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O Estudo das Sagradas Escrituras.O primeiro caminho para se alcançar a fé é o próprio estudo das Sagradas Escrituras, pois elas estão repletas de exemplos do que seja a fé, uma virtude profunda e que se manifesta de muitas formas diversas. É através do estudo e da meditação destes exemplos que aprendemos aos poucos qual seja a natureza e o alcance da fé. E, mesmo quando a Escritura não nos fala diretamente da própria fé, nos fala de Deus e das coisas celestes, que são o objeto da fé. A fé, portanto, permeia inteiramente as Escrituras.Sob este ponto de vista é importante não apenas o estudo do Novo, como também do Velho Testamento. A Epístola aos Hebreus nos diz bem claramente que todos os personagens do Antigo Testamento que se salvaram o fizeram pela fé, e cita os exemplos nominais de Abel, Enoc, Noé, Abraão, Sara, Isaac, Jacó, José, Moisés, os israelitas sob o comando de Josué que cercaram Jericó, Raab, Gedeão, Baruc, Sansão, Jefté, Davi, Samuel, apenas para mencionar os mais conhecidos. E, depois de citar ainda outros, dizendo que o que eles fizeram o fizeram pela fé (Heb. 11, 33), conclui:
Não será preciso explicar como o Novo Testamento se refere constantemente à fé; dificilmente se encontra nele uma página em que esta virtude não aparece mencionada diversas vezes. O que é um pouco mais difícil de se perceber é que ocorre quase a mesma coisa também no Antigo Testamento, embora ali a fé não costume se apresentar com este nome. Vejamos alguns casos, a título de exemplo e de motivação para o estudo do Antigo Testamento. O Livro de Josué.Um exame superficial diria que o livro de Josué é essencialmente uma narrativa de uma série de batalhas empreendidas pela conquista da Palestina. De fato, o enredo histórico deste livro é este, mas ele é apenas a superfície da obra. Tal como o livro de Josué, a vida de todo homem sobre a terra também é uma série de batalhas empreendidas por alguma finalidade, mas em muitas destas vidas há uma essência que está muito além da narrativa histórica destas lutas. Sem dúvida alguma, Josué foi uma destas vidas.Principal personagem do livro que leva o seu nome, Josué foi o sucessor de Moisés no comando do povo judeu. Seu livro narra como o povo escolhido, após 40 anos de estadia no deserto, atravessou o rio Jordão e, em uma série de campanhas militares, nas quais freqüentemente entravam em condições de inferioridade, venceram e dominaram os povos que habitavam a terra prometida. Muito faltava ainda para que se completasse a conquista desta região quando Josué veio a falecer. A morte do valoroso comandante deixava para os que ficavam muitos problemas pendentes; além das conquistas a fazer, as terras já conquistadas teriam que ser defendidas contra os inimigos e seria de se esperar que Josué, antes de morrer, deixasse orientações precisas sobre a necessidade de se formar um exército regular, como mantê-lo bem treinado, fortemente armado e ocupando todas as posições estratégicas. Josué, porém, não fêz nada disso; o grande estrategista, vencedor de inúmeras batalhas impossíveis, em suas últimas palavras mostrou pouca ou mesmo nenhuma preocupação a respeito de questões militares. Em vez disso, deixou aos israelitas conselhos bastante diversos como sendo o seu testamento:
disse Josué em seu leito de morte,
Eis a alma de Josué, um exemplo de fé, através do qual as Escrituras nos querem ensinar a nós, homens de hoje. Em suas últimas palavras, depois de nos ter ensinado pelo testemunho de sua vida, Josué nos propõe o mesmo ensinamento que Jesus nos deu no Sermão da Montanha:
