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Então o padre Serafim me tomou pelos ombros e, apertando-os
fortemente, disse:
Estamos ambos, vós e eu, na plenitude do Espírito Santo. Por que
não me olhais?
`Não posso, padre, olhar-vos.
Brotam raios de vossos olhos.
O vosso rosto tornou-se
mais luminoso do que o Sol.
Os olhos me doem... '
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O padre Serafim disse:
Não tenhais medo, amigo de Deus. Também vos tornastes tão
luminoso quanto eu. Vós também estais agora na plenitude do Espírito
Santo, de outro modo não teríeis podido me ver.
Inclinando a sua cabeça para mim, disse-me ao ouvido:
Agradecei ao Senhor por vos ter concedido esta graça indizível.
Vistes, nem mesmo fiz o sinal da cruz, no meu coração, em pensamento
somente, rezei:
`Senhor,
tornai-me digno de ver claramente,
com os olhos da carne,
a descida do Espírito Santo
como a teus servidores eleitos
quando te dignaste aparecer-lhes
na magnificência de tua glória!'
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E imediatamente Deus atendeu a humilde oração do miserável Serafim.
Como não agradecer-lhe por esse dom extraordinário que a nós dois ele
concede? Não é também sempre aos grandes eremitas que Deus
manifesta assim a sua graça. Como mãe amorosa, essa graça se
dignou consolar o vosso coração desolado, a pedido da própria Mãe de
Deus. Mas, por que não me olhais nos olhos? Ousai olhar-me sem
temor, Deus está conosco.
Depois destas palavras, levantei os olhos para o rosto e um medo
maior ainda tomou posse de mim. Imaginai-vos no meio do Sol, na
claridade mais forte de seus raios de meio dia, o rosto de um homem
que vos fala. Vedes o movimento de seus lábios, a expressão cambiante
de seus olhos, vós ouvis o som de sua voz, sentis a pressão de suas
mãos, mas, ao mesmo tempo, não percebeis nem as suas mãos, nem o
seu corpo, nem o vosso, nada senão uma esplendorosa luz se
propagando ao redor, a uma distância de muitos metros, iluminando a
neve que recobria a campina e caía sobre o grande staretz e sobre mim.
Pode-se representar a situação na qual me encontrava então?
perguntou o staretz.
`Sinto-me extraordinariamente bem'.
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`Como "bem"? Que quereis dizer por "bem"?'
`Minha alma está cheia de um silêncio
e de uma paz inexplicável'.
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Aí está, amigo de Deus, esta paz da qual o Senhor falava quando
ele dizia a seus discípulos:
"Deixo-vos a minha paz,
a minha paz vos dou;
não vo-la dou como o mundo a dá.
Se fôsseis do mundo,
o mundo amaria o que era seu;
mas porque não sois do mundo
e minha escolha vos separou do mundo,
o mundo por isso vos odeia.
Eu vos disse tais coisas
para terdes paz em mim.
Tende coragem,
eu venci o mundo". |
É a esses homens
eleitos por Deus, mas odiados pelo mundo, que Deus dá a paz que
sentis agora,
diz o apóstolo,
`que excede toda a compreensão'. |
O apóstolo denomina-a assim porque
nenhuma palavra pode exprimir o bem estar espiritual que ela faz nascer
nos corações dos homens em que o Senhor a implanta. Ele mesmo a
chama sua paz (Jo. 14, 27). Fruto da generosidade de Cristo e não
deste mundo, nenhuma felicidade terrena a pode dar. Enviada do alto
pelo próprio Deus, ela é a paz de Deus... Que sentis agora?
`Uma delícia extraordinária'.
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É a delícia de que fala a Escritura:
`Eles ficam saciados
com a gordura de tua casa,
tu os embriagas
com um rio de delícias'. |
Ela transborda do nosso coração, derrama-se em nossas
veias, traz-nos uma sensação de delícia inexprimível... Que sentis ainda?
`Uma extraordinária alegria
em todo o meu coração'.
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Quando o Espírito Santo desce sobre o homem com a plenitude
de seus dons, a alma humana fica cheia de uma alegria indescritível. É
dessa alegria que o Senhor fala no Evangelho quando diz:
`Quando uma mulher está para dar à luz,
entristece-se porque a sua hora chegou;
quando, porém, nasce a criança,
ela já não se lembra dos sofrimentos,
pela alegria de ter vindo ao mundo um homem.
