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Sócrates é o filósofo que marca uma das grandes linhas divisórias na história da Filosofia Grega. Um dos motivos para tanto, dentre outros, é que somente dos filósofos que viveram depois de Sócrates chegaram até nós obras completas. Apesar de conhecermos numerosos filósofos antes de Sócrates, não restam deles senão notícias ou fragmentos de suas obras que só nos chegaram porque foram citados ou copiados em obras de filósofos posteriores. Por este motivo todos os primeiros filósofos gregos são chamados genericamente pelo nome de filósofos pré- socráticos. |
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Como Sócrates faleceu por volta do ano 400 AC, e o primeiro filósofo grego conhecido Tales de Mileto, o qual viveu por volta do ano 600 AC, estes duzentos anos são conhecidos também como o período da filosofia pré- socrática. |
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Mas mesmo entre os pré-socráticos há ainda outras linhas divisórias. Uma das mais nítidas é a marcada por um dos mais importante pré-socráticos, Parmênides de Eléia. Estas notas se referem ao caráter da filosofia pré- socrática apenas antes do aparecimento da obra de Parmênides, embora Anaxágoras, abaixo citado, lhe seja contemporâneo. |
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O primeiro filósofo grego, conforme dizíamos, foi Tales de Mileto. Tanto ele como os demais primeiros filósofos gregos são apresentados pelos livros texto modernos de Filosofia como pessoas dedicadas ao problema de determinar qual é o princípio material de que é constituída a natureza. No caso de Tales, citam-se as seguintes palavras de Aristóteles como se referindo ao que seria a sua doutrina fundamental:
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Contemporâneo de Tales foi Anaximandro. Ele escreveu uma obra intitulada "Sobre a Natureza", da qual, como os restantes pré-socráticos, apenas sobraram fragmentos citados em outros livros de filósofos posteriores. Segundo ele, o princípio da natureza não era a água, nem o ar, nem nenhum outro elemento particular, mas o infinito, algo em que todas as coisas têm origem e em que todas as coisas se dissolvem quando termina o ciclo estabelecido para elas por uma lei necessária. Este princípio infinito seria por si mesmo indestrutível.Anaximandro dizia também que a Terra é um cilindro que se encontra equilibrado no meio do mundo sem que nada o sustente porque, encontrando-se a igual distância entre todas as partes, não poderia ser movido por nenhuma delas. |
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O primeiro a ter introduzido a Filosofia na cidade de Atenas foi Anaxágoras, por volta de 450 AC, depois, portanto, das guerras médicas e no auge do poder ateniense. Também ele escreveu um livro intitulado "Sobre a Natureza", que se perdeu. Neste livro ele afirmava que não havia um princípio único constituindo a natureza, mas muitos, e estes sob a forma de partículas invisíveis a que ele chamava de sementes. As sementes não nascem nem morrem, mas combinam-se entre si de formas diversas e com isto dão origem às diversas substâncias. Em todas as coisas há sementes de todas as coisas, e a natureza de cada uma é determinada pelas sementes que prevalecem. Originariamente estas sementes estavam todas misturadas desordenadamente; uma inteligência, de natureza totalmente diversa, por não ser constituída de sementes, teria introduzido então nelas o movimento e a ordem.Anaxágoras é o primeiro filósofo registrado pela história a ter afirmado a existência de um princípio inteligente como causa da ordem do mundo. Aristóteles disse que ele
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Considera-se freqüentemente nos livros textos modernos que a diferença entre os primeiros filósofos gregos e outros textos aparentemente semelhantes de outras partes do mundo da época consistiria principalmente em que enquanto os demais, ao discorrerem sobre a natureza nada mais faziam do que reportar um mito ou uma lenda, os filósofos gregos, ao contrário, mesmo quando apresentavam uma teoria aparentemente ingênua, esta não era porém mais um mito para eles, mas uma tentativa de explicar ou pelo menos de buscar uma verdade que pudesse ser compreendida e justificada racionalmente. Esta atitude não existiria entre os demais povos da época. Tal interpretação, porém, não é inteiramente satisfatória, e é fácil de apreender- se nela uma transferência um pouco simplista do ideal contemporâneo da pesquisa científica para os filósofos pré-socráticos. De fato, para entender o que deu origem ao movimento filosófico é preciso fazer um esforço proposital para nos reportarmos a um mundo e a um pensamento muito diferente do que aquele ao que estamos habituados nos dias de hoje. |
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A interpretação da filosofia pré-socrática que comentamos no item anterior também é resultado de uma análise por parte de alguns autores modernos que leva muito mais em conta os pequenos testemunhos do que sobrou da doutrina dos filósofos pré-socráticos, desconsiderando outros testemunhos, poucos também, mas que igualmente nos chegaram, sobre o gênero de vida que eles levavam e os seus traços pessoais. |