diz Jesus,
Vemos, pois, que a mensagem do livro de Josué é a mesma que a do Sermão da Montanha, e que estão muito longe da verdade aqueles que imaginam que, enquanto o Antigo Testamento nos fala de guerras, o Novo nos fala da vida do espírito. O Segundo Livro das Crônicas.O Segundo Livro das Crônicas narra a história de Salomão e dos dezenove reis que o sucederam no trono de Judá. Aparentemente trata-se de uma outra interminável sucessão de guerras. Mas sob a superfície deste enredo a obra utiliza-se precisamente destes fatos como de um instrumento para nos transmitir verdades e ensinamentos mais profundos.Já mencionamos no início deste livro que Salomão foi figura de Cristo, e que certos fatos narrados pelas Escrituras a seu respeito são na realidade profecias sobre Cristo. Dele Deus havia prometido a Davi:
Ora, logo no início de seu reinado, subindo ao trono de seu pai Davi ainda muito jovem, Salomão dirigiu-se a Deus pedindo-lhe
Estes são os principais dons do Espírito Santo, e a Escritura, comentando este pedido de Salomão, afirma que
Tal como fêz Salomão, consta que Jesus exortava aos seus discípulos que, quando orassem, pedissem a Deus a graça do Espírito Santo:
diz Jesus,
A oração que o próprio Deus insiste em pedir que lhe façam não pode deixar de ser atendida. Deus, de fato, não tardou em responder à oração de Salomão:
disse o Senhor a Salomão,
À semelhança de Salomão, o Novo Testamento também afirma de Cristo Jesus que nele
"Ele (também) edificará uma casa ao meu nome", prometeu o Senhor a Davi. A profecia cumpriu-se; Salomão edificou o templo de Jerusalém, Jesus edificou a sua Igreja. Em uma carta que escreveu ao rei de Tiro, reproduzida no Segundo Livro das Crônicas, Salomão explicou seus objetivos ao empreender a construção do templo:
diz Salomão,
Ora, o incenso é uma figura da caridade, aquele fogo que Jesus diz ter vindo espalhar sobre a terra (Lc. 12, 49), e estar na presença de Deus é uma virtude muito próxima da fé. De fato, diz a Escritura, quando Abraão chegou à idade de noventa e nove anos o Senhor apareceu-lhe e lhe disse:
Concedia Deus com estas palavras a Abraão a graça de viver na sua presença, uma graça também concedida ao profeta Elias, segundo ele próprio o declara: "Viva o Senhor, em cuja presença eu estou" (I Reis 17,1; 18,15). Da presença de Deus também o salmista se admira:
Quando Salomão, pois, declara ter construído o Templo de Jerusalém para que ali se queimasse incenso na presença do Senhor, estava na realidade descrevendo a fé animada pela caridade de que fala São Paulo na Epístola aos Gálatas, aquela virtude que torna os homens justos e faz deles templos do Espírito Santo, motivo pelo qual Jesus também edificou a sua Igreja:
diz São Pedro,
O Livro de Tobias.No livro de Tobias encontra-se uma grande lição do que seja a verdadeira fé. Tobias foi um homem muito justo, da tribo de Neftali, levado cativo para a Assíria juntamente com o seu povo:
diz de Tobias o livro que leva o seu nome,
Mas Tobias não se limitava apenas a praticar a caridade para com o próximo; ele também não temia arriscar continuamente a sua própria vida para isto. Senaquerib, o rei dos Assírios, tinha rancor contra os filhos de Israel e não os podia ver. Mandou matar muitos israelitas, que Tobias, em segredo, para não ser ele próprio morto, depois os sepultava. Tobias
diz o seu livro (Tob. 1, 19-20). Quando o rei finalmente
