ANTÃO, TAUMATURGO DE DEUS E MÉDICO DAS ALMAS. |
83. |
Tal é a história de Antão. Não deveríamos ser cépticos por se terem sucedido esses grandes milagres por intermédio de um homem, pois tal é a promessa do Salvador:
E também:
É Ele quem diz a seus discípulos e a todos os que Nele crêem:
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84. |
Antão, pois, curava, não dando ordens, mas orando e
invocando o nome de Cristo, de modo que para todos era claro que não
era ele quem atuava, mas o Senhor, que mostrava seu amor pelos homens
curando aos que sofriam, por intermédio de Antão. Este ocupava-se
apenas da oração e da prática da ascese, e por esta razão levava
sua vida na montanha, feliz na contemplação das coisas divinas, e
pesaroso de que tantos o pertubassem e o forçassem a sair à Montanha
Exterior.
Amava, porém sua vida montanhesa acima de tudo. |
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Uma vez importunado por pessoas que necessitavam de ajuda, e solicitado pelo comandante militar que enviou mensageiros a pedir-lhe que descesse, foi e falou algumas palavras acerca da salvação e a favor dos necessitados, e logo apressou-se a ir embora. Quando o duque, como o denominavam, rogou-lhe que ficasse, respondeu que não podia passar mais tempo com eles e o satisfez com esta bela comparação:
O comandante ao ouvir isto e muitas coisas mais, reconheceu admirado que era verdadeira mente servo de Deus, pois como poderia um homem ordinário ter uma inteligência tão extraordinária se não fosse amado por Deus? |
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Havia uma vez um comandante, Balácio ora seu nome, que como partidário dos execráveis arianos perseguia duramente os cristãos. Em sua barbárie chegava até a espancar as virgens e desnudar e açoitar os monges. Antão enviou-lhe por isso uma carta dizendo-lhe o seguinte:
Balácio entretanto pôs-se a rir, jogou a carta no chão e nela cuspiu; maltratou os mensageiros e ordenou-lhes que levassem a Antão a seguinte mensagem:
Não haviam cinco dias passado quando o juízo de Deus caiu sobre ele. Balácio e Nestório, prefeito do Egito, haviam saído pela primeira estação fora de Alexandria, chamada Chereu; ambos iam a cavalo. Os cavalos pertenciam a Balácio, e eram os mais mansos que ele tinha. Ainda não haviam chegado, quando os cavalos, como costumam fazer, começaram a retouçar um contra o outro, e de repente o mais manso dos dois, cavalgado por Nestório, mordeu Balácio, lançou-o por terra e o atacou. Rasgou-lhe de tal forma o músculo com seus dentes, que tiveram de levá-lo de volta à cidade, onde morreu depois de três dias. Todos se admiraram de que se cumprisse tão rapidamente o que Antão predissera. |
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Assim se encarmentaram os duros. Quanto aos demais que recorriam a ele, suas íntimas e cordiais conversações faziam-nos esquecer imediatamente os litígios e os levavam a considerar felizes os que abandonavam a vida do mundo. De tal modo lutava pela causa dos ofendidos que se podia pensar ser ele mesmo e não outros a parte agravada. Tinha além disso tal dom para ajudar a todos, que muitos militares e homens de grande influência abandonavam sua vida onerosa e faziam-se monges. Numa palavra, era como se Deus houvesse dado um médico ao Egito. Quem recorreu a ele na dor sem voltar com alegria? Quem chegou chorando por seus mortos e não se libertou imediatamente de seu pesar? Houve alguém que chegasse com ira e não a transformasse em amizade? Quem pobre arruinado foi a ele, e ao vê-lo e ouvi-lo não desprezou a riqueza, sentindo-se consolado em sua pobreza? Que monge negligente não ganhou novo fervor ao visitá-lo? Que jovem, chegando à montanha e vendo Antão, não renunciou logo ao prazer, começando a amar a castidade? Quem se lhe acercou atormentado por um demônio e não foi liberto? Quem chegou com a alma atormentada e não encontrou a paz do coração? |
88. |
Era algo único, na prática ascética de Antão, ter ele,
como já foi dito, o dom do discernimento dos espíritos. Reconhecia
seus movimentos e sabia muito bem em que direção seu esforço e ataque
levava cada um deles. Não só ele próprio não foi enganado, mas
alentando a outros que eram fustigados em seus pensamentos,
ensinou-lhes como resguardar-se de seus desígnios, descrevendo a
debilidade e os ardis dos espíritos que praticavam a possessão.
Assim cada um se ia como que ungido por ele e cheio de confiança para
a luta contra os desígnios do diabo e de seus demônios.
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MORTE DE ANTÃO. |
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Este é o lugar para que eu lhes conte e vocês ouçam, já que
desejosos disto, como foi o fim de sua vida, pois também nisto foi
modelo digno de imitação.
