Respondo dizendo que sendo o mesmo o primeiro princípio das coisas e o seu fim último, é do mesmo modo que as coisas provém do primeiro princípio e se ordenam ao fim último.No provir das coisas a partir do princípio encontramos que aquelas que são próximas ao primeiro princípio possuem um ser indeficiente; as coisas, porém, que dele distam, possuem um ser corruptível, conforme está escrito no II De Generatione; de onde que, na ordenação das coisas ao fim, aquelas que são proximíssimas ao fim último indeclinavelmente possuem ordenação ao fim; aquelas que, porém, são remotas, às vezes declinam daquela ordem. Ora, as mesmas coisas são próximas e remotas em relação ao princípio e ao fim. Os incorruptíveis, deste modo, assim como possuem um ser indeficiente, assim também nunca declinam da ordem para com o fim em seus atos. São assim os corpos celestes, cujos movimentos nunca se desviam do curso natural. Nos corpos corruptíveis, porém, muitos movimentos, por defeito da natureza, ocorrem além da reta ordem. É por isto que o Filósofo, no XII da Metafísica, diz que na ordem do universo as substâncias incorruptíveis assemelham-se às pessoas livres em uma casa, os quais sempre operam para o bem da casa, mas os corpos corruptíveis assemelham-se aos servos e aos animais da casa, cujas ações freqüentemente saem da ordem do governante da casa. E é também por causa disso que Avicenna diz que além da órbita da Lua não existe o mal, mas somente nos seres que lhe são inferiores. Todavia, nem por isto nas coisas inferiores os atos deficientes da reta ordem estão inteiramente fora da ordem da providência. De fato, de duas maneiras algo pode submeter-se à ordem da providência: de um modo, como algo a que outro é ordenado; de outro modo, como algo que se ordena a outro. Ora, na ordem das coisas que existem para um determinado fim todos os intermediários são eles próprios fins e meios para o fim, assim como está dito no II da Metafísica. Por este motivo, tudo o que está dentro da reta ordem da providência está sob esta providência não somente como ordenado a outros, mas também como algo a que outros estão ordenados. O que sai, porém, da reta ordem, cai sob a providência apenas segundo que se ordena a outro, não segundo que algo é ordenado ao mesmo. Ocorre assim com o ato da natureza generativa, pelo qual na natureza o homem gera outro homem perfeito, o qual é ordenado por Deus a algo, isto é, à forma humana, e a este mesmo ato generativo outra coisa é por sua vez ordenada, a potência do homem que irá gerar; mas no ato deficiente, pelo qual às vezes são gerados monstros na natureza, embora seja ordenado por Deus a alguma utilidade, nada mais se ordena ao ato generativo deficiente pois ele acontece justamente pelo defeito ou ausência de alguma coisa. E assim em relação ao primeiro caso existe a providência de aprovação, enquanto que a respeito do segundo existe a providência de concessão, estes dois modos de providência tendo sido colocados pelo Damasceno no II De Fide Ortodoxa. Deve-se saber, todavia, que alguns filósofos referiram este modo de providência somente às espécies das coisas naturais, estendendo-a às coisas singulares apenas na medida em que estas coisas participavam na natureza comum, pois não julgavam que Deus conhecesse os seres em sua singularidade. Diziam, de fato, que Deus de tal ou qual modo havia ordenado a natureza de alguma espécie, de maneira que pela virtude que se seguiria à espécie tal ou qual ação deveria seguir-se. E que se alguma vez houvesse alguma deficiência, esta se ordenaria a tal ou qual utilidade, assim como a corrupção de um ente se ordena à geração de outro. Deus, todavia, não teria ordenado esta virtude particular a este ato particular, nem este defeito particular a esta utilidade particular. Nós, porém, dizemos que Deus conhece perfeitamente todos os seres particulares, e por isso colocamos a mencionada ordem da providência nos seres singulares mesmo enquanto singulares. |