Tobias teve às pressas que despojar-se de tudo e fugir com o seu filho e sua mulher para não ser morto. Passado, porém, o maior perigo, Tobias retornou para sua casa e continuou procedendo como sempre havia feito. Depois disto, num dia de festa, tendo preparado um grande banquete em sua casa para muitas pessoas, alguém entrou em sua casa e avisou-o que um dos filhos de Israel jazia degolado na rua:
Depois de ter escondido o cadáver na mesma casa onde estava se celebrando a festa que ele próprio havia organizado, pôs- se Tobias a
Depois do sol posto, saíu novamente da festa e sepultou o morto. Não se pense, porém, que a conduta de Tobias fosse elogiado por seus conterrâneos. Ao contrário, ele era visto como uma espécie de louco e merecedor de censura:
diziam-lhe os vizinhos;
Porém Tobias, diz a Escritura,
Havia dias em que,
A divina providência também parecia não se importar com o que ele fazia; em vez de premiá-lo, aconteciam-lhe mais desgraças. Um dia em que voltou para casa tarde da noite, exausto de enterrar os mortos, caíu-lhe de um ninho de andorinhas um pouco de esterco quente sobre os olhos e ficou cego:
diz a Escritura,
Tobias não se entristeceu por ter ficado cego. Ao contrário, continua a Escritura,
Mas os vizinhos e até os seus familiares não entenderam a atitude de Tobias, e passaram a aproveitar-se da desgraça da cegueira para insultá-lo mais violentamente:
diziam-lhe os vizinhos,
Sua mulher também certa vez lhe respondeu com ira:
Com estas e outras palavras semelhantes, diz a Escritura,
Ora, a experiência mostra que uma pessoa que vive como Tobias viveu, expondo-se cotidianamente a grave risco de vida, praticando continuamente ações perigosas em momentos que nem ele nem a sua família tem liberdade de escolher, que além de profundamente desagradáveis, só podem ser executadas sob a preocupação constante de não ser visto ou descoberto sob pena da própria vida, sem apoio de ninguém ou de nenhuma organização, ao contrário, procurado e perseguido pelas autoridades, insultado por amigos e familiares, e a tudo isto se seguindo a desgraça em vez da fortuna, este homem é, com certeza, uma pessoa que em poucos anos se tornará um traumatizado, um neurótico, alguém que necessitará de tratamento psicológico ou de acompanhamento psiquiátrico. Se lermos o seu livro com atenção, é isto o que deveríamos esperar de um Tobias. Mas a descrição que a Sagrada Escritura faz da evolução de sua vida é completamente diferente. De Tobias ela nos dá este impressionantíssimo testemunho:
Ora, isto é conseqüência precisamente da vida da fé. Não fosse Tobias um justo que vivia da fé, teria sido destruído pela sua própria história. Ao contrário, diz a Escritura, como se nada estivesse acontecendo, durante os anos que durou a sua cegueira e por todos era insultado, com muitos conselhos exortava o seu filho a não fazer caso dos que o desprezavam:
dizia o pai Tobias,
Não há trauma que possa arrasar um homem como este. Quando o insultavam, respondia singelamente que
Depois de alguns anos, diz a Escritura, Tobias recuperou a vista e
Para nós deixou o exemplo do que significa viver da fé. O Livro de Judite.No livro de Judite temos o exemplo de uma fé que não apenas se nos mostra com as qualidades da firmeza e constância, mas que, além disto, amadureceu pela experiência de sua própria vivência.O livro nos conta uma história ocorrida pouco depois do retorno do povo judeu do exílio da Babilônia. Sabemos disso porque, durante a narrativa, um dos personagens, Aquior, diz a respeito dos judeus que