Ao ouvir isto, puseram-se a chorar, abraçando e beijando o ancião. Ele porém, como se tivesse de partir de uma cidade estranha à sua própria, continuou falando alegremente. Exortava-os a
e, como disse antes,
"Não se aproximem dos cismáticos melecianos, pois já conhecem seu ensinamento ímpio e perserso. Não se metam para nada com os arianos, pois sua irreligião é clara para vocês. E se vêem que os juízes os apoiam, não se deixem confundir: isto se acabará, é um fenômeno mortal, destinado a seu fim em pouco tempo. Por isso, mantenham-se limpos de tudo isto e observem a tradição dos Padres e, sobretudo, a fé ortodoxa em Nosso Senhor Jesus Cristo, como aprenderam das Escrituras e eu tão frequentemente o recordei". |
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Quando os irmãos instaram para que ficasse com eles, até morrer, ali, recusou-se a isto por muitas razões, segundo disse, embora sem indicar nenhuma. Especialmente era por isto: os egípcios têm o costume de honrar com ritos funerários e envolver em sudários de linho os corpos dos homens santos e particularmente dos santos mártires, mas não os enterram: colocam-nos sobre divãs e os guardam em suas casas, pensando honrar o defunto deste modo. Antão pediu muitas vezes, inclusive aos bispos, que dessem instruções ao povo sobre este assunto. Ao mesmo tempo envergonhou os leigos e reprovou as mulheres, dizendo que
Ao expor assim as coisas, demonstrava que cometia erro o que não dava sepultura aos corpos dos defuntos, por santos que fossem. E em verdade, quem maior ou mais santo que o corpo do Senhor? Como resultado, muitos que o ouviram começaram desde então a sepultar seus mortos, e deram graças ao Senhor pelo bom ensinamento recebido. |
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Sabendo disto, Antão teve modo de que fizessem o mesmo com
seu próprio corpo. Por isso, despedindo-se dos monges da Montanha
Exterior, apressou-se para a Montanha Interior, onde costumava
viver. Depois de poucos meses, caiu doente. Chamou os que o
acompanhavam, havia dois que levavam vida ascética havia quinze anos e
se preocupavam com ele devido à sua idade avançada, e lhes disse:
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Depois de dizer isto e de que eles o houvessem beijado, estendeu os pés, seu rosto estava transfigurado de alegria e seus olhos brilhavam de regozijo como se visse amigos vindos a seu encontro; e assim faleceu e foi reunir-se a seus pais. Eles então, seguindo as ordens que lhes havia dado, prepararam e envolveram o corpo e o sepultaram aí na terra. E até o dia de hoje ninguém, exceto esses dois, sabe onde está sepultado. Quanto aos que receberam as túnicas e o manto usados pelo bem-aventurado Antão, cada um guarda seu presente como grande tesouro. Olhá-los é ver Antão e pô-los é como revestir-se de suas exortações com alegria. |
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Este foi o fim da vida de Antão no corpo, como antes tivemos
o começo de sua vida ascética. E ainda que seja um pobre relato
comparado com a virtude do homem, recebam-no, entretanto, e reflitam
que classe de homem foi Antão: o varão de Deus. Desde sua
juventude até uma idade tão avançada conservou uma devoção
inalterável à vida ascética. Nunca tomou a velhice como desculpa
para ceder ao desejo de abundante alimentação, nem mudou sua forma de
vestir, pela debilidade de seu corpo, nem tampouco lavou seus pés com
água. E, no entanto, sua saúde se manteve totalmente sem
prejuízo. Por exemplo, mesmo seus olhos eram perfeitamente normais,
de modo que sua vista era excelente; não havia perdido nem um só
dente; só se haviam gasto as gengivas pela grande idade do ancião.
Manteve mãos e pés sãs, e em tudo aparecia com melhores cores e
mais fortes do que os que têm uma dieta diversificada, banhos e
variedade de roupas.
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EPÍLOGO. |
94. |
Agora, pois, leiam isto aos demais irmãos, para que também
eles aprendam como deve ser a vida dos monges, e se convençam de que
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo glorifica aos que o
glorificam. Ele não só conduz ao reino dos Céus os que o servem
até o fim, mas, ainda que se escondam e façam o possível por viver
fora do mundo, faz com que em toda parte sejam conhecidas e se fale
deles, por sua própria santidade e pela ajuda que dão a outros. Se
a ocasião se apresenta, leiam-no também aos pagãos, para que ao
menos deste modo possam aprender que Nosso Senhor Jesus Cristo é
Deus e filho de Deus, e que os cristãos, que o servem fielmente e
mantém sua fé ortodoxa nele, demonstram que os demônios,
considerados deuses pelos pagãos, não o são, mas antes os calquem
aos pés e afungentem pelo que são: enganadores e corruptores de
homens.
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