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Chamamos de causa eficiente ao agente externo que é princípio ativo de
movimento e de repouso. A causa eficiente é aquilo que efetivamente faz com que o ente
móvel se mova. Por contraposição à causa eficiente, que é princípio externo de movimento, a
matéria e a forma são princípios intrínsecos do movimento. A matéria e a forma, porém,
também podem ser chamados de causa na medida em que, segundo S. Tomás,
"É propriamente dito
ser causa de alguma coisa
aquilo sem o qual
esta coisa não pode ser,
pois todo efeito depende de sua causa".
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Tomando o nome de causa nesta acepção mais ampla, não é apenas a causa eficiente que
pode corretamente ser dita causa, mas também a matéria e a forma, as quais são, neste
sentido, chamadas de causa material e formal. Pode-se dizer então que o movimento exige,
para poder ser explicado, pelo menos três linhas de causalidade. Como princípios
intrínsecos o movimento exige a causalidade material e a causalidade formal, e como
princípio extrínseco o movimento exige a causalidade eficiente.
No entanto, devemos acrescentar agora que apenas a causalidade material e
formal, como princípios intrínsecos, e a causalidade eficiente, como princípio extrínseco,
não são suficientes para explicar completamente o movimento. Para tanto deve-se
acrescentar a estes um outro modo de causalidade, chamada de causalidade final.
Algo é dito ser causa final de um movimento na medida em que este algo é
um fim para um determinado movimento. Quando vamos a algum lugar para tratar de algum
assunto dizemos que este assunto é a causa final do movimento, porque todo o movimento de
dirigir-se ao tal lugar foi feito tendo em vista aquele fim. Embora este exemplo seja tirado da
psicologia em vez da natureza em geral, ele é exato e particularmente claro para se entender
o que é a causalidade final, e é por meio deste tipo de exemplo que Aristóteles e Santo
Tomás costumam explicá-la pela primeira vez. O exemplo é exato porque o assunto a ser
tratado foi verdadeiramente o fim em função do qual se deu o movimento e pelo qual o
movimento se explica como por uma de suas causas. Quando perguntamos porque tais ou
quais pessoas se dirigiram a um determinado lugar e alguém nos responde que foi para tratar
de um determinado assunto, costumamos entender com isto que nos foi dada uma explicação
satisfatória das razões daquele movimento.
No entanto, a causalidade final ocorre em uma extensão muito mais ampla do
que nos é sugerido por este exemplo tomado da psicologia. Segundo Aristóteles e S. Tomás
de Aquino todos os movimentos da natureza se realizam tendo em vista algum fim, e não
apenas os atos humanos, mesmo considerando que no caso da natureza em geral as causas
eficientes envolvidas, diversamente de como sucede no caso dos atos humanos, não são
inteligentes e por isso mesmo não têm consciência do fim ao qual se dirigem.
Nos movimentos inconscientes da natureza encontra-se uma causalidade
final não porque haja uma intenção deliberada do agente externo, mas porque a ação deste
agente externo que age como causa eficiente tem sua origem em uma determinada forma que
este agente deve possuir para poder estar em ato. Isto faz com que esta causa tenha que estar
determinada em seu modo de ação a um determinado fim. Assim, a ação da forma que faz
com que o agente externo fogo seja tal dirige-o por sua própria natureza para o aquecimento,
e este aquecimento é a causa final do movimento de que o fogo é causa eficiente.
Toda causa eficiente, para agir como tal, tem que estar em ato. Isto ocorre
por causa de uma determinada forma, a qual também confere uma pré-determinação para o
modo de agir desta causa eficiente. Segue-se daqui que todos os movimentos da natureza são
necessariamente ordenados a algum fim. O fato facilmente observável de que agentes
naturais semelhantes sempre agem de modo semelhante é indício de que a natureza se
comporta, em seus movimentos, com uma ordenação a algum fim. A palavra que, em grego,
significa fim ou finalidade é `teles'; diz-se, por isso, que a natureza é necessariamente
teleológica em seus movimentos.
Assim entendida, a causalidade final é a causa que move a causa eficiente, a
qual, por sua vez, move o composto cujos princípios intrínsecos são a causalidade material e
formal. A causa final é, portanto, a causa de todas as outras causas, ou simplesmente a causa
das causas e é, neste sentido, também a verdadeira explicação última do movimento.
Segundo esta concepção da natureza, essencialmente teleológica, só se poderá dizer que o
movimento é verdadeiramente conhecido quando for possível explicá-lo por meio da causa
final, e não quando apenas identificamos a causa eficiente.