Percebe-se, no livro de Judite, a intenção de narrar uma história cujos fatos são reais. Grande parte dos nomes das pessoas e dos lugares, porém, são fictícios; alguns são tão claramente impossíveis que o autor parece tê-los incluído propositalmente apenas para deixar claro que, por algum motivo que nos é desconhecido, quis ocultar os nomes verdadeiros. A história de Judite se inicia quando Nabucodonosor, apresentado como rei dos assírios reinando em Nínive, após vencer uma guerra contra os medos, ensoberbeceu- se em seu coração e enviou o general Holofernes para que
Na época em que ocorreram os fatos narrados no livro de Judite, porém, Nabucodonosor, monarca nomeado em outros livros das Sagradas Escrituras, já havia morrido há muito tempo; ele também não havia sido rei dos assírios, mas dos babilônios, e a cidade de Nínive, uma das maiores do mundo antigo, jazia em ruínas há pelo menos mais de um século. Não foi, porém, por engano que o autor deste livro nos apresentou este personagem impossível, porque qualquer judeu de sua época que tivesse lido o livro, assim como qualquer pessoa de hoje que tenha familiaridade com as Sagradas Escrituras, perceberia de imediato a impossibilidade deste personagem tão claramente como hoje qualquer brasileiro perceberia que Napoleão não poderia ser um presidente do Brasil no século XX. Nabucodonosor, o suposto rei dos assírios apresentado pelo livro de Judite, portanto, deve ser algum poderoso rei persa que o autor, por algum motivo a nós desconhecido, não quis identificar. Os reis persas eram, nesta época, soberanos muito poderosos. Além de dominarem todo o Oriente, foram o primeiro povo da história que conseguiram derrotar e conquistar a civilização egípcia, que já tinha, nesta época, três mil anos de existência, era uma das principais potências do mundo antigo e estava situada em território relativamente afastado e protegido das demais grandes potências da época. Quando, portanto, o rei persa que o livro de Judite nos apresenta como sendo Nabucodonosor enviou o general Holofernes para que subjugasse todas as nações para que "só ele fosse chamado de deus", não é motivo de espanto o terror que se apossou de todos os povos:
diz o livro de Judite,
isto é, os seus lugares de culto (Jd. 3, 9-12). Tal foi a reação de todos os povos diante das tropas do rei persa. Qualquer tentativa de defesa era manifestamente impossível; só lhes restava ajoelharem-se diante do inimigo, beijarem-lhe os pés e esperarem que não destruísse mais do que aquilo a que já se havia proposto. Nenhum dos povos por onde passou o general Holofernes reagiu de maneira diversa, tal era a evidência da superioridade do poder militar dos persas. Só a reação dos judeus foi diferente. Eles temiam, diz o livro de Judite, que Holofernes fizesse à
Tamanha era a convicção do povo judeu que o Deus de Israel era o Deus verdadeiro que decidiram prepararem-se para uma guerra impossível. Ao contrário de todas as nações, os judeus
O sumo sacerdote Eliaquim não era de opinião diversa. Ele percorria as cidades de Israel exortando o povo à fé. Recordava-lhes como exemplo a fé que havia animado Moisés, dizendo-lhes:
Se esta atitude ainda é capaz de causar espanto para nós, homens de hoje, tão distantes no tempo da realidade daqueles acontecimentos, quanto mais não o terá sido para o próprio general Holofernes, ao ouvir que um povo militarmente insignificante se preparava para resistir ao seu exército. Ele admirou-se, dizem as Escrituras, e em seguida
Não podia acreditar que um povo tão pequeno tivesse a ousadia de pretender guerrear contra o seu exército.