Também vós, agora, estais tristes;
mas eu vos verei de novo
e vosso coração se alegrará
e ninguém vos tirará a vossa alegria'. |
Por grande e consoladora que ela seja, a alegria que sentis neste
momento nada é, em comparação com aquela da qual o Senhor disse
através de seu apóstolo:
`O que os olhos não viram,
o que os ouvidos não ouviram
e o coração do homem não percebeu,
isso Deus preparou
para aqueles que o amam'. |
O que nos é concedido presentemente é apenas uma antecipação dessa alegria
suprema. E, se desde agora, nós sentimos deleite, júbilo e bem estar,
que dizer desta outra alegria que nos está reservada no céu, depois de
ter, aqui na terra, chorado? Já haveis chorado bastante em vossa vida e
vede que consolação na alegria o Senhor vos dá aqui na terra. Cabe a
nós, agora, amigo de Deus, trabalhar com todas as nossas forças para
subirmos de glória em glória
`até que alcancemos todos nós
a unidade da fé
e do pleno conhecimento
do Filho de Deus,
o estado do homem perfeito,
a medida da estatura da plenitude de Cristo'. |
`Os que põe sua esperança em Javé
renovam as suas forças,
formam asas como as águias,
correm e não se fatigam,
caminham e não se cansam'. |
`Eles caminham de terraço em terraço
e Deus lhes aparece em Sião'. |
É então que a nossa alegria atual, pequena e breve, se manifestará em
toda a sua plenitude e ninguém nos poderá arrebatá-la, repletos como
estaremos de indizíveis gozos celestes. Que sentis, ainda, amigo de
Deus?
`Um calor extraordinário'.
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Como, um calor? Não estamos na floresta, em plena neve? A neve
está sob os nossos pés, estamos cobertos dela e ela continua caindo...
De que calor se trata?
`Um calor semelhante
ao de um banho de vapor'.
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E o cheiro é como no banho?
`Oh, não!
Nada sobre a terra
se pode comparar a esse perfume.
No tempo em que a minha mãe vivia,
ainda gostava de dançar
e quando eu ia a um baile,
ela me aspergia perfumes
que comprava nas melhores lojas de Kasan
e pagava muito caro.
O seu odor não é comparável
a estes aromas'.
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O padre Serafim sorriu.
Eu sei, meu amigo, tanto quanto vós, e é de propósito que vos
interrogo. É bem verdade, nenhum perfume terreno pode ser comparado
ao bom odor que respiramos neste momento, o bom odor do Espírito
Santo. O que pode, sobre a terra, ser-lhe comparado? Dissestes, ainda
há pouco, que fazia calor, como no banho. Mas olhai, a neve que nos
cobre, a vós e a mim, não se derrete, assim como a que está aos
nossos pés. O calor não está no ar, mas no nosso interior. É este calor
que o Espírito Santo nos faz pedir na oração:
`Que teu Espírito Santo nos aqueça'.
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Este calor permitia aos eremitas, homens e mulheres, não
temerem o frio do inverno, envolvidos, como estavam, como que num
manto de peles, numa veste tecida pelo Espírito Santo.
É assim que, na realidade, deveria ser, habitando a graça divina no
mais profundo de nós, em nosso coração. O Senhor disse:
`O Reino de Deus
está dentro de vós'. |
Por Reino de Deus ele entende
a graça do Espírito Santo. Este Reino de Deus está em nós, agora. O
Espírito Santo nos ilumina e nos aquece. Enche o ar de perfumes
variados, alegra os nossos sentidos, sacia o nosso coração com alegria
indizível. O nosso estado atual é semelhante àquele do qual fala o
apóstolo:
`Porquanto o Reino de Deus
não consiste em comida e bebida,
mas é justiça, paz e alegria no Espírito Santo'. |
A nossa fé não se baseia em palavras de sabedoria terrena, mas na
manifestação do poderio do Espírito. Trata-se do estado em que
estamos atualmente e que o Senhor tinha em vista quando dizia:
`Em verdade vos digo
que estão aqui presentes
alguns que não provarão a morte
até que vejam o Reino de Deus
chegando com poder'. |
Eis aí, amigo de Deus, a alegria incomparável que o Senhor se
dignou conceder-nos. Eis o que é estar
`na plenitude do Espírito Santo'.
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É isto o que entende São Macário, o Egípcio, quando escreve:
`Eu mesmo estive
na plenitude do Espírito Santo'.
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Humildes quanto somos, o Senhor nos encheu da plenitude de seu
Espírito. Parece-me que, a partir
deste momento, não tereis de me interrogar mais sobre a maneira como
se manifesta, no homem, a presença da graça do Espírito Santo.
Esta manifestação permanecerá para sempre em vossa memória.
`Não sei, padre,
se Deus me tornará digno
de me lembrar dela sempre
com tanta nitidez como agora'.
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