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Os filósofos gregos posteriores apresentaram os primeiros pré-socráticos como pessoas desprendidas das preocupações materiais do dia a dia e dedicados apaixonadamente à contemplação da natureza.Sobre Tales de Mileto corria na antiguidade uma anedota transcrita nas obras de Platão e de Aristóteles de que ele, caminhando pelo campo e absorto na contemplação do céu prendeu o pé em uma armadilha para animais, provocando as gargalhadas de uma velhinha natural; da Trácia que o estava seguindo, que lhe lançou ao rosto o seu costume de contemplar as estrelas sem ver onde os pés pisavam. |
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Quanto a Anaxágoras, o que introduziu a Filosofia em Atenas, também é apresentado pela tradição como um homem estranho a qualquer atividade prática. Para poder se ocupar a contemplar a natureza, entregou toda a sua fortuna de presente aos seus parentes. Interrogado sobre o objetivo de sua vida, respondeu que vivia para contemplar o Sol, a Lua e o céu. Aos que lhe reprovaram a falta de interesse pela sua pátria, respondeu que a sua pátria, ao contrário, lhe importava muitíssimo, apontando com o dedo para o céu. |
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Pitágoras, ao que parece, tendo sido primeiramente discípulo de Anaximandro de Mileto, conterrâneo e contemporâneo de Tales, e tendo depois passado mais de duas décadas estudando entre os sábios do Egito e depois mais uma década e pouco entre os sábios da Pérsia, quando voltou para a sua pátria e lhe perguntaram o que era ser filósofo, respondeu com a seguinte comparação:
diz Pitágoras,
continua Pitágoras,
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Aparentemente esta atitude é tão estranha e inesperada para o homem de hoje que a sua primeira reação será provavelmente a de considerar tais pessoas como excêntricas, quando não loucas. Entretanto, uma série de outros testemunhos de filósofos e historiadores que viveram na antiguidade posteriormente aos pré-socráticos deveriam desfazer esta primeira impressão e forçar o homem de hoje a tentar buscar uma interpretação mais profunda para esta atitude dos filósofos. |
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De Tales, sabe-se que era capaz de calcular e prever os eclipses solares. Ele deixou demonstrados alguns teoremas de Geometria que são estudados até hoje. De Tales de Mileto assim afirmou Aristóteles em seu tratado de Política:
O mesmo Tales é citado pelos historiadores antigos como grande amigo de Sólon, o grande reformador de Atenas, o que mostra que, apesar de sua pobreza, não era tido por qualquer um. O primeiro encontro havido entre Sólon e Tales é narrado por Plutarco ao biografar a história de Sólon no seu livro "As Vidas dos Homens Ilustres". Sólon vinha de Atenas e, ouvindo a fama de Tales, passando por Mileto, quis fazer-lhe uma visita pessoal. Diz então Plutarco:
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Quanto a Anaxágoras, aquele que introduziu a Filosofia em Atenas e apontava para o céu para indicar a sua pátria, o mesmo Plutarco atribui a este filósofo toda a formação do caráter de Péricles, o homem mais importante de toda a história grega depois de Alexandre o Grande, o qual último, ademais, também ele viria a ser educado por outro filósofo, nada menos do que o próprio Aristóteles.O testemunho de Plutarco sobre Anaxágoras é bastante eloqüente. Encontra-se na "Vida dos Homens Ilustres", quando biografa a vida de Péricles. Diz Plutarco que
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E, no que diz respeito a Pitágoras, a história afirma que, depois de ter completado sua formação primeiramente com Anaximandro, depois no Egito e na Pérsia, nas cidades da Magna Grécia onde ele ou os seus primeiros discípulos abriam uma escola de Filosofia, as populações locais suplicavam aos seus governantes que aceitassem os filósofos pitagóricos como conselheiros permanentes, o que estes costumavam fazer, sob a orientação da própria escola, sem daí procurarem vantagens financeiras. |
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Estas informações são suficientes para deixar entrever que o principal objetivo dos primeiros filósofos de viverem para contemplar a natureza não pode ser ingenuamente classificado como uma simples extravagância. Ao contrário, é preciso que seja mais seriamente analisado e interpretado, o que será feito, colocada esta introdução, posteriormente neste livro. |
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A interpretação correta do que se entendia por uma vida dedicada à contemplação da natureza é passo decisivo também para o correto entendimento da obra de Parmênides. este homem, de fato, operou um salto gigantesco no conceito de Filosofia dos primeiros pré-socráticos, o qual não poderá ser compreendido se não for possível compreender primeiramente com uma certa profundidade o verdadeiro significado da atitude dos primeiros filósofos que o precederam. |