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Introdução.Iniciamos este livro recordando que o assunto principal do texto anterior havia sido a graça do Espírito Santo. Este assunto, por sua vez, surgiu como uma exigência de outros anteriores, nos quais mostramos que os ideais da vida cristã são o amor a Deus e ao próximo. Havíamos descrito rapidamente em que consistiam estes dois ideais e mostramos que eles são, na verdade, não dois, mas um só ideal. Ao termos feito isto, tivemos, por conseqüência, que tratar da graça do Espírito Santo porque, conforme mostramos, sem a graça do Espírito Santo não é possível alcançar nem viver este ideal. Na verdade, sem a graça do Espírito Santo nem sequer é possível evitar o pecado ou perseverar na prática elementar dos mandamentos.Vimos também que a graça do Espírito Santo é algo que pode crescer no homem, possuindo graus que se sucedem uns aos outros à medida em que se desenvolve a vida espiritual. Conforme tivemos a ocasião de explicar, as várias fases do crescimento da vida cristã podem ser distingüidas umas das outras de acordo com qual dos sete dons do Espírito Santo se manifesta de modo principal em cada uma; o desenrolar da vida espiritual desde a conversão até a plenitude da filiação divina pode distingüir-se segundo os sete dons do Espírito Santo de que fala Isaías, pois, embora seja verdade que todos aqueles que se convertem e vivem em estado de graça possuam simultaneamente todos os sete dons do Espírito Santo, ordinariamente a vida cristã se inicia com a manifestação predominante do dom de temor, através do qual o Espírito Santo nos concede um primeiro discernimento para reconhecer o pecado e a força para poder evitá-lo. Aquele que, fiel ao dom de temor, perseverar na prática da vida cristã, irá passar pelos dias dos outros dons e, se se mostrar fiel a todos, atravessará os sete dias da vida espiritual até alcançar aquele em que se manifesta de modo especial o dom de sabedoria, o maior de todos os dons do Espírito Santo, que eleva, junto consigo, a vivência de todos os demais à sua plena maturidade. Isaías não é o único livro das Sagradas Escrituras que trata dos dons do Espírito Santo. No Novo Testamento o Evangelho de São Mateus fala a este respeito quando nos mostra no Sermão da Montanha Jesus ensinando o desenvolvimento da vida cristã segundo as sete bem aventuranças:
diz Jesus,
As bem aventuranças são assunto a ser tratado mais detalhadamente numa próxima aula; será possível mostrar, com base nos escritos de Santo Tomás de Aquino, que estas sete bem aventuranças descrevem todo o desenvolvimento da vida espiritual desde o surgimento do dom de temor até a manifestação do dom de sabedoria, quando o homem alcança a plenitude da filiação divina, e que cada bem aventurança corresponde a um dos dons do Espírito Santo na mesma seqüência em que foram apresentados no texto anterior. Fica aqui assinalado, porém, que no Novo Testamento, no Evangelho de São Mateus, ensina-se a mesma doutrina que é ensinada em Isaías. No Velho Testamento encontramos o Livro dos Provérbios que também trata dos dons do Espírito Santo. Ele se inicia com a afirmação, várias vezes depois repetida ao longo do livro, de que
Pensamos que, ao ter-se assim expressado, o livro de Provérbios quis afirmar que aquele que recebe o dom de temor e a ele for fiel, irá avançando gradativamente na vida espiritual até alcançar o dom de sabedoria. Podemos confirmar esta interpretação examinando outras passagens do mesmo livro. De fato, está escrito no início do Livro de Provérbios:
Que querem dizer estas palavras de Provérbios? À primeira vista estas passagens podem parecer simples elogios de efeito oratório, feitos ao acaso, apenas obedecendo a critérios estéticos. O contrário, porém, nos é revelado como fruto de um exame mais atento. É evidente, em primeiro lugar, que a sabedoria de que fala o Livro de Provérbios não pode ser um corpo de conhecimentos produzido pelo trabalho dos estudiosos, nem pela experiência dos homens de idade avançada, pois nestas passagens se diz que
Trata-se, portanto, do dom do Espírito Santo de que fala também o profeta Isaías. As mesmas passagens mencionam ainda a possibilidade de se
o que não teria sentido se se tratasse de um corpo de conhecimentos produzido ou adquirido pela experiência dos homens. As passagens citadas também afirmam que a sabedoria a que elas se referem deve ser