continua a Escritura,
uma cidade cujo nome provavelmente também é fictício, mas que ocupava uma posição estratégica no caminho para Jerusalém. Bastou, porém, que as tropas de Holofernes se aproximassem de Betúlia,
e a cercassem durante 20 dias para que ficasse claro que a fé dos habitantes daquela cidade era do mesmo gênero daquela que animava São Pedro antes do dia de Pentecostes. "Caminhando sobre as águas do mar ao encontro de Jesus", diz o Evangelho de Mateus, "e percebendo a força do vento, Pedro teve medo e começou a afundar. Jesus então o repreendeu:
Esta fé, diz também Jesus,
Assim se mostrou ser a fé dos betulienses. Eles creram em Deus, mas as raízes desta fé não foram suficientemente profundas. Vinte dias depois de iniciado o cerco de Betúlia pelas tropas de Holofernes, "que havia decidido vencê-los sem combate" (Jd. 7, 9),
Vinte dias antes Eliaquim lhes havia recordado que nenhuma força humana é capaz de vencer aqueles que crêem no Senhor. "Deus combaterá por vós", havia-lhes dito muito tempo antes Josué, e "um só de vós porá em fuga mil homens dos inimigos", se
Mas agora, diante do espectro da sede, ninguém via mais como isto seria possível e nem acreditava mais nestas palavras. Ao contrário, chamaram Ozias, o governador da cidade, e lhe disseram:
Ozias, o governador da cidade, também não estava mais certo se naquela situação ainda se poderia confiar em Deus. Quando o povo, já "cansado de clamores e de prantos" (Jd. 7, 22), ficou alguns momentos em silêncio, Ozias aproveitou para propor-lhes uma experiência:
É visível, nestas passagens, que o livro de Judite quer tratar, mais do que sobre a questão da natureza da fé, sobre a questão da experiência da vida da fé, claramente evidenciada nas atitudes dos betulienses. A fé dois betulienses era aquela fé sem raízes de que Jesus fala na parábola do semeador, que como uma semente plantada em lugares pedregosos, sobrevindo o calor causticante da provação, queima e seca, porque não tem raízes. O livro de Judite quer nos mostrar o contraste entre esta fé sem raízes, uma fé que se desenvolveu muito rapidamente ou tão desatentamente que não teve tempo ou atenção para fazer a experiência de si mesmo, e a fé de Judite, que por ter provavelmente já longamente vivido da fé, não apenas cria que Deus auxilia aqueles que o buscam, mas também havia experimentado de que modo Deus faz isto. Não era o modo como os betulienses esperavam que fosse. A Escritura nos ensina que a providência divina ampara de um modo especial aqueles que vivem da fé. Diz, de fato, o livro de Provérbios:
E também acrescenta o Eclesiástico:
Santo Tomás de Aquino, como se estivesse comentando estas passagens, nos mostra nas Quaestiones Disputatae de Veritate que os homens bons estão inseridos dentro de uma ordem da providência divina que difere essencialmente do modo como se ordenam todos os demais entes:
diz Tomás de Aquino,
Estas palavras de Santo Tomás de Aquino, e muitas outras de que estão repletas os textos dos santos, via de regra provêm de pessoas que têm a experiência do que dizem. São testemunhos de homens que experimentaram, em grau maior ou menor, por terem vivido por longo tempo a vida da fé, de que modo devem ser entendidas as palavras de Jesus quando nos exortava a buscar em primeiro lugar o Reino de Deus, prometendo-nos que tudo o resto nos seria acrescentado (Mt. 6, 33). A experiência mostra que, ao contrário do que parece sugerir à primeira vista tal promessa, a provação não tarda a se aproximar dos que crêem, conforme nos ensina o Eclesiástico:
diz o Eclesiástico,
Ocorre, porém, que mais tarde, se é verdade que o homem busca em primeiro lugar o reino de Deus, começa a ficar sempre mais claro que as provações parecem vir propositalmente para poderem ser vencidas através da virtude da fé e para que, vencendo-as justamente deste modo, o homem possa aprender a viver ainda mais profundamente da fé. É isto o que nos diz o livro da Sabedoria:
E também:
É por isso que o Eclesiástico, após ter pedido ao homem preparar a "sua alma para a provação", acrescenta logo em seguida:
As Sagradas Escrituras estão repletas de exemplos concretos destes ensinamentos. Nos vinte primeiros capítulos do Êxodo elas nos narram como Deus havia libertado os judeus do Egito com prodígios tão extraordinários que eles praticamente nada tiveram que fazer senão admirar como Deus tudo fazia e a tudo provia. Mas, depois que alcançaram a liberdade através da passagem do Mar Vermelho, Deus pediu-lhes que lutassem, em condições de evidente inferioridade, para conquistarem a terra prometida. Esta conquista é a narrada no livro de Josué. Comparando-se, porém, as narrativas de Êxodo e de Josué, vem naturalmente a pergunta: que necessidade havia de se lutar? Deus que havia feito tudo na libertação do Egito, uma nação muito mais poderosa, não poderia fazê-lo novamente na conquista da terra prometida, em vez de fazer passar o povo judeu pelo medo e pela angústia de enfrentar inimigos mais poderosos do que ele? Mas se nos lembrarmos das palavras que Josué nos deixou próximo ao término de sua vida, teremos que concluir que isto não ocorria senão para dar ocasião aos israelitas de aprenderem a viver da fé e a crescerem nela. Dentro da própria narrativa de Êxodo encontramos novamente exemplos deste modo de agir da providência. Quando os judeus estavam no cativeiro, Deus havia transformado as águas dos rios do Egito em sangue (Ex. 7, 14- 25), para que o Faraó libertasse o povo escolhido. Mas Faraó não cedeu. Seguiu-se então a praga das rãs (Ex. 7, 26-29; 8, 1- 11), e Faraó novamente não cedeu. Seguiu-se a praga dos mosquitos (Ex. 8, 12-15), e Faraó ainda não cedeu. Quatro novas pragas mais adiante, e Faraó ainda não cedia, não obstante os sinais evidentes que manifestavam a origem divina destes prodígios. Deus então anunciou a Moisés a oitava praga, pela qual as terras do Egito seriam infestadas, à sua ordem, por uma extraordinária horda de gafanhotos. Moisés já antevia que Faraó continuaria não cedendo e que se trata, portanto, de um esforço aparentemente inútil. Mas era evidente também para Moisés que Deus, que tinha o poder de realizar todos aqueles prodígios, poderia, se o quisesse, dizer apenas uma só palavra e mudar o coração de Faraó. Por que, então, não o fazia? É possível que Moisés tenha feito esta pergunta, apenas em seu íntimo ou diretamente para Deus. Se o fêz de fato, as Escrituras não o dizem. Contudo, quando Deus anunciou a oitava praga, explicou também a Moisés porque procedia daquele modo, como se Moisés o tivesse perguntado ou como se o próprio Deus se estivesse antecipando à pergunta. É claro que Deus poderia dizer uma só palavra e mudar o coração de Faraó, mas, se procedia diversamente, Deus disse que assim o fazia,
Para quem bastava dizer uma só palavra e com isto mudar o coração de Faraó, anunciar uma oitava e devastadora praga depois das sete que já se tinham mostrado inteiramente inúteis parecia uma atitude incompreensível e até uma fonte de angústia e apreensão para o povo judeu, o suposto beneficiário das mesmas. Mas Deus procedia assim para o nosso bem; Ele queria ensinar-nos a, contemplando aqueles prodígios, remontar a atenção de nossa alma para uma outra realidade. Desejava, através daqueles eventos visíveis, que aprendêssemos a conhecê-lo melhor e pudéssemos, através do conhecimento da fé, nos aproximar dele. E é assim que Ele ainda age, não apenas com o povo judeu ao ter saído do Egito, mas com todos aqueles que se propõem a empreender a sua busca:
diz uma irmãzinha missionária que quis ocultar-se no anonimato,