O seguinte exemplo, sem nenhum prejuízo por se tratar de uma situação
psicológica, ilustra perfeitamente bem a afirmação de que o movimento só pode ser
plenamente conhecido pela causalidade final. Ocorreu um crime. Alguém foi encontrado
morto. Queremos a explicação do ocorrido e alguém nos diz que o desventurado, como todos
os homens, era um ser corruptível e, portanto, nada haveria para se admirar no fato de que
ele tenha morrido. Esta seria a explicação pela causalidade material e formal; embora
correta, pouco satisfará ao investigador de polícia ou ao parente da vítima. Eles exigem uma
melhor explicação. Alguém então lhes relata que o homem morreu porque uma terceira
pessoa lhe havia disparado um tiro de revólver. Esta é a explicação pela causa eficiente, e é
melhor do que a anterior, mas ainda assim não satisfará inteiramente. Queremos saber
efetivamente por que o homem morreu. Então surge alguém que nos explica que o pobre
homem havia tentado imprudentemente reagir a um assalto e o ladrão, sentindo a sua própria
vida ameaçada, atirou na infeliz vítima. Esta seria a explicação pela causa final e só quando
se chega a este ponto é que julgamos haver sido explicado o que ocorreu em sua integridade.
O mesmo ocorre com a natureza, diz Aristóteles. Ela não se explica
suficientemente enquanto não se alcança a linha da causalidade final. Esta causalidade teria
que existir necessariamente, qualquer que fosse o modo como a natureza tivesse sido
construída, já que o composto de matéria e forma, causas intrínsecas necessárias ao
movimento, só pode ser levado ao movimento através de uma causa eficiente em ato. Esta
causa eficiente, na medida em que está em ato através de sua própria forma, tende
necessariamente para algo determinado, e este algo determinado é a causalidade final do
movimento. A causalidade final, deste modo, não é uma questão psicológica, mas de
Filosofia Natural. Ela é conseqüência do fato de que o agente, para agir, deve estar em ato
determinado por uma forma, e esta determinação é a razão da existência da causa final. A
causalidade final não é conseqüência do livre arbítrio ou de um fator essencialmente
psicológico. Se ela se manifesta mais claramente nos seres inteligentes, de onde foram
tirados os exemplos anteriores, é porque ela existe de um modo mais nobre nos seres
inteligentes, mas essencialmente pelos mesmos motivos pelos quais existe necessariamente
na natureza em geral.
Vista sob este novo ângulo, a explicação da existência da causalidade final
no caso dos seres inteligentes provém do fato de que neles a causa do movimento é a forma
apreendida pela inteligência do agente que, através de sua vontade, causa o movimento.
Conforme diz Santo Tomás:
"O ato da vontade nada mais é
do que uma inclinação
que se segue à forma
apreendida pela inteligência,
assim como o apetite natural
existente nas coisas
é uma inclinação que se segue
às suas formas naturais".
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"Todas as coisas se inclinam ao bem,
embora de modos diversos.
Algumas se inclinam ao bem
apenas por um hábito natural,
sem conhecimento,
assim como as plantas
e os corpos inanimados.
Esta inclinação ao bem
chama-se apetite natural.
Outras se inclinam ao bem
com algum conhecimento,
não por conhecerem
a própria razão do bem,
mas conhecendo algum bem
em particular.
Assim ocorre com o sentido,
que conhece o doce e o branco
e outras coisas tais.
Esta inclinação
que se segue a este conhecimento
é chamada de apetite sensitivo.
Outras finalmente se inclinam ao bem
pelo conhecimento com que conhecem
a própria razão do bem,
o qual é próprio do intelecto.
E estas se inclinam
perfeitissimamente ao bem,
não como que dirigidos ao bem
por meio de outro,
como aqueles que carecem de conhecimento,
nem ao bem particular somente,
como aqueles em que existe
apenas o conhecimento sensível,
mas como que inclinados
ao próprio bem universal.
E esta inclinação é chamada de vontade".
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Esta explicação mostra por que a natureza da causalidade final é idêntica nos seres
inteligentes e nos seres inanimados. A diferença que existe entre estes dois casos reside
apenas no fato de que, enquanto nos seres inanimados esta forma é única e, por isso mesmo,
sempre predeterminada a um fim também único, nos seres inteligentes dotados de vontade
ela não é necessariamente predeterminada. Nos seres dotados de inteligência a forma
apreendida pelas faculdades cognitivas pode variar e, por este motivo, suas faculdades não
estão necessariamente condicionadas a um fim predeterminado. A causalidade final, por
conseguinte, é mais propriamente um problema de Filosofia Natural do que de Psicologia;
ela existe na natureza em geral no mesmo sentido com que existe nos seres inteligentes,
embora nestes o seja de um modo mais nobre.
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