digno do seu alimento
e se não deve açaimar o boi que debulha o trigo,
mas como, ao contrário,
aquele que prega o Evangelho deve viver do Evangelho,
queremos que Frei Domingos e seus companheiros,
espalhando a verdade na nossa diocese,
nela colham também o necessário
para manter a sua vida.
Eis o motivo porque,
com o consentimento do cabido
da Igreja de Saint-Etienne
e de todo o clero da nossa diocese,
lhes concedemos à perpetuidade,
assim como a todos aqueles
a quem o zelo do Senhor e a salvação das almas
chamarem do mesmo modo
ao ofício de pregar,
a sexta parte dos dízimos de que fruem
as irmandades das nossas igrejas paroquiais,
para suprir às suas necessidades,
e para que eles,
de quando em quando,
possam descansar das suas fadigas.
Se no final do ano sobejar alguma coisa,
queremos e ordenamos que isso se empregue
em adornar as nossas igrejas paroquiais,
ou a socorrer os pobres,
segundo o que o bispo julgar mais conveniente.
Porque, estando por direito estabelecido
que uma certa porção dos dízimos
seja consagrada aos pobres,
somos sem dúvida obrigados
a admitir nessa participação
os que abraçam a pobreza por Jesus Cristo,
com o fim de enriquecer o mundo com o seu exemplo
e com o dom celestial da sua doutrina,
de tal forma que aqueles de quem recebemos
as coisas temporais,
recebam directa ou indirectamente
de nós as coisas espirituais.

Dado no ano de 1215 do Verbo Encarnado,
reinando o rei Felipe sobre os franceses
e governando o conde de Montfort
oPrincipado de Toulouse.”

Echard
Escrivães da Ordem dos Pregadores
t. 1, p. 12, nota

Este ato de munificência não foi o único que veio auxiliar a ordem principiante dos Frades Pregadores.

“Nesse tempo”,

dizem os historiadores,

“O Senhor Simão,
conde de Montfort,
príncipe ilustre que combatera os hereges
com a espada material,
e o bem aventurado Domingos
que os combatia com a espada da palavra de Deus,
contraíram uma grande intimidade e amizade.”

O. B. Humberto, Crônica n.3;
Thierry d'Apolda,
Vida S. Domingos, C. III n. 45;
Nicolau de Treveth, Crônica.

Montfort fez doação a seu amigo do castelo e terra de Cassenel, na diocese de Agen. Já ele anteriormente confirmara várias doações em favor do mosteiro de Prouille, cujos bens ele próprio aumentara. Não se limitou a sua estima e afeição por Domingos a provas desse gênero; pedira-lhe para batizar a sua filha, cujo casamento esteve por algum tempo justo com o herdeiro do reino de Aragão, e para celebrar o casamento de seu filho mais velho, o conde Amaury, com Beatriz filha do Delfim de Viena.
Veremos mais tarde Domingos velho e prestes a voltar para Deus, arrepender-se de ter aceito propriedades temporais, desfazer-se delas como de um fardo antes de descer à sepultura, deixando como patrimônio a seus filhos essa Providencia diária que mantém todas as criaturas que trabalham e da qual está escrito:

“Encarrega o Senhor do cuidado da tua vida
e Ele próprio te sustentará”.

Salmo 54, 23