Tal como Deus havia ensinado a Moisés, a experiência também ensinou a esta irmãzinha que a providência lhe dispunha os acontecimentos de sua vida para que, também através deles, aprendesse a deixar de avaliar a realidade através das sugestões da carne e passasse a contemplar com os olhos da alma outras realidades bem mais profundas. Nada disso, porém, haviam ainda aprendido os betulienses. Quiseram confiar em Deus, mas ignoravam que Deus mais quereria, ao ver suas boas disposições, aumentar-lhes a fé do que dar-lhes o descanso que julgavam merecer. Por isto, quando Deus lhes respondeu de acordo com a sua fé, não entenderam e se desesperaram. Não sabiam mais o que fazer, pois não tinham tido verdadeira experiência destas coisas. Eram marinheiros de primeira viagem, e logo na primeira tinham se deparado com uma tempestade a enfrentar. Com o navio estava tudo certo; o problema era a inexperiência da tripulação. A sorte da cidade era que nela havia alguém que já vivia da fé há muito tempo, uma senhora chamada Judite, viúva há três anos e meio. Após a morte do marido, diz a Escritura,
Desta descrição depreende-se já estarmos diante de uma vida seriamente dedicada a Deus desde a juventude. "Estimadíssima por todos, sem que houvesse ninguém que dissesse dela uma palavra de desfavor", mostra que a sua fé não era recente, por ter sido já provada por muitos; "porque tinha muito temor de Deus" denota a profundidade dos dons do Espírito Santo; o "quarto retirado" e a prática do "jejum todos os dias de sua vida" são instrumentos auxiliares de uma vida séria de oração, que é, conforme veremos, o principal meio de se obter a fé. Uma pessoa assim, com certeza, teria que reagir muito diversamente diante do cerco do general Holofernes. De fato, "tendo Judite sabido que o governador da cidade havia prometido entregar a cidade dali a cinco dias" (Jd. 8, 9), caso não viesse uma resposta de Deus, mandou chamar os anciãos de Betúlia e lhes disse:
Estas são palavras de quem certamente já havia experimentado que se
Judite sabia o que era a fé, e conhecia a resposta de Deus à fé; sabia que os judeus tinham entrado em luta contra Holofernes apenas com a arma da fé; sabia também que o que os betulienses faziam agora não provinha da fé, mas do abandono da fé. Estavam, pois, inteiramente desprotegidos, sem a única defesa com que contavam.
continua Judite,
Tratava-se, sem dúvida, não de um castigo, mas de uma oportunidade que Deus dava àqueles que tinham resolvido trilhar o caminho da fé para aprenderem a se libertar da pressão dos julgamentos que procedem dos sentidos da carne e desfrutarem da liberdade de agir à luz de realidades que somente podem ser apreendidas por outros canais. É isto o que acrescenta Judite:
O livro conta então como esta mulher, sem auxílio de nenhuma arma, apenas revestida da virtude da fé, pediu que se lhe abrissem as portas da cidade e dirigiu-se sozinha ao acampamento inimigo. Alguns dias mais tarde, o exército persa batia em retirada para nunca mais retornar. Antes de sair de Betúlia, porém, Judite retirou-se e pronunciou em particular uma oração, na qual se percebe claramente como ela apreciava aqueles acontecimentos inteiramente à luz de uma outra realidade. Talvez sejam estas as palavras mais belas e mais profundas deste livro:
diz Judite,
Esta é a mesma fé da irmãzinha anônima que admirava os fios sutis com que a providência urde a tela de nossa vida, e se contentava em ser a pequena lançadeira que doce e calmamente desliza entre os fios da urdidura divina. Como Judite conseguiu sozinha derrotar um exército cuja força não tinha rival militar sobre toda a face da terra são fatos inteiramente secundários que o leitor poderá verificar pessoalmente nas Sagradas Escrituras. A verdadeira lição do livro de Judite é sobre a natureza da vivência da virtude da fé que ele nos ensina. Conclusão.Destes exemplos, que poderiam ser multiplicados indefinidamente, depreende-se quão importante é o estudo das Sagradas Escrituras para se alcançar a virtude da fé, fonte da graça e de todo o bem. Será, pois, uma obrigação para aqueles que desejam se aproximar de Deus o estudo constante e metódico das Escrituras.Resta-nos apenas concluir esta exortação com as palavras de Hugo de São Vítor do prólogo das "Alegorias de ambos os Testamentos":
diz Hugo de S. Vitor,
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