Dizer isto é o mesmo que dizer que ela deve ser o fim último do homem, pois a maioria dos homens vive, conforme já vimos, uma vida cuja finalidade é a obtenção do dinheiro. As Sagradas Escrituras, porém, em muitas outras passagens, afirmam que o fim último do homem é amar a Deus, e ela não pode contradizer-se consigo mesma. É necessário, portanto, que a sabedoria de que fala o Livro de Provérbios como devendo ser buscada como se busca ao dinheiro seja aquele mesmo dom de sabedoria de que falamos no texto anterior pelo qual, e somente pelo qual, é possível cumprir plenamente o mandamento de amar a Deus perpetuamente, "com todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento, com todas as forças". Vimos ainda no texto anterior como entre o dia do temor e o dia da sabedoria há uma longa caminhada e uma porta estreita, muito estreita, pela qual poucos passam, mas que aqueles que o alcançam são aqueles que se tornam filhos de Deus no sentido mais pleno desta expressão. São aqueles que têm em si aquela água viva de que Jesus dizia "que viria a ser neles uma fonte de água que jorra para a vida eterna"(Jo. 4, 14); são também aqueles de quem Jesus, "falando do Espírito Santo que haveriam de receber os que nEle cressem", disse que "de seu seio correriam rios de água viva"(Jo. 7, 7). No livro de Provérbios lemos uma afirmação muito semelhante a estas feitas por Jesus. O livro de Provérbios, de fato, diz que
Esta corrente que transborda é um amor extraordinariamente intenso por Deus, infundido na alma pelo Espírito Santo, através do qual a alma se eleva a um conhecimento das coisas divinas a que Jesus chamava simplesmente de "a verdade":
diz Jesus,
Por isto é que este dom, que é o maior de todos e que leva consigo todos os demais à sua maturidade, embora infunda o amor, não se chama dom de amor, mas dom de sabedoria, porque é através deste amor que Deus concede aos homens aquela que é a mais elevada forma de conhecimento possível ao homem, possível somente aos santos. Esta sabedoria, conforme vimos no texto passada, é, no dizer de Pedro Lombardo,
Ela produz, no dizer de Santo Tomás de Aquino no Comentário ao Livro das Sentenças em que Pedro Lombardo faz esta afirmação,
Aqueles que são conduzidos pelo dom de sabedoria amam a Deus com o amor a que Cristo se referia quando disse estas palavras:
Deste fogo, que é a caridade infundida na alma pelo dom de sabedoria, disse também Santo Antão em suas cartas:
Também São Diádoco, bispo de Fócia no século V, atestou em seus escritos a diferença entre o amor de Deus proveniente da graça dos primeiros dons do Espírito Santo e aquela proveniente do dom de sabedoria, a maior de todas as graças. A diferença é tão grande que ele chama o primeiro de "amor natural da alma", embora de fato ele seja sobrenatural e infundido pela graça, e o segundo ele chama de "amor divino", embora o primeiro também já fosse divino. Vamos examinar as palavras de São Diádoco:
diz São Diádoco,
Daqueles a quem Deus concedeu a graça de poder amá-Lo desta maneira é que se pode dizer com mais plena razão, conforme o prólogo do Evangelho de São João, que
e que
Assim foram os santos da Igreja, como São João Bosco, como Santo Tomás de Aquino, como São Francisco de Assis; assim foram os apóstolos do Novo Testamento, como São Paulo e São João, seus principais escritores; assim foram também os profetas e os patriarcas do Antigo Testamento, como Moisés, Samuel e Elias. E, embora sejam poucos os homens que sejam assim, é assim que Deus quer que eles se tornem, conforme Ele próprio o afirma nas Sagradas Escrituras (Jo. 4, 23-24), e conforme o afirmou também recentemente a Igreja nos documentos do Concílio Vaticano II. Entre os anos de 1962 e 1965 praticamente todos os bispos do mundo se reuniram em Roma durante muitos meses seguidos para debaterem os problemas da Igreja no mundo moderno. Estes debates produziram uma série de quatro constituições, nove decretos e três declarações. Na constituição que foi chamada posteriormente de `A Luz dos Povos', ou `Lumen Gentium', seu nome original em latim, aprovada por 2151 votos contra 5, lê-se a seguinte afirmação:
Ora, fazer uma afirmação como esta, de que todos os fiéis cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade, significa a mesma coisa que dizer que todos os cristãos são chamados por Deus para crescerem na graça do Espírito Santo até alcançarem a plena vivência do dom de sabedoria, sem o qual se torna impossível a "plenitude da vida cristã e a perfeição da caridade" de que fala o Concílio Vaticano II. Isto significa que, se na história humana alguns homens se tornaram santos e outros não, isto não aconteceu porque uns foram chamados e outros não; todos foram chamados, mas apenas alguns atenderam a este chamado e corresponderam à graça que Deus lhes concedeu e concederia a todos, se todos atendessem e correspondessem. Este ensinamento, porém, não é uma novidade, pois há muitos séculos já se encontrava exposto no livro de Provérbios. De fato, logo em seu primeiro capítulo, ali se pode ler:
É muito claro, se examinarmos com cuidado as palavras contidas neste texto, que ele contém a mesma doutrina que é ensinada no Evangelho, nos escritos dos Santos Padres da Igreja primitiva, nos escritos dos teólogos como Santo Tomás de Aquino e nos documentos do Magistério da Igreja como os do Concílio Vaticano II. Na passagem acima o livro de Provérbios afirma que a sabedoria, que representa a plenitude da graça divina, não chama a alguns de preferência a outros; ao contrário, ela chama a todos, pois
Estas são expressões de quem quer chamar a todos, não apenas a alguns. A passagem diz ainda que ela quereria
e que, com isto,
É evidente, pois, que o livro de Provérbios, com estas palavras, está se referindo aos dons do Espírito Santo. Mas, continua o livro,
mais ainda,
isto é, aquela primeira correspondência à vida da graça que em outro lugar o livro de Provérbios diz ser
Isto significa que os homens não foram fiéis sequer ao primeiro grau da graça, o dom de temor, que os conduziria, através de um longo caminho em que
até à caridade produzida pelo dom de sabedoria. Em vez disso, como afirma ainda Provérbios em outro lugar,
O resultado então nos é descrito no texto já citado:
É uma advertência terrível, porém nem todos a querem escutar. Por isso é que diz ainda Provérbios, em outro lugar:
Para entender o verdadeiro sentido desta passagem sobre a preguiça e a formiga, deve-se considerar, em primeiro lugar, que ela não se refere à preguiça ou ao trabalho na acumulação dons bens materiais que garantiriam a nossa subsistência. Devemos nos lembrar que muitas e repetidas vezes Provérbios nos ensina que a verdadeira riqueza não são os bens materiais, nem o dinheiro, mas a sabedoria. A verdadeira riqueza do homem é, segundo Provérbios, aquela sabedoria de que este livro afirma que
Esta mesma sabedoria, diz ainda Provérbios, não está apenas junto de Deus desde toda a eternidade; ela também
e, quando ela encontra alguém que é movido pela graça de Deus a amá-la,
Esta sabedoria é, de fato, aquela verdade de que fala Jesus no Evangelho de São João, que é infundida na alma do justo através do amor, a própria graça do Espírito Santo, aquela que, no dizer de Pedro Lombardo, é
e, no dizer de São Pedro Apóstolo,
É esta sabedoria, e não quaisquer bens materiais por maiores que sejam, que é, no entender de Provérbios,
A indigência, portanto, de que fala a passagem da formiga, e
não são a indigência e a pobreza materiais, mas aquela morte espiritual que Provérbios diz que "colherá os homens como um temporal":
diz Provérbios;
Foi deste modo que também Santo Antão entendeu esta passagem da formiga. Os versos iniciais sobre os olhos e o sono com que ela se inicia, impressionaram profundissimamente a Santo Antão, a ponto dele os repetir, sem mencionar a sua proveniência, incessantemente em quase todas as suas cartas:
diz Santo Antão,
Importa, pois, diz ainda Santo Antão na continuação de sua carta,
uma clara alusão à graça do Espírito Santo, através da qual se manifesta em nós o poder de Deus. Deste poder e desta graça, o que ela é e como ela atua na santificação do homem, já falamos suficientemente no texto anterior. O que temos que tratar agora é uma questão prática, sem a qual se tornará inútil ter conhecido tudo quanto já aprendemos, isto é, temos que tratar a respeito de como e de que maneira é possível ao homem conseguir a graça do Espírito Santo. Este será o assunto sobre o qual trataremos a seguir, neste livro e no próximo, o próximo sendo um prolongamento do assunto que será tratado no presente. |